O general francês Paul Aussaresses, promotor do uso da tortura na guerra colonial da Argélia, foi adido militar no Brasil entre 1973-1975 e instrutor no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, criado por oficiais brasileiros formados na não menos famosa Escola das Américas. Amigo do ditador João Figueiredo e do delegado Sérgio Fleury, Aussaresses já admitiu em livros e entrevistas a morte de um mulher sob tortura em Manaus, que teria vindo ao Brasil para espionar Figueiredo, e que a ditadura brasileira participou ativamente do golpe contra Allende. O artigo é de Eduardo Febbro.
Eduardo Febbro, Paris - Carta Maior
Paris - “A tortura é eficaz, a maioria das pessoas não aguenta e fala. Depois, da maioria dos casos, nós os matávamos. Por acaso isso me colocou problemas de consciência? Não, a verdade é que não”. O autor dessa “confissão” é uma peça-chave da estratégia repressiva de prisões, torturas e desaparecimentos aplicada no sul da América Latina a partir dos anos 70. Trata-se do general francês Paul Aussaresses, ex-adido militar francês no Brasil (1973-1975), chefe do batalhão de paraquedistas, ex-combatente na Indochina, ex-membro da contra espionagem francesa, herói da Segunda Guerra Mundial, fundador do braço armado dos serviços especiais, promotor do uso da tortura durante a guerra colonial na Argélia e, sobretudo, instrutor das forças especiais norte-americanas em Fort Bragg, o famoso centro de treinamento da guerra contra insurgente, e no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, criado por oficiais brasileiros formados na não menos famosa Escola das Américas, onde se formaram todos os militares latino-americanos que cobriram de sangue os anos 60, 70 e 80.
Paul Aussaresses é uma das espinhas dorsais da exportação da tortura e dos desaparecimentos, dois modelos herdados da guerra da Indochina a da Argélia e difundidos depois em todo o continente americano por um compacto grupo de oficiais francesas do qual Aussaresses foi um dos mais ativos representantes. Paul Aussaresses abriu muitos de seus segredos em várias ocasiões: em 2000, em uma explosiva entrevista publicada pelo Le Monde, onde reconheceu o uso da tortura; em três livros, “Não disse tudo, últimas revelações a serviço da França” (2008), “Serviços especiais, Argélia 1955-1957, meu testemunho sobre a tortura” (2001), “Por França, serviços especiais 1942-1954” (2001); e ainda em um documentário filmado em 2003 por Marie-Monique Robin, “Esquadrões da Morte, a escola francesa” (ver vídeo acima).
O fio condutor desta internacional da tortura da qual Aussaresses é um dos braços começa na Indochina, segue na Argélia e termina com o Plano Condor, cuja gestação, através de uma longa série de reuniões entre os militares da América do Sul e os instrutores franceses, se gestou entre 1960 e 1974. Sua primeira estrutura se chamou Agremil. O general francês expandiu pelo mundo os ensinamentos de um dos papas da guerra moderna: o tenente coronel Roger Trinquier, o maior teórico da repressão em zonas urbanas: torturas, incursões noturnas, desaparecimentos, busca da informação por todos os meios, operações de vigilância, divisão das cidades em zonas operacionais.
Em seus anos de adido militar no Brasil, Paul Aussaresses foi, segundo suas próprias palavras, um “bom amigo” de João Baptista Figueiredo, ex-ditador e ex-chefe dos serviços secretos, o SNI, e também de Sérgio Fleury, chefe dos “esquadrões da morte”.
Em seu período como instrutor no CIGS, em Manaus, ensinou aos oficiais brasileiros e latino-americanos que faziam formação ali tudo o que havia feito na Argélia. Segundo o general francês o embaixador francês daquela época, Michel Legendre, estava perfeitamente a par do que ele fazia em Manaus.
Segundo precisou Aussaresses, no CIGS se formaram “oficiais brasileiros, chilenos, argentinos e venezuelanos porque era um centro único na América Latina”. Como prova disso, no documentário de Marie-Monique Robin “Esquadrões da Morte, a Escola Francesa”, o chileno Manuel Contreras, chefe da DINA, reconheceu ter enviado a cada dois meses contingentes inteiros de agentes da DINA para o centro de treinamento brasileiro em Manaus. Paul Aussaresses também trabalhou na Escola de Inteligência de Brasília, onde formou muitos oficiais.
Entrevistado pela Folha de São Paulo em 2008, o general se mostrou mais loquaz do que quando o juiz francês Roger Leloir o interrogou a propósito de seu conhecimento do Plano Condor e das atividades dos conselheiros militares franceses na Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. Na entrevista à Folha de São Paulo, Aussaresses reconhece que o Brasil participou ativamente do golpe militar contra o presidente chileno Salvador Allende mediante o envio de armas e aviões. Também evoca o que já havia contado em seu último livro, “Não disse tudo, últimas revelações ao serviço da França”, a saber, a morte sob tortura, em Manaus, de uma mulher que, segundo João Figueiredo, havia vindo ao Brasil para espioná-lo. O general francês assegura que a morte daquela mulher foi “um ato de defesa”.
Para Aussaresses, “a tortura se justifica se pode evitar a morte de inocentes”. Aussaresses não foi o único militar de alta patente que confessou o recurso sistemático da tortura durante a guerra colonial da Argélia e, particularmente, no que ficou conhecido como “A Batalha de Argel”. Esses episódios de tortura foram amplamente narrados pelo jornalista e político franco-argelino Henri Alleg em vários livros, entre eles “Guerre d’Algérie: Mémoires parallèles”. O que Alleg conta ocorreu quando o general Jacques Massu foi enviado para a Argélia e começou a aplicar a estratégia do terror. Massu foi o segundo oficial a confessar o que mais tarde se expandiria pelo sul da América.
Tradução: Katarina Peixoto
Paul Aussaresses é uma das espinhas dorsais da exportação da tortura e dos desaparecimentos, dois modelos herdados da guerra da Indochina a da Argélia e difundidos depois em todo o continente americano por um compacto grupo de oficiais francesas do qual Aussaresses foi um dos mais ativos representantes. Paul Aussaresses abriu muitos de seus segredos em várias ocasiões: em 2000, em uma explosiva entrevista publicada pelo Le Monde, onde reconheceu o uso da tortura; em três livros, “Não disse tudo, últimas revelações a serviço da França” (2008), “Serviços especiais, Argélia 1955-1957, meu testemunho sobre a tortura” (2001), “Por França, serviços especiais 1942-1954” (2001); e ainda em um documentário filmado em 2003 por Marie-Monique Robin, “Esquadrões da Morte, a escola francesa” (ver vídeo acima).
O fio condutor desta internacional da tortura da qual Aussaresses é um dos braços começa na Indochina, segue na Argélia e termina com o Plano Condor, cuja gestação, através de uma longa série de reuniões entre os militares da América do Sul e os instrutores franceses, se gestou entre 1960 e 1974. Sua primeira estrutura se chamou Agremil. O general francês expandiu pelo mundo os ensinamentos de um dos papas da guerra moderna: o tenente coronel Roger Trinquier, o maior teórico da repressão em zonas urbanas: torturas, incursões noturnas, desaparecimentos, busca da informação por todos os meios, operações de vigilância, divisão das cidades em zonas operacionais.
Em seus anos de adido militar no Brasil, Paul Aussaresses foi, segundo suas próprias palavras, um “bom amigo” de João Baptista Figueiredo, ex-ditador e ex-chefe dos serviços secretos, o SNI, e também de Sérgio Fleury, chefe dos “esquadrões da morte”.
Em seu período como instrutor no CIGS, em Manaus, ensinou aos oficiais brasileiros e latino-americanos que faziam formação ali tudo o que havia feito na Argélia. Segundo o general francês o embaixador francês daquela época, Michel Legendre, estava perfeitamente a par do que ele fazia em Manaus.
Segundo precisou Aussaresses, no CIGS se formaram “oficiais brasileiros, chilenos, argentinos e venezuelanos porque era um centro único na América Latina”. Como prova disso, no documentário de Marie-Monique Robin “Esquadrões da Morte, a Escola Francesa”, o chileno Manuel Contreras, chefe da DINA, reconheceu ter enviado a cada dois meses contingentes inteiros de agentes da DINA para o centro de treinamento brasileiro em Manaus. Paul Aussaresses também trabalhou na Escola de Inteligência de Brasília, onde formou muitos oficiais.
Entrevistado pela Folha de São Paulo em 2008, o general se mostrou mais loquaz do que quando o juiz francês Roger Leloir o interrogou a propósito de seu conhecimento do Plano Condor e das atividades dos conselheiros militares franceses na Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil. Na entrevista à Folha de São Paulo, Aussaresses reconhece que o Brasil participou ativamente do golpe militar contra o presidente chileno Salvador Allende mediante o envio de armas e aviões. Também evoca o que já havia contado em seu último livro, “Não disse tudo, últimas revelações ao serviço da França”, a saber, a morte sob tortura, em Manaus, de uma mulher que, segundo João Figueiredo, havia vindo ao Brasil para espioná-lo. O general francês assegura que a morte daquela mulher foi “um ato de defesa”.
Para Aussaresses, “a tortura se justifica se pode evitar a morte de inocentes”. Aussaresses não foi o único militar de alta patente que confessou o recurso sistemático da tortura durante a guerra colonial da Argélia e, particularmente, no que ficou conhecido como “A Batalha de Argel”. Esses episódios de tortura foram amplamente narrados pelo jornalista e político franco-argelino Henri Alleg em vários livros, entre eles “Guerre d’Algérie: Mémoires parallèles”. O que Alleg conta ocorreu quando o general Jacques Massu foi enviado para a Argélia e começou a aplicar a estratégia do terror. Massu foi o segundo oficial a confessar o que mais tarde se expandiria pelo sul da América.
Tradução: Katarina Peixoto
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