Carlos Fonseca – Aventar
Da geração rasca, como de todas as gerações, na evolução do tempo, sobejam os resquícios. Tal geração foi-se diluindo socialmente e volatizando-se através de comportamentos de cidadania múltiplos e distintos. Passados os anos de ‘charros’, gritos e euforias nos concertos de Abrunhosa, parte substantiva desmobilizou, carregada de desencantos e frustrações ou motivada por projectos de vida individual.
No entanto, na espuma do tempo, permanecem sempre redutos remanescentes cristalizados à volta de diferentes polos ideológicos. Subsiste, por exemplo, uma parcela, imberbe ou mesmo sem existência à data de 25 de Abril de 1974, do tempo que verdadeiramente não teve consciência de viver, que assimilou e propagou no futuro as ideias conservadoras de progenitores e educadores, normalmente adeptos do Estado Novo. Uns viviam em África, sob a protecção de jovens da minha geração, idos daqui – “África é aqui”, era a palavra de ordem da soberba que exibiam nas visitas à metrópole, nesse tempo.
Do balanço da história recente, o absurdo é o domínio da descabelada contestação aos capitães de Abril, por parte desses homenzinhos de patológicas dissonâncias. Homenzinhos pseudo-sabedores do desconhecido, porque não habitaram, de facto, o País pobre, semeado de miséria, desigual e a desfazer-se em emigração maciça e na guerra colonial em 3 frentes; esses homenzinhos que, ao contrário da minha geração, jamais testemunharam e conviveram na Escola Primária com miúdos da Quinta dos Peixinhos, da Curraleira e de outros acantonamentos miseráveis, de barracas, no País de lés-a-lés – miúdos, diga-se, famintos, rotos, descalços e sujos com quem os outros dividiam o pão; esses homenzinhos que, ao contrário da minha geração, não tiveram amigos mortos e estropiados em África; esses homenzinhos que, ao contrário da minha geração, não sofreram perseguições da PIDE à menor tentativa de usar a liberdade de expressão para falar, escrever ou ler; esses homenzinhos que não tiveram a oportunidade de visitar o Tarrafal e, como eu, ver as condições ultra-desumanas como era tratado quem ousava opor-se a Salazar.
Em suma, esses homenzinhos, auto-intitulados de puros e impolutos, que se ufanam de pseudo-verdades, para atingir, e talvez dizimar, um dos marcos fundamentais da História de Portugal, o 25 de Abril, assim como os militares que o realizaram. Sem seriedade, bom senso e respeito pelos sentimentos e apego à democracia de milhões de outros portugueses. Sofrem de perturbações mentais agudas e incuráveis. Nenhum médico, fármaco ou terapia lhes assegura a cura.
Viva o 25 de Abril! Sempre e comemorado nas ruas! Se necessário, que renasça das cinzas a que o pretendem reduzir.
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