sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Portugal: FMI OU A LEBRE DE PASSOS COELHO





Diário de Notícias, editorial

A campanha governamental para que se ache forma de cortar de vez 4 mil milhões de euros na despesa pública aí está: fonte bem situada faz chegar à imprensa o documento de trabalho do FMI com as propostas deste e lança a polémica num instante. A versão final de um documento de trabalho é, assim, apresentada pelo Governo como a plataforma de arranque para a anunciada refundação do Estado. Não como coisa sua, antes como um trabalho muito sério, que lhe dá muito jeito lançar à cabeça para discussão na sociedade.

Uma coisa é pedir um parecer técnico ao FMI ou ao Banco Mundial, que discuta os desvios mensuráveis na estrutura da despesa pública face a outros países comparáveis, no seu nível de desenvolvimento económico e de adoção de uma vertente social para as atividades do Estado. Outra, bem diferente, é usar esses parceiros externos como lebre para a apresentação da revoada de medidas adicionais de austeridade, que o próprio Governo tomou a iniciativa de querer adotar em 2014, pedindo-lhe um parecer à medida.

Que a receita seja taxada de desenraizada, cosmopolita, pouco atenta aos condicionalismos sociais do País, era de esperar. Até dá jeito: será sempre possível dourar uma pílula brutalmente apresentada em toda a sua agrura. O essencial é que as coisas estão a ser feitas sob uma perspetiva enviezada e, ainda por cima, em muitas das recomendações propostas contrárias à Constituição da República Portuguesa. É cândida e louvável a vontade de configurar o nível dos gastos do Estado e, por conseguinte, do nível e extensão dos serviços públicos e dos direitos sociais dos portugueses à dimensão sustentável dos impostos e das contribuições que eles aceitem pagar. Só que um e outro lado desta equação permitem encontrar pontos de encontro a vários níveis.

O que o Governo de Portugal não faz, e tinha a estrita obrigação de fazer, é apresentar aos cidadãos a sua visão, o objetivo que, no seu entender, melhor serve a nossa economia social de mercado. Visão essa que tem forçosamente de incorporar todas as nossas forças e fraquezas para arrancarmos de novo numa senda de crescimento do emprego, do rendimento, de redução da pobreza e de mitigação das excessivas desigualdades existentes. É compreensível que um Governo de centro-direita queira comprimir a despesa corrente sem juros para 30% do PIB, face aos 37% atuais, para ganhar espaço orçamental suficiente para baixar firmemente a carga fiscal. Mas, então, assuma-o! E diga, sem reserva mental, onde quer cortar 12 mil milhões de euros e quanto tempo precisa para chegar a essa meta.

É essa clareza e frontalidade que permite a escolha consciente dos eleitores, já que desafia a apresentação de outras soluções politicamente alternativas. Obriga o PS a dizer, preto no branco, o que representa a sua decantada "austeridade inteligente". O que não é coisa pouca: sem caminho alternativo credível, os cidadãos eleitores nem querem ouvir falar de mudanças de Governo.

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