sábado, 26 de janeiro de 2013

França: CUSTO DO TRABALHO OU CUSTO DO CAPITAL?




Salim Lamrani*, Paris – Opera Mundi, opinião

O problema da França não é o custo do trabalho, mas o custo do capital, isto é, a parte dos benefícios pagos aos acionistas

Há unanimidade no mundo político, econômico e midiático para salientar que o custo do trabalho é muito elevado na França e que prejudica a competitividade das empresas nacionais. Em contrapartida, há muita discrição na hora de falar do custo do capital, verdadeiro obstáculo para o desenvolvimento econômico do país.

Para a maioria dos observadores da vida econômica da França, o principal obstáculo para o desenvolvimento da nação seria o custo do trabalho, quer dizer, os salários e as contribuições sociais são muito altos. Essa realidade impediria que as empresas nacionais fossem competitivas em um mercado globalizado no qual a competição é cada vez mais feroz, e seria uma das causas da decadência do país.[1]

Le Monde, o principal jornal francês, aponta, por sua vez, que “as margens das empresas são medíocres: segundo os dados do [banco] Naxitis, seus lucros, após o pagamento dos dividendos, representam 6,9% do PIB (Produto Interno Bruto) frente a 11,05% na Alemanha e a 9,63% na zona do euro”.[2] Então, seria preciso “reduzir as contribuições sociais” – isto é, os impostos que as empresas pagam – e “flexibilizar o mercado de trabalho demasiadamente rígido”, isto é, cancelar as conquistas dos trabalhadores, asseguradas pelo Código do Trabalho, e precarizar o emprego.

No entanto, uma leitura meticulosa da citação anterior permite observar uma anomalia. Com efeito, os lucros são calculados “após o pagamento dos dividendos”. Essa forma de cálculo é comum na França e inevitavelmente suscita uma pergunta: por que primeiro são deduzidos os dividendos pagos aos acionistas – que fazem parte dos benefícios – antes de avaliar a rentabilidade das empresas francesas?

A razão é simples: seu custo exorbitante para a economia nacional. De fato, o problema da França não é o custo do trabalho, mas o custo do capital, isto é, a parte dos benefícios pagos aos acionistas, que aumentaram de modo muito mais veloz do que os salários e alcançaram níveis sem igual em trinta anos.

Com efeito, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos (INSEE), de 1980 a 2010, a parcela dos dividendos passou de 3% para 9% da riqueza nacional, o que representa uma alta de 180 bilhões de euros anuais durante três décadas. Em 30 anos, os dividendos pagos a acionistas aumentaram 200%.[3] No mesmo período, em euros constantes, os salários aumentaram apenas 20%.[4]

Nos últimos cinco anos, de 2007 a 2011, os dividendos cresceram 27%, ao passo que os salários só aumentaram 12%. Em 2010, segundo o INSEE, os acionistas receberam 210 bilhões de euros de dividendos, enquanto que apenas 182 bilhões foram revertidos para a produção.[5] assim, o custo do capital é superior às inversões produtivas. A cada 100 euros de riqueza criados pelos trabalhadores, os acionistas recebem 25 euros de dividendos [6], ao passo que a parcela dos salários é proporcionalmente similar à de 1960, ao sair da Segunda Guerra Mundial.[7]

Contrariamente ao discurso dominante, o principal obstáculo para a competitividade das empresas francesas não é o custo do trabalho, nem a proteção social dos trabalhadores, nem o nível de imposição tributária que não deixou de diminuir nos últimos 15 anos. Na realidade, a parcela astronômica dos benefícios pagos em dividendos aos acionistas constitui um freio ao desenvolvimento econômico nacional. Com efeito, a rentabilidade bursátil se faz em detrimento das inversões, que criariam empregos em um contexto de crise econômica e social generalizada, no qual a taxa de desemprego alcança um nível recorde e a perda do poder aquisitivo atinge com força as categorias mais vulneráveis da sociedade e, inclusive, afeta as classes médias.

No entanto, existem soluções. De fato, o Parlamento poderia adotar uma legislação que estipulasse que a parte dos dividendos pagos aos acionistas não superasse as contribuições sociais pagas do Estado nem a inversão produtiva anual. Isso permitiria melhorar a competitividade das empresas, criar empregos, aumentar a renda do Estado, reduzir a fratura social e edificar uma sociedade mais igualitária e menos injusta.

*Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Université de la Réunion e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.



[1] BFMTV, «Dossiê: reduzir o custo do trabalho», 2012. http://www.bfmtv.com/actualite/reduire-cout-travail/ (site acessado em 30 de novembro de 2012).
[2] Claire Gatinois, «Competivididade: eletrocoque ou método doce? Os especialistas estão divididos», Le Monde, 5 de novembro de 2012.
[3] Jean-Luc Mélenchon, «Convidado de TV5 Monde», 6 de novembro de 2012. http://www.jean-luc-melenchon.fr/2012/11/06/invite-de-tv5-monde/ (site acessado em 30 de novembro de 2012).
[4] INSEE, «Evolução do salário médio e do salário mínimo de 1951 a 2009», 2010. http://www.insee.fr/fr/thèmes/tableau.asp?ref (site acessado em 2 de dezembro de 2012). 1980: índice 302; 2009: índice 354.
[5] Jean-Luc Mélenchon, «Convidado de TV5 Monde», 6 de novembro de 2012. http://www.jean-luc-melenchon.fr/2012/11/06/invite-de-tv5-monde/ (site acessado em 30 de novembro de 2012).
[6] Confederação geral do trabalho, «E se nós falássemos sobre o custo do capital», 17 de outubro de 2012. http://www.cgt.fr/Et-si-on-parlait-cout-du-capital.html (site acessado em 30 de novembro de 2012).
[7] Céline Prigent, «A parcela dos salários sobre o valor agregado na França: uma perspectiva macroeconômica», INSEE, Economia e estatística n°323, 1999, 3. http://www.insee.fr/fr/ffc/docs_ffc/es323d.pdf (site acessado em 30 de noviembre de 2012; Jacques Généreux, Não, nós podemos! Manual anticrise para uso do cidadão, Paris, Points, 2012, p. 91.


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