Público, Lisboa - Presseurop - 20 agosto 2012 - imagem Sergei Tiounine
O mês de agosto foi relativamente tranquilizador, na frente da dívida soberana. No entanto, multiplicam-se os sinais de que estamos a caminhar para um "setembro negro" para o euro. A desconfiança entre os Estados "virtuosos" e os mais endividados atinge um nível tal que a UE se aproxima perigosamente do ponto de não retorno.
Os mercados da dívida soberana mantiveram-se calmos durante o mês de Agosto graças às declarações dos dois mais altos responsáveis pelo destino da moeda única europeia. Primeiro, as de Mario Draghi quando disse, em finais de Julho, que o BCE estava preparado "para fazer tudo aquilo que fosse necessário" de forma a garantir a irrevocabilidade do euro, abrindo a possibilidade de uma intervenção maciça do BCE no mercado da dívida soberana para conter os juros italianos e espanhóis em níveis comportáveis. Depois, as da chanceler alemã na quinta-feira passada, afastando quaisquer dúvidas sobre o seu apoio às garantias de Draghi, ao considerá-las "absolutamente em linha" com a sua própria visão.
Porquê, então, a previsão de um "Setembro negro" para a crise do euro? Porque a Europa tem caminhado nos últimos dois anos de "vitória" em "vitória", até à derrota seguinte? Porque, por detrás desta acalmia estival, subsiste uma profunda desconfiança dos mercados em relação à viabilidade do euro? A estas duas explicações, que a realidade de encarregou de comprovar como verdadeiras, somam-se os sinais cada vez mais evidentes de que a Europa está a perder a batalha política, aquela que verdadeiramente decidirá do seu destino. Agosto foi fértil nesses sinais.
O atrevimento de Juncker
No início de Agosto, numa já célebre entrevista à Spiegel alemã, Mario Monti resumiu o que está em causa. "As tensões que acompanham a zona euro nos anos recentes revelam sinais de uma dissolução psicológica da Europa. (...) Se o euro se transformar num factor que promove a desintegração da Europa, então são as próprias fundações do projecto europeu que serão destruídas." Os factos subsequentes comprovaram as suas palavras, mostrando de uma forma quase irrefutável que não são apenas os mercados que não acreditam na sobrevivência do euro.
O último episódio foi protagonizado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, ao admitir publicamente que o seu Governo estava a fazer planos de contingência para uma eventual implosão da união monetária. Pouco importam os rápidos desmentidos do Governo de Helsínquia e a garantia de que não é essa a sua política oficial. O debate finlandês é hoje sobre se o país deve ou não abandonar a união monetária. A única diferença em relação ao debate alemão está em que, em Helsínquia, as coisas podem ser ditas de forma mais clara porque as suas consequências são infinitamente menores.
Na Alemanha, ouvimos o ministro da Economia alemão declarar que a hipótese da saída da Grécia do euro deixou de ser uma coisa impensável. Vimos várias figuras de proa da CDU/CSU escandalizadas com o "atrevimento" do presidente do Eurogrupo, quando Jean Claude Juncker resolveu dizer que a Alemanha tinha a sua quota de responsabilidade pelo agravamento da crise do euro, deixando uma pergunta simples: "Por que razão a Alemanha resolveu tratar a zona euro como se fosse uma filial?"
Um rápido olhar aos títulos da imprensa alemã não deixa dúvidas sobre quão graves são os "preconceitos" a que se refere Monti e quão perigosa é a "dissolução" psicológica da Europa para a qual alerta. Toda a gente parece esperar o regresso da "chanceler de ferro". Contra a Grécia, que quer mais tempo. Contra o BCE, que está disposto a injectar dinheiro nos países "incumpridores". Contra a França, que quer garantir a boa vida dos seus reformados à custa do dinheiro dos contribuintes alemães.
Noutros países do Norte, o clima político não é muito diferente. No Sul, a questão está em saber até onde a austeridade pode ser aplicada sem matar a própria ideia de Europa ou até onde pode ir o grau de "humilhação" política de um resgate que os eleitores estão dispostos a tolerar.
Uma questão política fundamental
Há, naturalmente, duas "tábuas de salvação" contra este risco de dissolução política acelerada da Europa às quais se agarram os mais altos responsáveis de Bruxelas. A primeira é a própria Angela Merkel. Prevalece a convicção de que existe uma determinação absoluta da chanceler em salvar o euro, porque é esse o interesse alemão. Mas subsiste uma dúvida. Até onde pode ir a chanceler para conciliar os dois propósitos que parecem movê-la até aqui: salvar o euro e impedir que nasça no seu país um partido de direita nacionalista como na Finlândia ou na Holanda. Alguns analistas consideram-na exímia na gestão deste caminho cada vez mais estreito.
Outros admitem que o clima que se criou na opinião pública alemã lhe retira qualquer margem de manobra e que será preciso esperar pelas eleições legislativas de Setembro do próximo ano para que uma "grande coligação" com o SPD lhe restitua a capacidade interna para fazer o que tem de ser feito. A segunda "tábua de salvação" é também a mais óbvia. Resume-se na questão política essencial com a qual todos os governos dos países do euro terão de se confrontar: qual é a alternativa?
O dilema europeu, aquele que verdadeiramente torna o mês de Setembro simbolicamente tão dramático, é que é quase impossível determinar o momento a partir do qual este caminho para a "dissolução" é irreversível. Ou, por outras palavras, qual será o acontecimento que mudará definitivamente a crise europeia. Uma decisão adversa do Tribunal Constitucional alemão no próximo dia 12 sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade ou o resultado das eleições holandesas que se realizam nesse mesmo dia? Ou outro qualquer? Ninguém sabe. É esse o tremendo risco que a Europa corre. Basta substituir a palavra "preconceito" por nacionalismo.
Agenda
Outono muito quente para o euro
“Setembro será o mês de todos os medos”, adverte o jornal Público: "Depois da trégua estival, aproxima-se o outono e, com ele, o ‘tudo ou nada’ para a zona euro". Em antecipação de tudo isso, a semana que começa anuncia-se rica em danças diplomáticas:
O primeiro-ministro grego, Antonis Samaras, voa para Berlim e Paris para se encontrar com Merkel [24 de agosto] e Hollande [25 de agosto], depois de uma reunião prévia com o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker [22 de agosto, em Atenas]. O objetivo será persuadir os líderes europeus a estender por dois anos o prazo de ajustamento da Grécia. Merkel e Hollande também deverão encontrar-se nos próximos dias [23 de agosto, em Berlim]. Antes do final de agosto, é a vez do primeiro-ministro italiano Mario Monti se deslocar à Alemanha para um encontro com a Chanceler, que irá depois deslocar-se a Madrid [6 de setembro] para um encontro com o chefe de Governo, Mariano Rajoy.
Mas "setembro será um mês decisivo", explica o Público:
É nessa altura [dia 12] que o Tribunal Constitucional alemão decide se viabiliza ou não o fundo de resgate permanente do euro. E que a Grécia se arrisca a ficar sem dinheiro e irá renegociar o seu programa de ajuda, provavelmente exigindo mais tempo e mais fundos a um Norte europeu cada vez mais cético aos resgates e que vai, inclusive, a votos (no caso dos Países Baixos [as legislativas estão previstas para 12 de setembro]). A coroar o bolo, a zona euro tem de assegurar que os seus dois grandes dominós –a Espanha e a Itália –não caem, arrastando toda a região atrás de si.
Em 6 de setembro, com efeito, espera-se que o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, explique melhor como vai intervir nos mercados, a fim de reduzir o fosso entre as taxas de juro da dívida dos países mais endividados e dos outros.
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