terça-feira, 10 de abril de 2012

SARKOZY PROMETE LUTAR CONTRA A AUSTERIDADE


O governo Passos não se desfaz das gorduras, antes pelo contrário...

Pode ler, sobre Portugal, Mário Soares escreve em determinado momento da prosa: "Curiosamente, o despesismo do Estado e das empresas públicas continua. Dos grandes "buracos" fala-se pouco e dos casos escandalosos também não. Os responsáveis estão impunes. Tudo continua por esclarecer... Para onde tem ido o dinheiro que o Estado já recebeu? Não se sabe." (PG) 


1. É certo que num momento eleitoral vale tudo para certos políticos. O necessário é ganhar votos, a qualquer custo. Mas esse oportunismo tem, geralmente, um preço. E às vezes, é muito alto.

Vem isto a propósito de uma declaração feita - é certo, em campanha eleitoral - pelo Presidente, ainda em exercício, Nicolas Sarkozy, com responsabilidades políticas europeias consideráveis, dado o relacionamento que estabeleceu com a chanceler Merkel, para ambos governarem a União Europeia, sem aliás terem qualquer legitimidade política para o fazer.

Pois bem, a duas semanas das eleições, Sarkozy deu conhecimento do seu programa de governo, para o caso de vitória, prometendo reduzir significativamente os cortes sociais feitos e diminuir a sacrossanta austeridade. Por isso The Economist escreveu que Sarkozy se comporta como "se tivesse as finanças da Alemanha ou da Suécia, quando na realidade estão mais próximas das de Espanha", com as contradições que daí resultam.

A União Europeia e a população europeia em geral começam a desconfiar das políticas de austeridade, a que a chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy têm sido uma dupla tão afeiçoada, uma vez que, cada dia parece ser mais óbvio, sem crescimento das economias e redução drástica do desemprego não é possível vencer a crise global. Por mais empréstimos que sejam feitos aos Estados em dificuldades, como os juros são altíssimos - a austeridade só beneficia os mercados especulativos - e, por isso, a recessão avulta e o desemprego sobe. A Grécia, a Irlanda, Portugal e Chipre foram, como se sabe, as primeiras vítimas. Mas agora a Espanha e a Itália - grandes economias europeias -, mas também o Reino Unido, afastado da Zona Euro, a França, a Bélgica e a Holanda, começam a dar sinais de idênticas dificuldades. Quem lhes vai valer? Os sinais de desagregação e de perda da credibilidade da União Europeia são altamente preocupantes. Como ainda mais a lenta destruição dos Estados sociais e das próprias democracias...

Como é possível num tal contexto vencer a crise global? E se não é, para que serve a austeridade? Resposta: para nada. E em jeito de alternativa: mudando de paradigma de desenvolvimento com certeza. É o que tem feito, com avanços e recuos, a América de Obama, embora com a lentidão resultante do cerco republicano esquizofrénico que tem sido feito ao Presidente Obama. E na União Europeia? Quem paga, se for reduzida, drasticamente, a austeridade? Qual é a alternativa, perguntam os neoliberais? Os Estados Unidos e o Reino Unido têm vindo a responder, à sua maneira: fabricando mais moeda, quanto ao dólar e à libra esterlina. Por que razão não se faz o mesmo, com o euro, uma moeda forte? Porque a chanceler Merkel, com uma restrição imposta ao Banco Central Europeu, impede, com medo da inflação, fabricar mais euros.

Ora as instituições europeias podem - e devem - fazê-lo. Só precisam de ter dirigentes com coragem. Em especial o Banco Central Europeu. O presidente Mário Draghi, que demonstrou ter coragem, que o faça, em vez de ir à China pedir auxílio... A União Europeia é que não pode ficar paralisada, em descrédito crescente, sujeita a uma desagregação que afetará todos os Estados membros, inclusivamente - não haja ilusões - a Alemanha, com a União, como disse Helmut Schmidt, "à beira do abismo"...

2. Portugal e o imbróglio europeu. Os portugueses têm o péssimo hábito de dizer mal da sua Pátria. Salvo os que estão no estrangeiro e fazem comparações. As culpas, dizem, são do Governo, do anterior e do atual. Haverá culpas relativas, é certo. Mas quanto ao atual imbróglio europeu - que tanto nos aflige - as culpas não nos pertencem: somos as vítimas das especulações alheias e da ideologia neoliberal a que os Estados Unidos e a União anglo-saxónica primeiro se converteram e nos tentam converter. Se a Alemanha tem ajudado a Grécia - como devia - aos primeiros sintomas de crise, tudo se teria passado de modo diferente e muito melhor.

Mas não vale a pena discutir o passado: o que conta é o futuro. E agora o que interessa é que a austeridade não pode estar - como tem estado - ao serviço dos mercados especulativos, das agências de avaliação e, sobretudo, dos especuladores, aumentando a recessão dos Estados vítimas e fazendo subir o desemprego a proporções nunca vistas. É urgente reagir para que a Europa, no seu conjunto, não entre no colapso anunciado.

Sucede que o atual Governo português - legítimo, porque resultou do voto popular - tem como raiz ideológica, felizmente em decadência: o neoliberalismo. Especialmente, com a coligação maioritária formada, mais o PSD, que há bastante tempo deixou de ter algo a ver com a social-democracia; enquanto o PP, populista e ultraconservador, voltou a acrescentar o CDS, à sua sigla, talvez para recuperar um cheirinho "democrata-cristão"...

Seja como for, o Governo, um ano após a sua constituição, cometeu, desde o início, erros graves: o primeiro foi autoproclamar-se "discípulo exemplar" da chanceler Merkel; e o segundo, foi o Governo não só se mostrar subserviente à troika, como mesmo dizer que em relação aos cortes propostos a queria ultrapassar. Para quê? Acresce que, como foi avisado, a austeridade, por si só, não leva a parte alguma. Que não seja: mais recessão, mais desemprego e maior destruição do Estado Social. Os cortes têm atingido gravemente os mais desfavorecidos e a classe média, em via de empobrecimento. Mas os mais favorecidos não são atingidos. E, apesar de a ministra da Justiça prometer punir - e bem - o enriquecimento ilícito, nada se fez por enquanto. O desemprego subiu a 15% e, quanto ao desemprego jovem, já atingiu os 35%, pedindo aos jovens doutorados e mestrandos, quase todos com grande qualidade - pasme-se! -, para emigrarem...

Curiosamente, o despesismo do Estado e das empresas públicas continua. Dos grandes "buracos" fala-se pouco e dos casos escandalosos também não. Os responsáveis estão impunes. Tudo continua por esclarecer... Para onde tem ido o dinheiro que o Estado já recebeu? Não se sabe.

Não admira, assim, que o descontentamento aumente e o Governo perca credibilidade. Note--se que o PSD teve como tema da última campanha cortar "nas gorduras do Estado". Ora parece, paradoxalmente, até ter vindo a engordar...

3. A Esquerda europeia começa a despertar. Não só a Esquerda. Grande parte do centro, que se sente atingido. Grandes Estados, como a Espanha e a Itália, atacados pelos mercados especulativos, que têm tido consequências gravíssimas para os próprios Estados mas também para toda a Europa. Acrescentem-se-lhes o Reino Unido (embora fora da Zona Euro) e a própria França.

Os cidadãos europeus conscientes, dos países citados - e dos outros -, dão-se conta de que a austeridade, por si só, não só não resolve a crise como a agrava perigosamente. A recessão, o desemprego, a destruição das conquistas sociais, põem em perigo as próprias democracias e estão a criar um descontentamento geral profundo, suscitando manifestações, mais ou menos violentas, por toda a parte, e fazendo crescer, assustadoramente, a criminalidade. Numa palavra, tal política é inaceitável, a prazo.

A esquerda radical e os sindicatos sabem que estão em jogo os seus destinos, se não reagirem. Vê-se na Grécia o que tem vindo a suceder. Mas a Esquerda socialista e democrática, se não quiser autodestruir-se, também tem de resistir e abandonar definitivamente a "terceira via", de má memória, e bater-se ao lado dos sindicatos e em favor dos valores da Esquerda, atraindo os Verdes e os independentes. Sem tergiversações. É o que tem estado a suceder na Itália, na França - apesar de estar em campanha eleitoral - e na própria Alemanha, onde a social-democracia, de novo maioritária, e os Verdes parecem ter percebido, finalmente, que a política monetarista da Senhora Merkel a leva - e nos leva - inexoravelmente, à ruína.

A Espanha e Portugal têm agora Governos de inspiração neoliberal. Estão pois a ficar em contracorrente. Mais Portugal do que a Espanha, diga-se. É preciso que acordem. Pois dado o estado de descontentamento profundo que despertam, se não tiverem flexibilidade - e um diálogo aberto - sujeitar-se-ão a grandes surtos de violência, como começou a ver-se já na Catalunha.

De resto, na própria troika começa a haver divergências, tanto no FMI - a presidente Lagarde só fala em luta contra o desemprego e contra a recessão - como no próprio Banco Central Europeu, cujo presidente, Mário Draghi, tem uma visão muito crítica do monetarismo da chanceler Merkel. Estejamos, pois, com atenção - os tempos mudam - e não deixemos que a União Europeia caia no abismo.

4. A Comunidade de Santo Egídio. Sempre fui agnóstico mas, não obstante, sempre admirei a Comunidade de Santo Egídio e participei em muitos encontros, nos quais tive a honra de intervir, desde Assis a vários outros lugares do mundo, sem esquecer Lisboa. Porquê? Por ser uma Comunidade aberta ao diálogo e sempre partidária da paz. É sabido que a paz em Moçambique, entre a Frelimo e a Renamo, foi negociada pela Comunidade de Santo Egídio e pelo seu incansável sacerdote, que dirigiu os trabalhos e tanto admiro, Matteo Zuppi. O presidente da Comunidade, grande amigo também, Andrea Riccardi, é hoje ministro para a Cooperação Internacional e Integração do Governo Monti.

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