segunda-feira, 28 de maio de 2012

COMUNIDADE DE PAÍSES DE LÍNGUAS IBÉRICAS




Martinho Júnior, Luanda

1 – À medida que o tempo passa e as fragilidades da CPLP vêm à superfície como o azeite, vou sentindo essa organização como algo parecido com um resíduo bolorento de Tratados há muito improfícuos: o Tratado de Tordesilhas, de 7 de Junho de 1494! (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Tordesilhas) e o de Saragoça, de 22 de Abril de 1529 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_de_Sarago%C3%A7a)!

Nesses Tratados, as coroas portuguesa e espanhola dividiram entre si o domínio sobre a América do Sul primeiro, depois, com a definição do anti-meridiano, o mundo, o que está na origem do espaço cuja língua dominante é o castelhano e o Brasil, ele próprio, um componente do CPLP.

Esse fenómeno contrasta com o que acontece com outros blocos que têm a língua como referência: o anglo-saxónico “Commonwealth”, ou ainda os “francófonos”, comparativamente mais poderosos, cobrindo as “cinco partidas do mundo”, podendo responder com mais aferição aos relacionamentos internacionais contemporâneos que se impõem pela via da globalização que eles próprio criaram, incluindo seus “indicadores sócio-cultrais”, servindo de esteio ao domínio das correspondentes potências.

2 – É evidente que as vantagens comparativas dessas organizações se sustentam também de aspectos históricos, económicos e sócio-culturais, para além do domínio das potências que deram origem a elas.

Por isso não há razão alguma para que, ultrapassando-se a questão atávica que parece responder ainda hoje ao feudalismo dos Tratados de Tordesilhas e de Saragoça, a CPLP se mantenha frágil na sua diminuta expressão económico-sócio-política-cultural e não deva evoluir para a Comunidade de Países de Línguas Ibéricas, mesmo que isso signifique derrubar os muros conservadores que existem tanto em Portugal como em Espanha.

Como diriam os expedientes no passado: “outros valores mais altos se levantam” e esses valores correspondem mais às emergências a sul, às vontades progressistas de humanidade, coisas que só com as crises podem ser compreendidas nas “grandes metrópoles” Ibéricas!

3 – O caso da Guiné Bissau contribuiu agora para confirmar essa necessidade histórica e geo estratégica:

Relegada até agora para um plano secundário na solução da crise, a CPLP não teve internamente suficiente convergência entre os seus componentes e não garantiu externamente meios de inteligência e eficácia de ordem político-diplomática para fazer valer seus pontos de vista, o que deixa particularmente prejudicadas as sensibilidades que se socorrem dos antigos movimentos de libertação das colónias portuguesas, eles próprios pouco adaptados à Nova Ordem Global, mas suficientemente fragilizados por ela, neste caso via “Françafrique” e Nigéria.

O Brasil poderia tirar partido das potencialidades da sua emergência, mas preferiu, uma vez que continua fora do Conselho de Segurança da ONU (o que contraria a sua pretensão em tornar-se membro permanente), garantir uma posição de máxima abertura em relação a todas as sensibilidades dispostas no xadrez africano, sacrificando minimamente os relacionamentos com os PALOP, por que o Brasil esteve fora do movimento de libertação africano e terá as suas dificuldades em relação à Guiné Bissau e ao PAIGC.

Nesta conformidade, são os padrões regionais duma CEDEAO minada pela “Françafrique” e pela “correia de transmissão” que constitui a Nigéria enquanto membro de vulto da “Commonwealth”, uma CEDEAO respondendo submissa e enfraquecida aos padrões da globalização em curso que afecta o Oeste Africano com toda a acuidade que estão a resultar num outro “medicamento” que pode ser, para o doente Guiné Bissau, ainda pior que o angolano.

4 – A visita da Presidente da Argentina a Angola ocorreu precisamente nesta altura em que a fragilidade da CPLP ficou ainda mais exposta que antes.

A visita teve o condão de trazer novos reforços aos relacionamentos políticos, económicos e sócio-culturais sul-sul entre a América do Sul e o ocidente de África, por via da Argentina e Angola, assim como trazer uma abordagem renascida sobre contenciosos que se arrastam desde os tempos da escravatura.

Este tipo de abordagens, entre as nações que surgiram da famigerada rota dos escravos, traz não só aspectos históricos e sócio-culturais à memória dos povos: resulta também no renascer de potencialidades e sinergias adormecidas, que poderão revitalizar ambas as margens do Atlântico Sul e contribuir para que as concepções conservadoras de organizações como a CPLP, sejam finalmente ultrapassadas pelo que dita a história dos povos que nutrem as novas emergências da América e de África!

Não é logicamente a simbologia duma revolta dos escravos em pleno século XXI, mas um “efeito boomerang” de contenciosos antigos, que comportam um caudal inusitado de renovadas energias, em especial se não se inscrever apenas nos interesses das elites.

É evidente que este processo que está em embrião, é uma saída com sentido de vida na direcção duma Comunidade de Países de Línguas Ibéricas, tirando partido das culturas latinas, ultrapassando os velhos traumas da própria Ibéria, que se repercutem ainda hoje em algumas ideologias dominantes tanto na República Portuguesa, como na Monarquia dos Bourbons em Espanha.

5 – A entrada da Guiné Equatorial na CPLP é, nesse sentido e de acordo com a minha interpretação, o primeiro dos sinais inevitáveis de abertura, não sendo por acaso que é o actual governo português considerado conservador, a demonstrar maior oposição ao passo que se pretende dar.

O governo português parece fazer letra morta à imperiosa necessidade das nações insulares que compõem o Golfo da Guiné beneficiarem de Angola a fim de encontrarem mais equilíbrio geo estratégico na sua região, mesmo que a Guiné Equatorial tivesse sido um dia portuguesa e mesmo que ela, tal qual São Tomé e Príncipe, tivessem sido depósitos intermediários de escravos que à força eram conduzidos para o outro lado do Atlântico!

É provavelmente também o governo que poderá colocar mais obstáculos no sentido da CPLP sair da sua pequenez e se expandir em função das Línguas Ibéricas, ao nível dos obstáculos das entidades conservadoras espanholas, pois o Brasil está habituado, no espaço da América Latina, a relacionamentos muito mais pragmáticos, abertos ao futuro, com as nações falantes do castelhano e o mesmo acontece com os africanos como Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola e Moçambique, que valorizam o papel de Cuba Revolucionária no âmbito da sua resistência, da luta de libertação contra o colonialismo, na luta contra o “apartheid” e ainda nas potencialidades de ajuda no que lhe falta de há séculos na luta contra o subdesenvolvimento crónico: sobretudo educação e saúde!

Os relacionamentos bilaterais de Angola com a Argentina, que estão a sofrer agora um impulso, enquadram-se nesse tipo de sinais e vêm ao encontro do que eu próprio tenho levado em consideração: a necessidade histórica e sócio-cultural de Cuba integrar o CPLP, ao menos como observador, ao mesmo tempo que a CPLP possa ser revigorada com a abertura económica-política-sócio-cultural que as Línguas Ibéricas propiciam, uma resposta aliás ao nível dum “Commonwealth”, ou do enorme espaço francófono, que até hoje têm tirado partido das divisões Ibéricas e de seus reflexos negativos em África e na América!

A CPLP tem tudo a abrir em relação às Línguas Ibéricas, absorvendo as energias que potenciarão a consolidação de outros rumos, tirando partido das resistências históricas que se firmaram sobretudo no lado ocidental do Atlântico.

6 – É evidente que as culturas com Línguas Ibéricas, se unidas, são uma força acrescida, não só obrigando a encarar-se de outro modo o domínio das culturas eminentemente anglo-saxónicas e francófonas, mas também fórmulas abertas às emergências e às soluções mais progressistas, indispensáveis à luta contra a crise, como à luta contra o subdesenvolvimento e contra a opressão, que faz parte também da pressão cultural, do “modelo” de globalização em vigor.

O império serve-se muito das culturas anglo-saxónicas e francófonas para ainda hoje impor a sua vontade, o que uma vez mais se torna patente nas soluções preconizadas para coma Guiné Bissau e na posição de cada um dos intervenientes sobre o caso.

Do lado da Nigéria, Costa do Marfim e Senegal (CEDEAO), alinharam no Conselho de Segurança da ONU, o Togo e a África do Sul e na União Africana, Jean Ping fez o resto…

Mapa:
O planisfério Cantino (elaborado em 1502), espelhando o Tratado de Tordesilhas de 7 de Junho de 1494!

Consultas adicionais:
- Commonwealth – http://www.fco.gov.uk/en/;

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