Madri, 12-M: Centenas de milhares de pessoas nas ruas, como em 80 outras cidades na Espanha, e 50 pelo resto do mundo |
No dia em que movimento regressa às ruas na Espanha, texto de Manuel Castells debate sua importância, perigos e perspectivas
Manuel Castells – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
Mas… não estava morto e enterrado o 15-M? Não havia degenerado em violência de rua, para a qual temos a polícia? Não tinham se convertido, os mais sensatos, numa associação legal Democracia Real Já!, devidamente registrada no ministério do Interior? Que resta destes movimento espontâneo, maciço e criativo que contou, durante meses, com apoio moral de três em cada quatro cidadãos?
Logo saberemos. Nas redes sociais já circula o chamado para uma manifestação local e global, em 12 de maio. Reúne milhares de pessoas em todo o mundo, com o lema “Unidos por uma mudança global”. Reativa os protestos que mobilizaram milhões, em 951 cidades e 82 países, em 15 de outubro de 2011. E este movimento rizomático, com múltiplos nós mutantes e autônomos, que vive nas redes sociais da internet e nas pessoas, mantém o fogo da indignação, enquanto as coisas permaneçam como estão.
Aparece, desaparece e reaparece no espaço público para reafirmar sua existência e formular um projeto de mudança social. Por ser movimento sem chefes, baseado na horizontalidade e na participação, sem normas nem programa, supera qualquer circunstância. Não se cria nem se destrói: transforma-se. Sobrevive ao próprio perigo mais comum dos movimentos sociais: a autodestruição por disputas internas.
Certas práticas usuais da esquerda não afetam o 15-M. Quando, há alguns dias, Fabio Gandara (um veternao do movimento) e outras pessoas impacientaram-se e criaram uma associação DRY [Democracia Real Ya], para atuar em nome do movimento, soou o alarme nas redes sociais. Tal decisão, tomada de forma pouco clara e minoritária, segundo parece à maioria dos nós locais do movimento, contrariava os princípios de democracia assembleária sobre os quais se apóia o 15-M. Mas depois de um momento de irritação inicial, adotou-se a atitude de que cada um faz o que quer e não cai o mundo. A declaração do movimento de Valência, que se opôs em 25 abril à ideia da associação era assinada por “Democracia Real Já (o objetivo, não a marca)”, porque não há marca, ninguém pode se apropriar do que não tem proprietário. O 15-M é das pessoas que saem às ruas e debatem na rede, a cada momento: cada um com suas razões, reivindicações, ideais e manias. Por isso, não é nem será um partido ou algo parecido. Também não há problema (exceto se houver trols no meio) se pessoas de boa fé decidirem seguir outro caminho, por objetivos amplamente compartilhados. É uma rede aberta, não uma burocracia fechada.
É muito mais grave um outro perigo que o 15-M enfrenta: a tentativa de deslegitimá-lo diante dos cidadãos e de criminalizá-lo, associando-o aos “violentos”. Quem são estes? Não se sabe muito bem, exceto que são muito poucos e que são rechaçados pela imensa maioria do movimento. Porque o 15-M é, desde sua origem, explicitamente não-violento. Já demonstrou esta opção na prática, quando foi atacado pela polícia e não respondeu com violência que poderia ter se generalizado. É essencial que esta atitude se mantenha, porque a estratégia mais ardilosa para desconectar o movimento de sua referência aos 99% consiste em provocá-lo, até que a TV possa oferecer imagens de caos, violência, destroços e sangue, capazes de afastar a sociedade de quem se atreve a ir às ruas dizendo o que muitos pensam.
Não será fácil evitá-lo. Porque a polícia mostra-se incapaz para fazer algo muito simples, como intervir de modo seletivo quando se queima o primeiro container de lixo ou se apredeja o primeiro banco. Prefere pescar com rede e prender todos os que passam pelo local.
Mas, sobretudo, não será fácil conter a raiva das pessoas, porque os meses passam, a situação piora e os governos continuam indiferentes ao protesto, aplicando de forma arrogante as receitas da “austeridade” e obrigando as pessoas a pagar uma crise que, na visão dos indignados, foi coisa de banqueiros e políticos – que logo salvaram a si mesmos. O caminho institucional para o debate cidadão está bloqueado. A submissão dos parlamentares aos partidos se aplica automaticamente. O partido “socialista” (PSOE), depois de ter começado a bagunça, segue em estado de morte cerebral. Os sindicatos ladram mas não mordem, ou talvez já não tenham dentes. A mídia está midiatizada e procurando comprador. Ministérios e governos locais dedicam-se aos cortes criativos, para ver que novos sacrifícios humanos podem oferecer ao deus dos mercados – que ainda assim não acredita na dívida espanhola, tanto pública quanto privada.
Como não há outra alternativa, milhares de pessoas sairão às ruas em 12 de mio. E como continuamos buscando novas formas de democracia, propõem-se a deliberar, por três dias, nas praças ocupadas. É aí que as autoridades os esperam. Proibido ocupar qualquer espaço público. A alternativa, então, está entre voltar para casa e tudo continua igual ou reafirmar o direito à reunião e ao debate, até que se produzam enfrentamentos com violência, que permitam criminalizar o movimento.
Se houvesse vocação democrática entre os políticos, eles poderiam deixar que os cidadãos se encontrassem em ágoras nestes três dias, deliberassem e propusessem. Seria uma forma de reconectar a sociedade com as instituições. Mas os partidos e governos são visceralmente opostos a um movimento que lhes nega legitimidade. Ou bem se entra nos canais pré-estabelecidos – precisamente aqueles que o movimento denuncia por suas cartas marcadas –, ou se condena os protestos à marginalidade seguida de repressão.
Os indignados terão de ser criativos para sair destes dilema. Precisarão imaginar formas de desobediência civil protegidas pela lei. Terão de mostrar flexibilidade, em seus tempos e espaços de decisão assembleária. Terão de construir seus canais de comunicação direta com a cidadania. Deve-se recordar que a cada dia em que vamos nos dissolvendo na crise, assumem mais razão.
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