Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal ainda não reparou que, sobretudo por culpa dos jornalistas, o pão dos escravos cai ao chão sempre com a manteiga virada para baixo.
Por isso vai requerer formalmente à repartida (3/2) filial do PSD/PS, também conhecida por ERC, a reapreciação da denúncia feita pelo Conselho de Redacção do jornal “Público” de que o ministro Miguel Relvas ameaçou promover um boicote informativo do Governo ao jornal e divulgar na Internet dados da vida privada da jornalista Maria José Oliveira.
A decisão do SJ, divulgada em comunicado da Direcção emitido hoje, radica no facto de o sindicato considerar insatisfatórias as conclusões da deliberação sobre o caso.
Ao contrário do entendimento do CR da ERC, a Direcção do SJ considera que não foram esgotadas “todas as possibilidades de averiguação e de esclarecimento” das imputações feitas ao ministro, as quais, se confirmadas, “tornariam política e moralmente insustentável a manutenção de Miguel Relvas no Governo, e muito menos no de ministro com a responsabilidade da área da Comunicação Social”.
O SJ refere-se, concretamente, ao facto de a ERC “não ter chamado a depor jornalistas” ao serviço do 'Público' que terão ouvido parcialmente conversações telefónicas entre a sua editora de Política e o ministro, bem como de não ter recorrido a “outros meios de prova, nomeadamente a promoção de uma acareação das duas testemunhas determinantes para esclarecimento do que realmente foi dito nas duas conversações telefónicas – o ministro Miguel Relvas e a editora de Política do “Público”, Leonete Botelho”.
É o seguinte o texto, na íntegra, do Comunicado do SJ:
“1. A Direcção do Sindicato dos Jornalistas analisou a deliberação do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (CR da ERC), relativa à denúncia feita pelo Conselho de Redacção do jornal “Público” de que o ministro Miguel Relvas havia ameaçado promover um boicote informativo do Governo ao jornal e divulgar na Internet dados da vida privada da jornalista Maria José Oliveira.
2. Ao contrário do entendimento do CR da ERC, a Direcção do SJ considera que não foram esgotadas todas as possibilidades de averiguação e de esclarecimento daquelas imputações, as quais, a confirmarem-se, tornariam política e moralmente insustentável a manutenção de Miguel Relvas no Governo, e muito menos no de ministro com a responsabilidade da área da Comunicação Social.
3. Embora a deliberação procure sustentar a tese da “insuperabilidade das contradições testemunhais”, relevando as contradições, que crê insanáveis, entre os testemunhos de Miguel Relvas, de um lado, e sobretudo de Leonete Botelho, de outro, e suportando-se no complemento testemunhal de dois assessores políticos do ministro (como tendo ouvido parcialmente conversações telefónicas), o certo é que, em nosso entender, a ERC não esgotou todos os meios processuais ao seu alcance para poder, desde logo, invocar a alegada “insuperabilidade”.
4. De facto, além de não ter chamado a depor jornalistas ao serviço do “Público” que circunstancialmente também se encontrariam junto da sua editora de Política, o CR da ERC não se socorreu de outros meios de prova, nomeadamente a promoção de uma acareação das duas testemunhas determinantes para esclarecimento do que realmente foi dito nas duas conversações telefónicas – o ministro Miguel Relvas e a editora de Política do “Público”, Leonete Botelho.
5. O SJ entende que, infelizmente, nem todos valoraram a credibilidade dos depoimentos das jornalistas Leonete Botelho e Bárbara Reis nem tiveram em conta o “tom genuíno, categórico e detalhado com que prestaram testemunho” reconhecido pelo Vice-presidente do CR da ERC, Arons de Carvalho, na sua declaração de voto.
6. Desta forma, insatisfeito com as conclusões da deliberação em causa, o SJ, com a legitimidade de representar os jornalistas na defesa dos seus direitos profissionais e da liberdade de informação, e por ter participado à ERC os factos em apreciação com pedido de averiguação dos mesmos, vai requerer formalmente a reapreciação das matérias cuja averiguação está manifestamente incompleta.
7. Nesta conformidade, a Direcção do SJ entende não se pronunciar para já sobre as conclusões da Deliberação no que concerne à prova produzida sobre as matérias em averiguação, sem embargo de considerar desde já despropositadas as extensas locubrações feitas sobre o timing da reacção do “Público” às alegadas ameaças, querendo deixar transparecer que o tempo que mediou entre ambas é, por si só, um factor que retira gravidade às imputações.
8. A Direcção do SJ aproveita aliás para voltar a saudar a coragem e determinação dos elementos eleitos do Conselho de Redacção do “Público”, para agir em defesa da liberdade de informação e denunciar os factos que apurou. Ao mesmo tempo, lamenta que a deliberação tenha resvalado para uma insinuação de eventual défice de legitimidade dos nossos camaradas, ao observar que a posição desse órgão não foi expressa em comunicado formal do mesmo, mas “apenas dos respectivos membros eleitos”.
9. O CR da ERC, tendo a seu cargo a responsabilidade, com dignidade constitucional, das garantias de liberdade de imprensa, não pode ignorar que a denúncia de atentados ao direito de informar e à restrição de direitos dos jornalistas é um dever ético e legal imperativo, irrenunciável e imprescritível dos jornalistas, seja a título individual, seja quando investidos em funções de representação colectiva, em particular nos conselhos de redacção, também estes protegidos na Lei Fundamental.
10. Por outro lado, é manifesta a insuficiência da posição do CR da ERC sobre o comportamento ilegítimo do ministro já comprovado nesta fase, é inexplicável a renúncia do Regulador à formulação de um juízo sobre a conduta “ética e institucional” do governante e é curta a conclusão de que, a verificar-se um boicote informativo de Miguel Relvas (mesmo que só do próprio), “consubstanciaria um tratamento discriminatório (…) que contraria o princípio constitucional do direito à informação”.
11. Com efeito, não é necessário “verificar-se” a ameaça de boicote de um ministro. Basta que a ameaça tenha existido, como comprovadamente existiu, para que o Regulador, em ordem a cumprir o seu dever de velar pela independência dos meios de informação face ao poder político, da liberdade da actividade dos jornalistas e dos meios de informação, da garantia de não discriminação – seja por quem for! – e também da preservação da independência da própria ERC, se pronuncie claramente e condene inequivocamente tal conduta.”
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: TIMOR-LESTE SEGUNDO A ONU (III)
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