terça-feira, 10 de abril de 2012

Regresso de imigrantes brasileiros afecta economia de zonas como a Caparica e Ericeira



Andreia Nogueira – Público

Crise reduziu presença da comunidade para menos de metade na Caparica

A crise em Portugal e o "boom" económico no Brasil estão a levar imigrantes brasileiros a regressar ao país de origem. A Costa da Caparica e Ericeira são algumas das zonas onde a sua saída está a ter um impacto económico mais visível. Na Costa da Caparica, o número de brasileiros caiu para menos de metade.

Na Caparica, onde há oito anos viviam entre 3500 e 4000 brasileiros, a comunidade está agora reduzida a perto de 1500. Numa cidade que “durante muitos anos foi uma terra de veraneio”, mas que passou a acolher cada vez mais reformados, a saída dos brasileiros notou-se sobretudo nas ruas e no comércio , contou ao PÚBLICO António Neves, presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica.

“A cidade está morta, de cidade só tem o nome. É uma tristeza”, desabafa o nonagenário José Santos, que há mais de 50 anos dirige um estabelecimento de diversões no centro da Costa da Caparica e que atribui parte desta situação à crise. E essa é uma das principais razões avançadas pela maioria dos brasileiros para regressar à terra natal.

Grasielle Rocha acredita que os seus 29 anos são a idade ideal para deixar o emprego numa loja da Costa da Caparica e regressar ao Brasil – para onde já foram praticamente todos os amigos – com o objectivo de estudar Engenharia, “um ramo que está a ter muitas oportunidades”. Nesta área, “pelo menos nas próximas três ou quatro décadas, tem emprego para todo o mundo”, sublinha esta brasileira de Minas Gerais que diz-se “mais forte e mais segura de si” após oito anos em Portugal.

Para a comerciante Cristina França, a saída de tantos brasileiros da Costa da Caparica “afecta um pouco a economia local”, porque são pessoas que “consomem muito”. Também começa a sentir falta da mão-de-obra brasileira. Ao contrário de muitos dos seus compatriotas, esta brasileira não pretende deixar Portugal. “Aqui há mais qualidade de vida, mas no Brasil a gente é mais feliz”, admite a brasileira, que quer continuar na Caparica por uma questão de “segurança".

Júlio César, proprietário de uma cadeia de lojas de produtos alimentares brasileiros em Portugal, uma delas na Costa da Caparica, sente uma quebra no consumo, principalmente dos brasileiros. Este empresário diz que tem registado perdas na ordem dos 40 por cento. “Em 15 dias já me ofereceram quatro lojas de concorrentes para comprar”, disse Júlio César, que agora aposta na venda de produtos africanos, do leste europeu, entre outros.

De acordo com as Estatísticas das Filiais de Empresas Estrangeiras, o número de sociedades portuguesas controladas por brasileiros ascendia a 52 em 2009 (último ano com dados) contra as 35 em 2005. Viviane Lopes, gerente de um banco na Costa da Caparica, tem uma explicação possível para essa subida. Os brasileiros que ficam têm uma “vida estabelecida”, ao passo que aqueles que têm pouca escolaridade e que “moravam quase dez num apartamento para poder juntar dinheiro para enviar” estão a regressar.

Portugal ainda compensa

Ainda antes do 'boom' registado na Costa, a Ericeira foi uma das primeiras terras a acolher brasileiros. Dados indicados pelo presidente da junta de freguesia local, que emprega sete brasileiros entre 30 funcionários, apontam para uma comunidade de 500 a 600 brasileiros em 2011. A volta para o Brasil é visível nos bancos das igrejas da região e até num abrandamento no mercado de arrendamento de habitações.

Apesar da crise económica em Portugal, Elibiane Lacerda Sousa, conhecida como Bia, é uma das brasileiras que prefere adiar o regresso ao seu país e que continua a tentar que o seu negócio mantenha as portas abertas. Bia conta que desde o ano passado já viu vários brasileiros regressarem à Ericeira, porque o Brasil ainda “não compensa”: “O salário continua sendo baixo e as coisas vão sendo muito mais altas, principalmente agora, por causa do Mundial [de futebol de 2014]”.

Em 2010, já em época de crise, a brasileira, natural da Cidade Grande, mudou as instalações do cabeleireiro que dirige para uma zona mais central da Ericeira. No balcão tem uma fotografia com as empregadas do salão, todas brasileiras, mas na lista de clientes os nomes são cada vez mais de portuguesas.

Regresso forçado

Ao contrário de Bia, Elzerina Faria, que vive em Mafra, perto da Ericeira, só pensa em voltar. “Aqui já não dá mais para mim. Estou sozinha. O meu marido foi embora, largou-me aqui e eu tenho duas filhas”, lamenta. O processo de regresso ao país, incluído nos casos prioritários, está a demorar mais do que o esperado e os postos de trabalho que conseguiu para ela e para a filha mais nova, de 19 anos, têm de ser ocupados em Abril. A outra filha, de 21 anos, “sofreu um acidente na escola e não pode trabalhar”. “Estou passando uma dificuldade danada e estou com medo (…) Cada dia é mais um aperto no coração”, confessa esta brasileira natural do Espírito Santo.Elzerina Faria está a recorrer ao Programa de Retorno Voluntário, financiado pelo Fundo Europeu de Regresso em 75% e por Portugal em 25%, que suporta a viagem para o país de origem e 50 euros para despesas pessoais.

A directora executiva da Associação Lusofonia Cultura e Cidadania (ALCC), que tem um acordo com a Organização Internacional para as Migrações para este programa, diz que nos últimos seis meses cerca de 20 mil brasileiros foram para o Brasil e outros 20 mil manifestaram a mesma vontade.

O número de brasileiros legais em Portugal subiu de 66.354 em 2007 para 119.363 em 2010, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mas actualmente metade dos atendimentos da ALCC são de pessoas que querem regressar ao Brasil. “É a primeira vez que vejo a comunidade brasileira numa situação de extrema carência a todos os níveis”, sublinha Nilzete Pacheco, que está há quase 15 anos em Portugal. Para esta responsável, as entidades brasileiras deviam dar mais apoio ao regresso dos seus cidadãos em situação precária.

O cônsul-geral do Brasil em Lisboa afirma que o Governo brasileiro tem apoiado cada vez mais quem vive no estrangeiro, tendo criado “um mecanismo permanente de comunicação entre o Estado e a comunidade brasileira que se encontra expatriada” e melhorado os serviços, dando o exemplo da abertura do consulado em Faro, agendada para Abril. Renan Paes Barreto dá ainda conta de um aumento do número de repatriações apoiadas pelo Estado para as quais é preciso “fazer prova de desvalimento”. “O posto triplicou o número de atendimentos ao longo dos últimos 12 meses”, sublinha.

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