sexta-feira, 24 de agosto de 2012

E O VENCEDOR É… O MPLA!

 


Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
 
Em Dezembro de 2008, a Voz da América teve acesso ao relatório da Missão de Observadores da União Europeia, chefiada por Luísa Morgantini, às “eleições” em Angola.
 
A farsa foi vista mas, certamente por ordens superiores, não foi oficialmente denunciada. Este ano vai ser o mesmo. A força dos dólares decide o que deve ou não ser visto.
 
Em 2008, mesmo obrigados a comer e a calar, os observadores europeus não deixaram de verificar que, por exemplo, uma província “apresentou uma participação eleitoral de 108%” e que “não foram utilizados os cadernos eleitorais para a verificação dos eleitores no dia das eleições e como tal, não houve mais salvaguarda contra os votos múltiplos além da tinta indelével, e nenhum meio para confirmar as inesperadamente elevadas taxas de participação eleitoral”.
 
O que disse de tudo isso a CNE angolana, a CPLP, a União Europeia, Portugal? O camarada Durão Barroso? Nada. Se fosse a UNITA a ganhar teria caído meio mundo e os arautos da democracia, de Durão Barroso a José Sócrates, teriam reclamado a anulação das eleições. Como quem ganhou foi o eterno amigo MPLA, tudo ficou na santa paz do petróleo de sangue.
 
Algo de semelhante se prepara para as eleições do dia 31. Mais coisa, menos coisa os protagonistas vão ser os mesmo. Saiu José Sócrates e entrou Passos Coelho, mas para este efeito o discurso é o mesmo ou até será agora mais apologético do regime. Barroso continua por lá e a CPLP mantém o seu estado habitual de coma.
 
O relatório de Morgantini dizia, por exemplo, que a CNE “tomou decisões durante o período de eleições que demonstraram algum grau de parcialidade (...) sendo notória a falta de acesso dos representantes dos partidos políticos ao centro de apuramento central e a não acreditação de um número significante de observadores domésticos do maior grupo de observadores na capital”.
 
E então? Então nada! Foi uma aldrabice completa e com total cobertura da comunidade internacional, com Durão Barroso a dizer “porreiro, pá!”, certamente bem paga por alguma organização filantrópica do tipo Sonangol.
 
A Missão de Observação da União Europeia dizia ainda que “houve falta de transparência no apuramento dos resultados eleitorais, que não foi autorizada a presença de representantes dos partidos políticos nem de observadores para testemunhar a introdução dos resultados no sistema informático nacional e não foi realizado um apuramento manual em separado”, para além de “não terem sido publicados os resultados desagregados por mesa de voto e como tal não foi possível a verificação dos resultados”.
 
Em qualquer Estado de Direito críticas deste tipo, apesar de suaves e açucaradas, fariam com que as eleições fossem anuladas. Mas, tratando-se de um reino onde vale tudo, nada acontece. E não acontece porque, na minha opinião, tão criminoso é o que rouba como o que dá cobertura ao roubo. Ou seja, a União Europeia é tão criminosa quanto o MPLA, por muito que isso custe a Durão Barroso & Cª.
 
Segundo o relatório de Morgantini, “desde o período pré-eleitoral notou-se uma manifesta superioridade financeira e organizacional do MPLA em comparação com outras forças políticas”.
 
O relatório dizia: “A Missão europeia assistiu a repetidos casos de abuso dos benefícios do partido no poder durante a campanha, de igual modo, também se registaram casos de uso de recursos do Estado assim como o envolvimento de autoridades tradicionais e de funcionários públicos em actividades relacionadas com a campanha a favor do partido dirigente, situações que colocaram todas as outras organizações políticas em desvantagem”.
 
Tudo isto deveria ser suficiente para Durão Barroso & Cª pedirem a demissão, pedirem desculpa aos angolanos, pintarem-se de negro e irem viver para o Burkina Faso (se este país os aceitasse, o que duvido).
 
Para a equipa de observadores da União Europeia, “o processo eleitoral revelou importantes lacunas e falta de clareza nos regulamentos que ordenam dois aspectos fundamentais no exercício do sufrágio: a utilização efectiva e obrigatória dos cadernos eleitorais em todas as mesas de voto assim como os procedimentos para o exercício, transmissão e contagem dos votos especiais. Para além disso, a falta de directrizes para o registo de angolanos residentes no estrangeiro, tal como previsto pela Lei Eleitoral, efectivamente excluiu um número significativo de cidadãos”.
 
Creio, entretanto, que a União Europeia já deve ter pronto o relatório sobre as eleições do próximo dia 31, devidamente aprovado pelo MPLA.
 
Recordam-se, por exemplo, que o então presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Caetano de Sousa, considerou que as observações feitas pela União Europeia em relação às eleições legislativas de 2008 eram extemporâneas?
 
E eram extemporâneas apenas porque, segundo ele, não foram divulgadas logo após o pleito de 5 de Setembro.
 
Não esteve mal e poderá ser um precedente útil, ou um aviso, para quem em 2012 ousar meter-se com um regime que está no poder desde 1975 e tem um presidente, não eleito, há 33 anos no poder.
 
Em declarações à Voz da América, Caetano de Sousa considerou na altura que as posições expressas no relatório final da Missão de Observação da União Europeia não deviam sequer ser feitas nesta altura.
 
Eu digo mais. Nem nesta altura nem nunca. Aliás, a União Europeia nem sequer deveria ter mandado uma missão de observadores ao mais democrático e transparente Estado de Direito do mundo, Angola.
 
É que para fazerem figuras de urso ou de palhaço, os observadores europeus bem poderiam continuar a actuar em exclusivo no circo europeu.
 
“Para nós não nos oferece comentários se não os que já foram feitos anteriormente. O relatório já está fora de prazo, isto devia ser apresentado logo a seguir à finalização e apresentação do escrutínio. Os comentários posteriores a isto já não os comentamos, porquanto achamos ultrapassados”, explicou Caetano de Sousa, certamente num improviso decorado a partir da ordem do soba maior.
 
Mas para a Missão de Observação da União Europeia foi muito bem feito. Ousaram, embora timidamente, “cuspir” no prato em que o MPLA lhes deu comida e por isso foram tratados como não se tratam os vira-latas. Só por isso valeu a pena Caetano de Sousa reproduzir as ordens do dono do reino.
 
Também Ana Gomes, eurodeputada socialista portuguesa que integrou a missão da União europeia, disse que eram “legítimas as dúvidas que foram levantadas por partidos políticos e organizações da sociedade civil sobre a votação em Luanda”, ou que “posso apenas dizer que a desorganização foi bem organizada”.
 
Mas Ana Gomes foi mais longe: “À última da hora, foram credenciados 500 observadores por organizações que se sabe serem muito próximas do MPLA e parece que alguém não quis que as eleições fossem observadas por pessoas independentes”.
 
Ou, “as eleições em Luanda decorreram sem a presença de cadernos eleitorais nas assembleias de voto e isso não pode ser apenas desorganização...”
 
No âmbito do meu “jornalismo interpretativo” creio que da parte portuguesa o responsável pelo relatório (calculo que esteja já escrito) sobre as eleições do dia 31 foi o ministro Miguel Relvas, tanto mais que – a fazer fé nas palavras sábias de Carlos Magno, presidente da ERC – nem de gravata precisa de mudar.
 
Acresce que se Portugal não estiver do lado da verdade do regime, o que só por si constitui um crime contra a segurança do Estado, a torneira dos dólares pode fechar-se. E isso seria uma chatice.
 
Até mesmo a Newshold, grupo angolano proprietário do semanário Sol, poderia afastar-se da privatização da RTP…
 
Quanto a Angola, a UNITA continua a chorar sobre o leite derramado. Não basta, aliás, ir muito longe para ver que quem faz acordos com a onça acaba por ser comido.
 
Ainda tenho bem presente, por exemplo, a noticia em que se ficou a saber que 15 196 ex-militares iriam beneficiar (o que é obra!) em 2010, de charruas, carroças, sementes agrícolas diversas e fertilizantes, para o reforço da capacidade de produção agro-pecuária nas comunidades rurais dos 11 municípios da província do Huambo.
 
A entrega desses instrumentos de trabalho enquadrava-se, segundo a versão do regime, na implementação do programa do governo de reforço da reintegração dos ex-militares, lançado no dia 21 de Dezembro de 2009 na comuna da Tchipipa (Huambo).
 
Terá valido a pena ser militar da UNITA? Terá sido para isto que o Mais Velho tanto lutou?
 
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
 
Título anterior do autor, compilado em Página Global: A COMOVEDORA ISENÇÃO DOS SIPAIOS DO MPLA
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana