Salim Lamrani*, Paris
– Opera Mundi, opinião
O problema da
França não é o custo do trabalho, mas o custo do capital, isto é, a parte dos
benefícios pagos aos acionistas
Há unanimidade no
mundo político, econômico e midiático para salientar que o custo do trabalho é
muito elevado na França e que prejudica a competitividade das empresas
nacionais. Em contrapartida, há muita discrição na hora de falar do custo do
capital, verdadeiro obstáculo para o desenvolvimento econômico do país.
Para a maioria dos observadores da vida econômica da França, o principal
obstáculo para o desenvolvimento da nação seria o custo do trabalho, quer
dizer, os salários e as contribuições sociais são muito altos. Essa realidade
impediria que as empresas nacionais fossem competitivas em um mercado
globalizado no qual a competição é cada vez mais feroz, e seria uma das causas
da decadência do país.[1]
Le Monde, o principal jornal francês, aponta, por sua vez, que “as margens das
empresas são medíocres: segundo os dados do [banco] Naxitis, seus lucros, após
o pagamento dos dividendos, representam 6,9% do PIB (Produto Interno Bruto)
frente a 11,05% na Alemanha e a 9,63% na zona do euro”.[2] Então, seria preciso
“reduzir as contribuições sociais” – isto é, os impostos que as empresas pagam
– e “flexibilizar o mercado de trabalho demasiadamente rígido”, isto é,
cancelar as conquistas dos trabalhadores, asseguradas pelo Código do Trabalho,
e precarizar o emprego.
No entanto, uma leitura meticulosa da citação anterior permite observar uma
anomalia. Com efeito, os lucros são calculados “após o pagamento dos
dividendos”. Essa forma de cálculo é comum na França e inevitavelmente suscita
uma pergunta: por que primeiro são deduzidos os dividendos pagos aos acionistas
– que fazem parte dos benefícios – antes de avaliar a rentabilidade das
empresas francesas?
A razão é simples: seu custo exorbitante para a economia nacional. De fato, o
problema da França não é o custo do trabalho, mas o custo do capital, isto é, a
parte dos benefícios pagos aos acionistas, que aumentaram de modo muito mais
veloz do que os salários e alcançaram níveis sem igual em trinta anos.
Com efeito, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos
(INSEE), de 1980 a 2010, a parcela dos dividendos passou de 3% para 9% da
riqueza nacional, o que representa uma alta de 180 bilhões de euros anuais
durante três décadas. Em 30 anos, os dividendos pagos a acionistas aumentaram
200%.[3] No mesmo período, em euros constantes, os salários aumentaram apenas
20%.[4]
Nos últimos cinco
anos, de 2007 a 2011, os dividendos cresceram 27%, ao passo que os salários só
aumentaram 12%. Em 2010, segundo o INSEE, os acionistas receberam 210 bilhões
de euros de dividendos, enquanto que apenas 182 bilhões foram revertidos para a
produção.[5] assim, o custo do capital é superior às inversões produtivas. A
cada 100 euros de riqueza criados pelos trabalhadores, os acionistas recebem 25
euros de dividendos [6], ao passo que a parcela dos salários é
proporcionalmente similar à de 1960, ao sair da Segunda Guerra Mundial.[7]
Contrariamente ao discurso dominante, o principal obstáculo para a
competitividade das empresas francesas não é o custo do trabalho, nem a proteção
social dos trabalhadores, nem o nível de imposição tributária que não deixou de
diminuir nos últimos 15 anos. Na realidade, a parcela astronômica dos
benefícios pagos em dividendos aos acionistas constitui um freio ao
desenvolvimento econômico nacional. Com efeito, a rentabilidade bursátil se faz
em detrimento das inversões, que criariam empregos em um contexto de crise
econômica e social generalizada, no qual a taxa de desemprego alcança um nível
recorde e a perda do poder aquisitivo atinge com força as categorias mais
vulneráveis da sociedade e, inclusive, afeta as classes médias.
No entanto, existem soluções. De fato, o Parlamento poderia adotar uma
legislação que estipulasse que a parte dos dividendos pagos aos acionistas não
superasse as contribuições sociais pagas do Estado nem a inversão produtiva
anual. Isso permitiria melhorar a competitividade das empresas, criar empregos,
aumentar a renda do Estado, reduzir a fratura social e edificar uma sociedade
mais igualitária e menos injusta.
*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris
Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Université de la
Réunion e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.
Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des
Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S.
Smith e prefácio de Paul Estrade.
Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.
Página no Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel
[1] BFMTV, «Dossiê: reduzir o custo do trabalho», 2012. http://www.bfmtv.com/actualite/reduire-cout-travail/ (site
acessado em 30 de novembro de 2012).
[2] Claire Gatinois, «Competivididade: eletrocoque ou método doce? Os
especialistas estão divididos», Le Monde, 5 de novembro de 2012.
[3] Jean-Luc Mélenchon, «Convidado de TV5 Monde», 6 de novembro de 2012. http://www.jean-luc-melenchon.fr/2012/11/06/invite-de-tv5-monde/ (site
acessado em 30 de novembro de 2012).
[4] INSEE, «Evolução do salário médio e do salário mínimo de 1951 a 2009»,
2010. http://www.insee.fr/fr/thèmes/tableau.asp?ref (site
acessado em 2 de dezembro de 2012). 1980: índice 302; 2009: índice 354.
[5] Jean-Luc Mélenchon, «Convidado de TV5 Monde», 6 de novembro de 2012. http://www.jean-luc-melenchon.fr/2012/11/06/invite-de-tv5-monde/ (site
acessado em 30 de novembro de 2012).
[6] Confederação geral do trabalho, «E se nós falássemos sobre o custo do
capital», 17 de outubro de 2012. http://www.cgt.fr/Et-si-on-parlait-cout-du-capital.html
(site acessado em 30 de novembro de 2012).
[7] Céline Prigent, «A parcela dos salários sobre o valor agregado na França:
uma perspectiva macroeconômica», INSEE, Economia e estatística n°323, 1999, 3. http://www.insee.fr/fr/ffc/docs_ffc/es323d.pdf (site
acessado em 30 de noviembre de 2012; Jacques Généreux, Não, nós podemos! Manual
anticrise para uso do cidadão, Paris, Points, 2012, p. 91.
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