Olivier Blanchard, economista chefe do FMI, defende pacote de ajuda grego e explica a lógica da austeridade aplicada às economias europeias
Olivier Blanchard - Dinheiro Vivo
O pacote grego animou os mercados. Nesta coluna, o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, defende que o programa lida diretamente com os dois problemas mais fundamentais que a Grécia enfrenta – alto endividamento e baixa competitividade. E que também é justo, pedir sacrifícios tanto à Grécia como aos seus credores.
Para voltar à boa forma, a Grécia precisa de duas coisas. Primeiro, uma dívida menos pesada. Segundo, uma maior competitividade económica. O novo programa incide sobre as duas.
Baixar a dívida
Alguns países têm sido capazes de descer dívidas públicas elevadas. Aqueles que foram bem-sucedidos, fizeram-no através de grande crescimento sustentado. Mas no caso da Grécia, tornou-se claro que o crescimento elevado – e muito menos o crescimento elevado sustentado – não ia acontecer em breve. A dívida tinha de ser restruturada.
O processo foi longo e confuso. Afinal de contas, a negociação entre credores e devedores raramente é só rosas. Durante o processo, os credores estrangeiros foram frequentemente considerados na Grécia como os maus da fita – grandes bancos, que podiam e deviam estar dispostos a levar um golpe. Mas a realidade é que os bancos pertencem às pessoas, muitas delas a poupar para a reforma, que viram o valor das ações dos seus bancos a descer.
Dito isto, o acordo sobre a participação do setor privado – a maior redução negociada de sempre de dívida pública – reduziu a dívida de todos os homens, mulheres e crianças da Grécia em cerca de 10 mil euros, uma contribuição considerável por parte dos aforradores estrangeiros.
A Grécia tem agora de fazer o seu papel – com um compromisso político sustentado de implementar o difícil mas necessário conjunto de reformas fiscais, financeiras e estruturais que foi acordado como parte do programa apoiado pelos parceiros da Grécia da zona Euro e do FMI. É sem dúvida um desafio gigantesco. Mas é também uma oportunidade – para aproveitar a folga económica aberta pelos credores privados e públicos. Irá a Grécia aproveitá-la?
Consolidar as finanças públicas
Antes de mais nada, terá que reduzir o défice fiscal ainda mais. Caso contrário, negará simplesmente o progresso que foi feito apenas com a dívida. O esforço fiscal que já foi concretizado é verdadeiramente impressionante, com o défice primário a descer de 10% para menos de 3%. A redução e o reagendamento da dívida ajudarão a baixar os seus juros, mas isto não será suficiente por si só para acabar com o buraco nas finanças públicas.
A Grécia ainda está a gerir um défice primário, e em breve terá de gerir um superavit primário. Não há alternativa. Muita da despesa terá de ser cortada. E, no lado fiscal, devido às medidas duras que têm de ser tomadas, muito do foco do programa é na justiça, em garantir que quem é mais rico paga, de facto, um valor justo.
Reduzir o défice da conta corrente
Da mesma forma, sendo que isto talvez seja ainda mais importante, a Grécia precisa de reduzir o seu défice de conta corrente, por duas razões diferentes. Primeiro, nenhum país pode gerir um enorme défice de conta corrente e pedir dinheiro emprestado ao resto do mundo para sempre. Segundo, como a austeridade fiscal afeta a procura interna, a única maneira de regressar ao crescimento é depender mais da procura externa para reduzir o défice de conta corrente.
E a Grécia ainda tem um défice de conta corrente muito grande, perto de 10% de PIB, apesar do nível reduzido de produção. Para diminuir um défice de conta corrente, não há segredos: um país tem de se tornar mais competitivo, vender mais para o exterior, e comprar menos ao exterior. Atualmente, as exportações da Grécia representam apenas 14% dos bens que produz.
Até que ponto é que a Grécia precisa de melhorar a sua competitividade? É difícil ter a certeza, mas uma melhoria na competitividade – ou uma depreciação real – de cerca de 20% parece ser o que é necessário.
Estratégia para melhorar a competitividade
Há duas maneiras para um país ser mais competitivo: tornar-se muito mais produtivo, ou reduzir custos salariais e não salariais. A primeira é muito mais apelativa. Mas não existem varinhas mágicas. Embora muitos setores na Grécia apresentem uma deficiência enorme na produtividade, as reformas necessárias envolvem alterações nas leis e comportamento, nenhuma das quais é fácil de concretizar. O programa desenvolvido com o Governo grego tenta identificar a todo o custo onde e como podem ser feitos progressos. A lista é longa, a implementação difícil, e os resultados incertos, sendo que, em qualquer caso, não serão para amanhã.
Isto deixa-nos com os cortes nos salários, pelo menos até uma maior produtividade ser alcançada. Em países com taxas de câmbio flexíveis, isto pode ser realizado através da desvalorização da moeda. Num país que faz parte de uma zona com uma divisa comum, tem de ser alcançado diminuindo os salários e os preços. Na Grécia, os salários aumentaram mais depressa do que a produtividade durante anos, agravando o problema. O custo unitário do trabalho – que é uma medida chave da competitividade – aumentou em mais de 35% entre 2000 e 2010, em comparação com abaixo de 20% na zona Euro. Isto tem que ser desfeito.
O melhor caminho a seguir teria sido uma negociação entre os parceiros sociais para reduzir os salários e preços, e evitar um processo longo e difícil de adaptação. Isto não aconteceu. O programa tenta acelerar o processo, ao mesmo tempo que protege os mais vulneráveis. A dura realidade é que a adaptação terá de acontecer de uma forma ou de outra; caso contrário, a competitividade não crescerá, a procura não aumentará, o défice de conta corrente continuará, e os números do desemprego manter-se-ão muito altos. Quanto mais depressa acontecer, menos sofrimento haverá.
Sem alternativas viáveis
Haveria alternativas menos dolorosas? Não acredito que houvesse ou haja. Por exemplo, a ideia que por vezes se passa de que projetos de grandes infraestruturas poderão impulsionar o crescimento, aumentar a produtividade e melhorar as contas fiscais e correntes, é exagerada. É verdade que os fundos estruturais de Bruxelas, e transferências mais gerais a nível fiscal, seriam úteis, pelo menos para aumentar a procura. Mas o problema da Grécia não é, principalmente, um problema de infraestruturas físicas. Os projetos financiados por fundos estatais farão pouco para influenciar o crescimento a curto prazo, piorariam o défice fiscal, e só atrasariam o ajuste inevitável.
E se se aumentasse os salários em vez de os diminuir, como alguns já sugeriram? Isto pode, de facto, aumentar a procura e, por conseguinte, o crescimento a curto prazo. Um maior rendimento disponível poderá levar os consumidores a gastar mais, embora possa ser contrariado em parte por uma diminuição no investimento. Mas o aumento dos salários iria exacerbar o problema da competitividade. Na realidade, à medida que as importações aumentassem e as exportações diminuíssem, levaria a um défice de conta corrente ainda maior. Só atrasaria e amplificaria a extensão do ajuste inevitável.
E quanto a deixar a zona Euro? A saída do Euro seguida de uma forte desvalorização poderia conseguir a descida de salários e preços que a Grécia precisa, e fazê-lo mais depressa. (Nota: a descida dos preços e salários não seria evitada; apenas aconteceria de uma forma mais rápida). De facto, se para começar a Grécia tivesse a sua própria divisa, certamente que isto teria feito parte do programa. Mas a Grécia é um membro da zona Euro. E, pondo de parte os custos enormes de já não pertencer a esta zona, as consequências negativas de uma saída desordenada – desde o colapso do sistema monetário e financeiro às batalhas legais sobre as taxas de conversão corretas dos contratos – seriam muito, muito grandes.
O que interessa: Será que o programa resultará?
A Grécia terá de escalar uma montanha no mínimo tão alta como a que já escalou e o sucesso dependerá sobretudo da implementação sustentada e forte do Governo. Em todos os programas, eventos inesperados ocorrerão, e o programa terá, sem dúvida, de ser reajustado ao longo do percurso. Como Christine Lagarde disse: "Os riscos mantêm-se excecionalmente elevados”.
Tudo isto é verdade. Mas também é certo que o programa lida diretamente com os dois problemas mais fundamentais que a Grécia enfrenta – não só o alto endividamento mas também a baixa competitividade. E é justo, ao pedir sacrifícios partilhados, que estes o sejam não só para a Grécia, mas também entre a Grécia e os seus credores.
Sem comentários:
Enviar um comentário