Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
Perto de 28 milhões de pessoas da CPLP são desnutridas, sendo Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste os países mais problemáticos, com 44%, 37%, 31% e 23% da taxa de desnutrição, respectivamente.
E, como se sabe, com excepção de Angola, todos os outros países referidos são ricos, muito ricos. Ou será ao contrário?
“Não basta aprovar leis e estratégias. É preciso ir ao cerne do problema. É preciso produzirmos comida suficiente para alimentar os nossos povos”, disse a directora da organização moçambicana Mulher Género e Desenvolvimento (MuGeDe), Saquina Mucavele, falando em nome da Rede de Organizações para Soberania Alimentar (ROSA).
Tem razão. Mas, é claro, é preciso dar tempo ao tempo e compreender que no caso de Angola, por exemplo, o MPLA só está no poder desde 1975, que o país só está em paz total há dez anos, e que o presidente da República só está no cargo – sem nunca ter sido eleito – há 33 anos.
Ora, para que deixem de existir cerca de 70% de pobres em Angola é preciso que o MPLA se mantenha no poder aí durantes mais uns 30 anos.
Mucavele disse também que a segurança alimentar e nutricional depende, em larga medida, de investimentos na agricultura, particularmente nos países pobres, onde a produção de alimentos ainda é muito baixa, apelando aos governos para alocarem mais investimentos para a produção de comida.
Essa recomendação, como é óbvio, não tem cabimento em Angola. As preocupações do regime estão viradas para outras latitudes. Aliás, o povo pode muito bem alimentar-se da mandioca que encontre nas lavras ou de farelo.
Por sua vez a Coordenadora da Organização Mundial da Agricultura e Alimentação (FAO) para o direito à Alimentação, Bárbara Ekwall, disse que a questão que se coloca é que a produção mundial de comida aumentou nos últimos anos mas, paradoxalmente, há cada vez mais pessoas padecendo de fome.
Angola é um dos países lusófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas.
Mas o que é que isso importa? Importante é saber de facto que a filha do presidente, Isabel dos Santos, soma e segue, mesmo quando se sabe que o regime é um dos mais corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?
Aliás, muitos dos angolanos que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o facto de a filha do presidente vitalício ser também dona dos antigos colonizadores.
O investimento público e o aumento da produção de petróleo (mesmo que roubado na colónia de Cabinda) vai permitir a Angola, ou seja ao regime, ou seja ao clã Eduardo dos Santos, crescer mais de 8% este ano.
Os pobres também vão aumentar, mas esses não contam para a análise do Banco Mundial nem para as estatísticas dos países que têm relações com Angola. O que conta é, agora e sempre, que Angola, o segundo maior produtor petrolífero da África subsaariana, vai este ano crescer a um bom ritmo.
Tudo, é claro, graças ao ouro negro. De facto, o petróleo representa mais de 50% do Produto Interno Bruto de Angola, 80% das receitas estatais e mais de 90% das exportações.
É claro que, segundo a bitola gerada pelo Ocidente, há bons e maus ditadores. Muammar Kadhafi passou a ser mau e Eduardo dos Santos continua a ser bom. Amanhã se verá.
Portugal continua de cócoras perante o regime de Luanda, tal como estava em relação a Muammar Kadhafi que, citando José Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia chegue à conclusão que, afinal, Eduardo dos Santos também é um ditador. Não sei, contudo, se alguma vez o vai dizer. Tudo porque, de dia para dia, o clã do presidente angolano torna-se dono das ocidentais praias lusitanas.
Alguém ainda se recorda, por exemplo, que em Março de 2009, no Palácio de Belém, só dois jornalistas de cada país tiveram direito a colocar perguntas a Cavaco Silva e a Eduardo dos Santos?
Recordam-se que um deles, certamente no cumprimento da sua profissão mas, é claro, à revelia das regras dos donos dos jornalistas e dos donos dos donos dos jornalistas, questionou Cavaco Silva sobre esse eufemismo a que se chama democracia em Angola?
Recordam-se que Cavaco Silva se limitou a... não responder?
Recordam-se que no dia 3 de Setembro de 2008, quando o mesmo Cavaco Silva falava na Polónia a propósito das eleições em Angola, disse o óbvio (uma das suas especialidades): “Desejo que as eleições ocorram com toda a paz, sem qualquer perturbação, justas e livres como costumam dizer as Nações Unidas nos processos eleitorais"?
Recordam-se que, nessa altura, como sempre, Cavaco Silva nada disse sobre o facto de quatro órgãos de comunicação social portuguesa - SIC, Expresso, Público e Visão – terem sido impedidos de entrar em Angola para cobrir as eleições que foram tudo menos justas e livres?
Afinal, hoje, Cavaco Silva, embora mais comedido, continua a pensar da mesma forma que José Sócrates, Passos Coelho ou Paulo Portas, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 70% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia o Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos, os empresários e os (supostos) jornalistas portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.
Alguém, pergunto eu, ouviu Cavaco Silva recordar que 70% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Não, ninguém pergunta até porque ele não responde.
Alguém o ouviu recordar que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém o ouviu recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade?
Alguém o ouviu recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém o ouviu recordar que a taxa de analfabetos é bastante elevada, especialmente entre as mulheres, uma situação é agravada pelo grande número de crianças e jovens que todos os anos ficam fora do sistema de ensino?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que 80% do Produto Interno Bruto angolano é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população; que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda?
Alguém alguma vez o ouvirá dizer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Não. O silêncio (ou cobardia) são de ouro para todos aqueles que existem para se servir e não para servir. E esse silêncio dará, obviamente, direito a ser convidado para passar férias na casa flutuante (foto) de Isabel dos Santos, a filha do presidente.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: JÁ AGORA PONHAM NA ORDEM O BISPO DE VISEU
*Na foto: Iate de Isabel dos Santos
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