sábado, 5 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

Geopolítica do neocolonialismo na Africa Ocidental (1)

A Geopolítica

         A Geopolítica é uma área de conhecimento multidisciplinar, que utiliza as Ciências Politicas, a Geologia e a Geografia Física e Humana, para além das múltiplas disciplinas das Ciências Sociais, Ciências da Natureza, Ecologia, Economia, Matemática, Estatística e Estratégia. Para os estudiosos da Geopolítica as relações entre os factores solo, Estado, espaço, posição geográfica, economia, vontade e outros, constituem o seu principal objecto de estudo. As suas bases teóricas estão assentes em 4 escolas de 4 países diferentes: Frederich Ratzel (1840-1904), na Alemanha; Vidal de La Blache (1813-1918) na França; Haldorf Mackinder (1861-1947) na Inglaterra e William Davis (conhecido pela seu modelo do ciclo geográfico ou ciclo da erosão, amplamente debatido entre 1884 e 1899) nos USA. As 3 escolas europeias tinham como base instrumental a relação Geografia Humana / Politica, enquanto a escola norte-americana revelava na Geografia Física (Geomorfologia) as suas principais derivações.
        
A formação do pensamento geopolítico europeu

         A Escola Alemã de Ratzel considerou o homem e o solo como elementos relevantes na análise da influência ambiental no conceito de poder nacional. A estes dois elementos Ratzel adicionou o conceito de espaço, sentido de espaço e localização geográfica. A resultante foi a sua formulação das leis do crescimento territorial dos Estados, que no seu desenvolvimento originaram a teoria geopolítica nacional-socialista do espaço-vital, aplicada pelo III Reich.

         A escola francesa, representada por Vidal de La Blache, fundador da Escola Possibilista, ao qual juntou-se Camille Vallaux, era oposta às teorias de Ratzel e da escola alemã, advogando o estudo das relações entre Geografia, História e Estados, na qual o factor humano é o elemento principal. A escola francesa desenvolveu o conceito de diferenciação, segundo o qual as considerações mais favoráveis para a formação e desenvolvimento dos Estados, encontram-se nas zonas de maior diversidade e contrastes e o conceito de zonas de civilização, que foi preponderante nas políticas gaullistas do período final da colonização e das práticas neocoloniais francesas.

         A escola inglesa elabora a sua acçäo a partir dos trabalhos de Haldorf Mackinder, professor de Geografia da Universidade de Oxford, cujos estudos incidem sobre o desenvolvimento da Geografia no âmbito do conceito de Poder Nacional na perspectiva global (no fundo uma sistematização elaborada do projecto imperial de Rhodes). Utilizando o conceito de talassocracia (poder marítimo) e epirocracia (poder terrestre), Mackinder, no início do século XX, salientou 3 zonas distintas: a) Área Pivot, ocupando uma vasta extensão, inacessível á navegação e constituída por uma grande área de estepes, delineada pela Rússia, potência terrestre por excelência; b) Crescente interior constituído pela Alemanha, Áustria, Turquia, India e China; c) Crescente exterior constituído pela Grã-Bretanha, Africa do Sul, Austrália, USA, Canadá e Japão.

         Em 1904 Mackinder alerta o governo britânico para o perigo do poder terrestre (a área pivot) expandir-se, formando alianças com os países da Europa Central, sugerindo que a Grã-Bretanha deveria formar alianças com a França, a Itália e o Japão, utilizando o seu poder marítimo. Em 1919, terminada a I Guerra Mundial, Mackinder publicou a segunda fase dos seus estudos, onde estabeleceu o conceito de Ilha Mundo, composta pela Europa, Ásia e África, sendo a América e a Austrália zonas satélites que delimitavam o Heartland do Norte, delimitado pela Rússia e apresentando um novo Heartland, a que denominou por Heartland do Sul, que englobava o continente africano a sul do Sahara. Nesta segunda fase dos seus estudos alertava para o facto de uma grande epirocracia centrada no Heartland do Norte (Rússia) representar um perigo efectivo para as potências marítimas, vencedoras da guerra 1914-1918. Estabeleceu os princípios da sua teoria na célebre máxima: Quem governar a Europa de Leste, comanda o Heartland; Quem governa o Heartland comanda a Ilha Mundo e quem governa a Ilha Mundo, controla o Mundo.

         Em 1943 apresenta a terceira fase dos seus estudos, onde continua a realçar o Heartland, introduzindo uma área de separação, desértica, que vai do Sahara aos confins das zonas desérticas da Asia e terras geladas do Alasca e Ártico. Designa o Atlântico Norte de Oceano das Terras do Meio, aí incluindo as zonas ribeirinhas da Europa e da América (Canadá, USA, México, toda a América Central, Caribe e Venezuela. Nesta área estão concentrados os poderes marítimos. Introduz o conceito de Grande Oceano, constituído pelo Pacifico, Atlântico Sul e Indico sendo as terras asiáticas das monções, a Austrália, a América do Sul e a Africa a sul do Sahara a área de drenagem dessa massa de água. Nesta fase Mackinder considerava que o poder marítimo para triunfar tinha de obter zonas de influência na periferia continental.
          
A Escola de Munique

         Nos anos 20 do século passado, por alturas da segunda fase de estudos de Mackinder, a escola de Munique, cuja figura central era Haushofer, formada no conceito de espaço-vital, elaborado por Ratzel, dividia o mundo em 4 Pan-regiöes, cada uma delas com o seu Estado-director: a) Pan-America, abrangia todo o continente americano, sob a égide dos USA; b) Pan-Euro-África, abrangendo toda a Europa, até á Rússia Soviética, toda a África, Península Árabe, Médio-Oriente e parte do Irão, sob a direcçäo da Alemanha; c) Pan-Russia, abrangendo parte da Asia Central e parte do Irão, tendo a URSS como Estado-director; d)Pan-Ásia-Oriental, posteriormente designada por Área da Co-Prosperidade da Grande Ásia, abrangendo a China, a Península da Coreia, Indochina, Indostão e todo o Extremo-Oriente, Oceânia, Austrália, Nova Zelândia, parte da Ásia Central, sob a direcçäo do Japão.
          
Teoria Geopolítica dos USA

         Baseada na Geografia Física a teoria geopolítica norte-americana, liberta-se desta componente, sem nunca a abandonar completamente e afirma-se ao exterior através da apropriação do conceito de poder marítimo, da escola inglesa, sendo o seu porta-voz o Almirante Mahan (1840-1914). A afirmação da teoria geopolítica norte-americana gera-se numa época em que o colonialismo britânico dominava a cena mundial. Mahan revoluciona o conceito de poder marítimo, afirmando que este só pode ser alcançado através da posse de bases terrestres, materializadas nas colónias das grandes potências e do essencial e fundamental controlo da circulação marítima.

         Outro teorizador da escola norte-americana, nesta fase inicial de evolução do pensamento geopolítico, foi Nicholas Spykman (1843-1943) que desenvolveu o conceito de rimland, alterando por completo a concepçäo de Mackinder sobre a relação entre Heartland e Ilha-Mundial, afirmando como fundamental o controlo da Eurásia. Nesta concepçäo o Heartland localizava-se em grande parte nos territórios da ex-URSS, sendo o rimland toda a zona circundante ao Heartland, englobando a Europa e o litoral da Ásia. Ao continente americano renomeou-o o Novo Mundo separado dos restantes continentes pelos oceanos Atlântico e Pacifico, que associados ao Indico criavam a Oceanic Belt. Toda a restante área continental, fora do Heartland, rimland e Novo Mundo, era de menor importância e denominava-se Offshore continents and islands, onde situava o continente africano.

         Para concluir a importância da escola norte-americana nesta fase inicial do pensamento geopolítico, temos de considerar os estudos e os conceitos de Samuel Cohen, professor da Universidade de Boston, que dividiu o mundo em 4 grandes áreas de poder: a) Mundo dependente do comércio marítimo (continente americano, Austrália, Nova Zelândia e restante Oceânia, Europa Ocidental e África); b) Poder continental euroasiático (Leste europeu, Rússia e grande parte da Ásia Central); c) Região politicamente independente (India); d) Shatterbelts, cinturas fragmentadas (Arábia, Medio Oriente, litoral do extremo-Oriente).

Evolução da Geopolítica
        
         A geopolítica clássica, que abrange o período entendido entre os finais do século XIX até á primeira metade do século XX (final da II Guerra Mundial), trata essencialmente das relações entre Estado e território, poder e geografia. A segunda fase do pensamento geopolítico é centrada nas preocupações políticas, estratégicas e geoestratégicas da guerra fria e abrange quase toda a segunda metade do século XX.

         Se na fase inicial África é tratada como elemento secundário nas definições geopolíticas, em virtude da colonização, nesta segunda fase o continente africano ganha importância, não só pelas independências que marcaram este período, como também pela sua importância crescente na geoestratégia. Foi nesta fase que as geopolíticas neocolonialistas implementaram-se no terreno e foram ensaiadas.

         A actual fase do pensamento geopolítico inicia-se nos finais do seculo XX, com o advento do projecto global. A geopolítica passa a abranger conceitos como a Biodiversidade, os novos paradigmas logísticos, a dar maior importância aos conceitos antropológicos, ao factor humano e organizacional, á importância das novas realidades económicas, papel dos mercados, novas tecnologias, etc.

Fontes

Armando de Campos; África do Sul – Potência Regional; ISCSP, 1996
Ernst Gellner; Geography and imperialism, 1850-1940; Manchester University Press, 1995
Martin Ira Glassen; Geografia delle relazioni tra gli stati; Francongeli, 1995
Adriano Moreira; Condicionamentos Internacionais da Área Lusotropical; Editora Massangana, 1985
Políbio Valente de Almeida; Um esboço geopolítico de África; ISCSP, 1992/93

* Ver todos os artigos de Rui Peralta – também em autorias na barra lateral

Sem comentários:

Mais lidas da semana