JSD - Lusa
Cidade da Praia, 02 mai (Lusa) - O académico cabo-verdiano Corsino Tolentino considera que as sanções que comunidade da África Ocidental impôs à Guiné-Bissau não vão resultar devido à falta de coesão dentro da organização.
Corsino Tolentino, antigo diretor geral da Fundação Calouste Gulbenkian e atual funcionário do Ministério das Relações Exteriores cabo-verdiano, salientou à Lusa a existência de "uma espécie de consenso perverso" na intenção da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) de defender o regresso ao poder do Presidente interino, deixando de fora o primeiro-ministro eleito.
"Há uma tentativa de semi-regresso à ordem constitucional. Trata-se da ideia de ver o Presidente interino chefiar a transição (de um ano) sem ter em conta Carlos Gomes Júnior (primeiro-ministro e candidato presidencial). Isso é um consenso perverso, pois evita o caminho para um regresso ao passado (antes de 12 de abril, dia do golpe de Estado que afastou aqueles políticos)", sustentou.
Para Corsino Tolentino, os interesses de certos países da região oeste-africana, como Nigéria, Senegal e Costa do Marfim, têm também de ser tidos em conta.
"Não é difícil perceber que a Nigéria não quer Angola na sub-região. Não é difícil perceber que o Senegal tem o problema de (a luta pela secessão) Casamança e que a sua relação com a França tem implicações na sub-região (maioritariamente francófona)", explicou.
Em relação à Costa do Marfim, Corsino Tolentino lembrou que Abidjan "ainda não esqueceu o apoio" de Angola, que mantém, em fim de operação, uma missão militar na Guiné-Bissau (Missang), ao rival de Alassane Ouattara na recente disputa pela presidência marfinense.
Por tudo isso, avançou, dizer quer a CEDEAO tomou as rédeas das negociações para a paz e estabilidade na Guiné-Bissau é uma "consideração perigosa", pois os interesses são vários e as agendas também.
"O não negociado tem ainda muito peso em África e, em particular, na África Ocidental", observou Corsino Tolentino, desdramatizando, assim, o papel menos mediático assumido pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) no conflito político-militar na região.
Questionado pela Lusa se as sanções decretadas segunda-feira pela CEDEAO terão efeito, Corsino Tolentino, assumindo que não acredita, respondeu com uma questão: "Face ao contexto existente, o que se tem de perguntar é se há ou não capacidade para as fazer cumprir".
"Não há consenso na CEDEAO quanto ao denominador comum: a tolerância zero em relação aos golpes de Estado, que é condição indispensável para a paz e estabilidade na Guiné-Bissau", acrescentou.
Sobre a cimeira do Grupo de Contacto, a realizar quinta-feira em Dacar (com os presidentes de Cabo Verde, Nigéria, que preside, Senegal, Gâmbia, Benim, Guiné-Conacri e Togo), Corsino Tolentino salientou que "não vai ser fácil chegar a um consenso mínimo e claro" sobre os limites das cedências na negociação.
"É essencial que se chegue a um consenso para manter a coesão da CEDEAO, tendo em conta que a Nigéria se senta em cima da sua importância, que a Costa do Marfim ainda não perdoou Angola e que o Senegal tem agendas diferentes e problemas específicos", salientou.
Nesse sentido, defendeu que terá de se ter em conta o regresso do Presidente interino, Raimundo Pereira, e, sobretudo, envolver nas negociações o partido maioritário, até 12 de abril - Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) -, uma vez que "não se pode subestimar o nacionalismo e patriotismo" que poderão surgir.
"A missão do Grupo de Contacto é muito difícil. Há várias contradições entre o Comando Militar e a CEDEAO em torno do que parece ser o regresso de Raimundo Pereira. Mais grave, parece haver falta de consenso na CEDEAO. Mas a questão tem de ser posta: a CEDEAO terá ou não capacidade para resolver a situação?", insistiu.
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