Rui Peralta
Israel
Israel comemorou recentemente os 45 anos de ocupação da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental. Apesar de todo o consenso internacional sobre a “inadmissível” ocupação, da Resolução 242 da ONU, Israel permanece nos territórios ocupados. Mais firme que nunca. Cimentou o controlo sobre a terra e a água palestinianas, assentou mais de meio milhão de colonos, empurrou os palestinianos para enclaves cada vez mais pequenos, tudo em flagrante violação aos mais elementares direitos. E nunca deixou de receber o apoio dos USA e o respaldo diplomático da ONU, apesar de toda a “choradeira” em torno do direito internacional e da necessidade da retirada sionista.
Israel segue uma estratégia clara: mais terra palestiniana, menos população palestiniana. É essa a sua política de colonização, ao deixar 60% do território da Cisjordânia fora do alcance dos palestinianos, através de um Muro de separação, ou expulsando-os gradualmente e de forma burocrática de Jerusalém Oriental, ou negando licenças de construção aos palestinianos, anulando autorizações de residência em Jerusalém a quem estudar ou trabalhar fora da cidade, mesmo na vizinha Ramallah, os ataques aos refugiados palestinianos, tudo medidas de obter mais terra disponível. A colonização e a limpeza étnica, métodos que estão na génese do estado sionista, são os mesmos métodos utilizados no presente, tornando-se cada vez mais sofisticada a descriminação racial subjacente a todos os projectos colonialistas.
A questão racial está patente na terminologia oficial. Eli Yishai, o ministro do interior, utiliza frequentemente no seu discurso a ideia do “homem branco” o autêntico e único judeu, e dos “infiltrados” africanos, que com os palestinianos forma uma “aliança islâmica” cujo fim é destruir o sonho dos “homens brancos”, Israel. Racismo, xenofobia (com a mitificação da figura do povo eleito) e segregacionismo tornam-se características do Estado de Israel. A brutalidade da ocupação, a descriminação que sujeita os palestinianos e os africanos que buscaram alguma segurança material em Israel, são o preço do projecto colonizador.
Hoje um número crescente de cidadãos palestinianos renuncia á solução dos dois estados. Optaram por um futuro estado Israel / Palestina, onde todos os cidadãos gozem de liberdade, igualdade e justiça, não interessando a sua origem étnica, a sua raiz cultural ou a sua religião. Estes são caminhos que os arquitectos da ocupação nunca imaginaram. Esqueceram-se de um pormenor básico e simples: o espaço partilha-se.
Ausência
No teu regaço precioso de suspiros feitos de vento roubo beijos em sonhos e desejos. No teu regaço lamento, ocioso, cada pedaço deste tormento.
Palestina
Ver as suas terras confiscadas é banal e são muitos os pequenos agricultores que já sofreram, através dos anos, esta forma de relocalização a que as autoridades sionistas sujeitam os palestinianos. É assim desde que os sionistas chegaram á Palestina.
Quando alguém emigra, articula-se no interior da soberania do local de chegada, esteja a sociedade receptora organizada como nação, tribo, reino ou outro tipo de comunidade. Mas este não é o comportamento do colono. Os colonos, ao contrário dos emigrantes, dos viajantes e dos nómadas e outros errantes, levam consigo a sua própria soberania, desafiando as soberanias dos locais onde se estabelecem. O êxito dos colonos consiste no acto de apropriar-se das terras e dos recursos dos indígenas, ou da exterminação da sua soberania. Quando o processo de colonização é completado, os indígenas deixam-no de o ser, perderam a sua soberania, foram deslocalizados, a sua maioria foi proletarizada e sofreram processos de aculturação, provocados não pelo desenvolvimento das suas sociedades, mas sim pela força alienígena que se instalou nas suas terras.
Isto é o colonialismo, o processo de estabelecimento, perpetuação, extensão do domínio e expropriação de recursos, naturais, culturais e humanos. O sionismo não foge á regra destes processos. Caracteriza-se no entanto por uma particularidade. O processo de colonização sionista não partiu de um estado-nação, de onde saíram os colonos e que é a base do seu apoio logístico. Os sionistas trouxeram com eles o capital (dos judeus privilegiados, a burguesia judaica, na sua maioria burguesia financeira) e a mão-de-obra (a grande maioria judaica proletarizada). Com estas duas componentes (o capital e a força de trabalho) o sionismo estabeleceu a sua soberania extinguindo a soberania palestiniana.
Um bom exemplo desse processo é Telavive. Telavive não é a consequência natural de Shayk Muwannis e outras aldeias e lugares que existem enterrados no seu subsolo, nem um subúrbio de Jafa, uma cidade histórica vizinha. Nada disso! Telavive é a soberania que, ao eliminar essas aldeias, eliminou a soberania palestiniana. A construção de Telavive e dos colonatos é o processo de criação do Estado de Israel no espaço ocupado á Palestina. Cada processo de confisco de terras a agricultores palestinianos, ou a populações beduínas, é um processo de eliminação da soberania indígena e do domínio da soberania sionista.
A Palestina e os palestinianos são eliminados de várias formas. Pela morte, pela deslocalização e pelo despojo da sua identidade, ou identidades. Em 1948, quando a sociedade colonial sionista se converteu em Estado de Israel, centenas de milhares de palestinianos foram expulsos. Em 1967, quando o Estado de Israel estendeu o seu domínio, convertendo parte da Palestina histórica em territórios ocupados, centenas de milhares de palestinianos foram expulsos ou recolocados. Desde 1967 o Estado sionista revogou o direito de residência a mais de 240 mil palestinianos da Cisjordânia e de Gaza, condenando-os a “ilegais” nas suas próprias terras, ou obrigando-os ao exilio.
A lógica da eliminação está bem patente nos numerosos massacres perpetrados pelos sionistas entre 1947 e 1949. Mas encontra-se a mesma lógica na eliminação da identidade, quando o estado de Israel identifica os cidadãos palestinianos como “árabes israelitas”, ou quando no Negueve (Nagab, para as comunidades locais) impede os beduínos de serem pastores. Às particularidades do sionismo – o antissemitismo europeu, os progroms, o Holocausto, as políticas de terras do Imperio Otomano, o colonialismo britânico e francês, o capitalismo - responde a resistência palestiniana – o nacionalismo, o anti-imperialismo, os USA, as potências regionais, o islamismo – com as suas particularidades e contradições.
O processo de colonização sionista manteve as mesmas formas desde a segunda vaga de chegada da população judaica, entre 1904 a 1914, quando estes decidiram não integrar-se na sociedade palestiniana, ao contrário do que fizeram os seus antecessores da primeira vaga - que em alguns casos converteram-se ao Islão, ou formaram tendências sincréticas no judaísmo que o levaram ao convívio fácil com o Islão - e criar a sua própria soberania na Palestina. O colonialismo sionista é a transformação da Palestina em Israel, o processo de eliminação dos indígenas e é a causa da resistência palestiniana. Os colonatos são a destruição, literal, da Palestina.
Ausência
Há um oblívio de mim. Guia-me, por favor, para alívio do meu fim.
Colômbia
A Colômbia é um país onde os conceitos são difusos e contradictórios. Chama-se uma coisa a outra e outra a uma coisa. O regime criminoso a que as classes dominantes colombianas submetem os colombianos é a democracia, as torturas e os que desaparecem quando são detidos é o exercício do Estado de Direito, a oligarquia, que vende ao desbarato a nação colombiana ao imperialismo, é patriótica e digna representante dos mais altos valores morais da pátria colombiana.
Claro que, nesta perspectiva, existem instituições sólidas, moral e temporalmente, como o Cartel de Medellín, os paramilitares, o narcotráfico, a corrupção, a Casa de Narquino – nome pelo qual é conhecido o palácio presidencial – enfim, arrisco a afirmar, toda a estrutura em que assenta o estado colombiano é solidamente corrupta e historicamente assente na mentira, no roubo e no homicídio. É assim que a Colômbia tem e teve presidentes que eram funcionários de ultima categoria dos cartéis, que tem generais que á frente das suas Brigadas massacram sindicalistas, dirigentes camponeses, activistas políticos e dos direitos humanos, enfim, a escumalha comunista, que os pobres e patrióticos e honrados rapazes dos cartéis e dos paramilitares e os estadistas e militares patriotas, os oligarcas narcisos egoisticamente benfeitores, são obrigados a eliminar a bem do Estado de Direito e da democracia colombiana.
Na Colômbia até os gangues paramilitares têm denominações sagradas, firmes de fé cristã e demonstrativos dos mais altos valores morais. Por exemplo uma chama-se “Doze Apóstolos”. Em Antioquia são conhecidas as suas benfeitorias e espirito missionário. Especializaram-se na evangélica missão de torturar, assassinar, raptar e dar sumiço, conforme podem comprovar as centenas de camponeses que foram torturados, raptados, que permanecem desaparecidos ou cujos cadáveres são encontrados periodicamente.
Este é um país cujos cidadãos observam as suas sombras num espelho. Toda a realidade colombiana fica invertida. É um país matrix, essa sim, talvez a única obra-prima das classes dominantes colombianas. O resto é o normal de todas as oligarquias: o tilintar dos dólares nos bolsos dos privilegiados, as enormes extensões de terra, arrancadas aos indígenas, povoadas por vacas e cavalos dos latifundiários, que agora dedicam-se aos agronegócios, a começar pelos agrocombustiveis e o doce sabor da cocaína a flutuar nos cérebros de uns e na carteira de outros financiando patrióticos generais e altivos presidentes…
Ausência
Afectos perfumados, longínquos andarilhos que caminham descalços na savana, reencontrados. Da lua cheia são filhos (atributo dos percalços). Afectos afluentes que desaguam na vida levados nas correntes de uma alma sofrida
India
Hoje vou falar-vos de uma mulher, que faleceu em 2008, com 54 anos, num hospital de Mumbai. Causa da morte? Malária. Provavelmente apanhada nas selvas do estado de Jharkland, onde alfabetizava grupos de mulheres Adivasi. O seu nome? Anuradha Ghandy, conhecida na “grande democracia” como uma “terrorista maoista”, susceptivel de detenção e interrogatório (tortura) ou de ser encontrada morta, como acontece a centenas de mulheres como ela, na India.
Quando esta terrorista sentiu as febres altas e dirigiu-se ao hospital para fazer o teste palúdico, deixou um nome falso e um número de telemóvel inexistente ao médico. Por isso este, depois do resultado da análise, não conseguiu contactá-la para indicar-lhe os primeiros tratamentos até ela chegar ao hospital, pois estava afectada pelo tipo de malária mais letal, a falciparum. Os órgãos parece que foram falhando, um a um e quando ela, já inconsciente, foi levada ao hospital, nada havia a fazer. Dos seus 54 anos de idade, 30 foram passados na clandestinidade.
Filha da classe media, ainda estudante, foi inspirada pela insurreição Naxalita, em Bengala Oeste. Era aluna no Elphinstone College e assistiu aos famintos que vinham para cidade, provenientes das zonas rurais, na década de 70. Influenciada pelas imagens dos corpos vitimados pela fome, participou em equipas de auxílio e tomou contacto com as ideias que iriam determinar o seu caminho politico. Começou a trabalhar como leitora, no Wilson College, em Mumbai, mas em 1982, já politicamente empenhada, foi para Nagpur. Depois percorreu Chandrapur, Amravati, Jabalpur e Yavatmal, organizando os mais pobres dos pobres: operários da construção, mineiros, desempregados, desapossados...
Em finais da década de 90, diagnosticaram-lhe esclerose múltipla, mas ela partiu para Bastar e viveu na floresta de Dandakaranya, como quadro do Exercito Guerrilheiro Popular de Libertação, durante 3 anos. Trabalhou no fortalecimento e expansão da organização das mulheres, a KAMS, tornando-a a maior organização feminista da India, com mais de 90 mil activistas, facto impressionante atendendo á semiclandestinidade desta organização, que se estende das florestas profundas da India Central, às aldeias e aos montes tribais do Andhra Pradesh, passando pelas florestas do Bihar e da Jharjland.
Hoje falei-lhes de uma mulher, de muitas mulheres, das mulheres que são o rosto, o corpo, a alma da India despedaçada pelo capitalismo, mas resistente, teimosamente resistente, como um pendulo de Foucault, dinamicamente imparável.
Fontes
Walid Khalidi; All That Remains; Nomade, 2011
Raja Shehadeh; Palestinian Walks; Nomade, 2011
Gershon Shafir; La tierra, el trabajo y los orígenes del conflicto palestino-israelí, 1882-1914; Nomade, 2011
NadiaHijab; Can Israel survive its 45 year occupation?; http://mideast.foreignpolicy.com
Jimmy Johnson; A primer on settler colonialism; http://www.counterpunch.org
Renán Vega Cantor; El monstruo de la espalda gigante; http://www.rebelion.org
Arundhati Roy; Walking with the comrades; http://www.zcommunications.org
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