sábado, 9 de fevereiro de 2013

A “LIBERDADE” NUM VAZIO




Martinho Júnior, Luanda

O discurso de Barack Hussein Obama na inauguração do seu IIº Mandato poderá trazer muita auto-satisfação a nível do "norte americano médio", poderá trazer muita expectativa àqueles que perfilham a lógica capitalista tal qual ela tem sido assumida pelos Estados Unidos da América ao longo de toda a sua existência desde que se tornou independente...

É um discurso nacionalista “quanto baste” que foi elaborado com “conta, peso e medida” para “consumo” interno, correspondendo às indicações de voto do eleitorado norte americano, que perante Obama, “auto-satisfazendo-se”, poderá dizer que foi para ouvir este tipo de discursos que votaram nele!

Está longe de ser na verdadeira acepção da palavra um discurso que discorra sobre como a “liberdade” foi construída e está a ser assumida e sentida “por inteiro” nos Estados Unidos da América, em função da história, das assimetrias e dos desequilíbrios consentidos uns, não consentidos outros (estes na maior parte dos casos)!

Que custo em contradições que por vezes se tornaram antagónicas, em sangue, em suor e em lágrimas não teve de suportar o povo norte americano, em particular as comunidades índias autóctones, os descendentes dos escravos, os descendentes latino-americanos, por que as contradições internas não foram resolvidas com responsabilidade social, com solidariedade, com efectiva justiça social?

Que facturas ainda os norte americanos e os que sofrem os efeitos da hegemonia norte americana não terão de pagar por causa dessa “liberdade” tão convidativamente liberal e sobretudo tão lucrativa para os 1% e tão devastadora para os outros 99%?

O que não estão a sofrer países como o Haiti, a quem a liberdade tanto deve, por causa da “liberdade” da hegemonia norte americana?

Toda a solidariedade para com o Haiti não seria suficiente para contrabalançar a herança de liberdade que a Revolução haitiana historicamente proporcionou e no entanto a recuperação do país e do sua sociedade está longe de ter sido conseguida!

Quanto o subdesenvolvimento existente em África é provocado por causa dos conceitos tão intrinsecamente egoístas e falhos de solidariedade, conceitos que se prendem aos “modelos” da “liberdade” professada e processada historicamente também nos Estados Unidos e sobretudo a partir deles após a IIª Guerra Mundial?!

Estamos a avaliar quanto, com o exemplo do Mali, a “liberdade” de Obama se expande e se manifesta em África!

Para aqueles que no mundo estão sedentos de solidariedade e têm historicamente sido vítimas constantes de opressão, de manipulação e de ingerência que fluem desde os primórdios do capitalismo, este discurso não comporta credibilidade: é um discurso venenoso, que não emite sinais para uma esperança global que comporte a esperança daqueles que tendo sido relegados para patamares de subdesenvolvimento que não se coadunam com a dignidade humana e o respeito que o planeta exige, são carentes de amor, de dignidade, de humanismo e de justiça!

A responsabilidade dos Estados Unidos enquanto nação mais poderosa da Terra, não pode ser apenas avaliada com expressivos discursos a valorizar “intra muros”, pois a responsabilidade face aos processos de globalização que tiveram a sua contribuição distende-se e, mesmo que a hegemonia se manifeste no espaço, sente-se quantas vezes de maneira inimaginável.

Essa responsabilidade incorre com a responsabilidade de outros que não foram mobilizados para que houvesse maior equilíbrio e justiça, ou foram deliberadamente hostilizados!

Quantas elites nacionais não têm sido apanhadas nessa teia, em nome da “liberdade” e da “democracia”?

A aventura da “liberdade” e da “democracia” quanto tem custado ao Iraque, ao Afeganistão, à Líbia, à Síria, à Palestina…

Isso tem ocorrido em especial com as nações mais frágeis, aquelas que não conseguiram ainda superar o elevado grau de subdesenvolvimento de seus povos, que estão precariamente dependentes e estão à mercê dos monstros que têm vindo a ser desencadeados e das transformações climáticas causadas particularmente pelos poderosos com os Estados Unidos à cabeça (ainda não assinou o Protocolo de Kioto!...).

As instituições económicas, financeiras e políticas internacionais, a título de exemplo, reflectem as enormes distorções decorrentes da emergência duma hegemonia unipolar que pode ser muito patriótica, que está plena de “liberdade” (os que lhe fazem frente passam sacrifícios incalculáveis) que falha por que é arrogante, quantas vezes criminosa e eticamente não se assume ao nível das manifestas necessidades em prol desta casa comum que é a Terra!

A lógica com sentido de vida exige que o mundo enquanto nossa casa comum tenha um outro nível de atenções, de solidariedade e de integração, cada vez menos a “liberdade” dos Estados Unidos tratarem o mundo como mais uma “última fronteira”, à imagem e semelhança do que fizeram no seu próprio território no século XIX!

Carece-se duma lógica que se manifeste em relação efectiva aos direitos humanos mais fundamentais: acesso à água, casa condigna, escola, saúde, alimentação, trabalho... e os Estados Unidos parece que tardam em compreendê-lo, preso que está o seu poder vinculado a conceitos e modelos duma “liberdade” que não tem em conta o desencadear das contradições humanas e ambientais, a dialéctica de que se nutre a própria vida!

Os Estados Unidos têm assumido a hegemonia instituindo perversidade, provocando todo o tipo de tensões, de conflitos, de guerras, de assimetrias, de desequilíbrios e de disfunções, ao invés de orientar o seu enorme potencial para que se multipliquem os benefícios para todos os habitantes da Terra e se respeite, efectivamente se respeite, o planeta!

Quando dão um pequeno passo no sentido dum maior equilíbrio, os interesses dos 1% sobrepõem-se e açambarcam as conquistas a seu favor, transformando-os em “lucro”…

O planeta, tal como a humanidade, dá sinal de exaustão sem que hajam melhores alternativas ao exercício do poder daqueles que, em função do lucro, da ambição desmedida, do egoísmo e da inconsciência, causam perturbações em cadeia, por vezes repercutindo numa ordem geométrica!

No discurso de Obama não foi expressa uma única vez a palavra solidariedade, nem a palavra integração, mas quantas vezes foi pronunciada a palavra “liberdade”, sem ter em conta o seu preço inclusive a nível da própria história interna dos Estados Unidos e das suas acções, continente por continente, década após década!

Por causa da sobrevalorização dos seus próprios conceitos de “liberdade” um dia os Estados Unidos lançaram bombas atómicas sobre cidades japonesas e constituiu-se como a única potência que utilizou a arma nuclear sobre enormes concentrações urbanas, ferindo e matando milhares e milhares de inocentes!

Obama continua a senda dessa desmedida “liberdade” falha de solidariedade, de integração e ávida de globalização neo liberal, pelo que seus programas de educação, de saúde e de crescimento, ao não se desprenderem da lógica capitalista que é fundamento desse enredo, indiciam claramente as dificuldades de alguma vez se ter na devida conta a lógica com sentido de vida de que estão tão carentes largos sectores da sociedade norte americana, a humanidade e o planeta!

A cosmética de princípios nada tem a ver com os princípios, por que o lucro, o poder económico, o poder financeiro, o poder político impedem a assumpção ética desses mesmos princípios!

É assim que se constrói o império!

Foto: Pompa e circunstância com discursos que constituem uma autêntica alienação da realidade (foto retirada de “O prémio Nobel da morte” – http://resistir.info/eua/nobel_da_morte.html).

A consultar:
- Democracy Now – http://www.democracynow.org/
- El sistema de sufrimiento que Estados Unidos impone a los pueblos del mundo (1965-2014) – Há muerto tanta gente… - http://www.rebelion.org/noticia.php?id=162221
- A ascensão do estado policial e a ausência de posição em massa – http://resistir.info/petras/petras_25jul12.html
- O prémio Nobel da morte – http://resistir.info/eua/nobel_da_morte.html
- The Destabilization of Africa – http://rense.com/general10/destabilization.htm
- Dirty Wars: el infierno de las guerras de Obama – http://www.rebelion.org/noticia.php?id=162821&titular="dirty-wars":-el-infierno-de-las-guerras-de-obama-
- Armas de fuego en EEUU – un cancer cultural – http://www.rebelion.org/noticia.php?id=163457
- Un documento “escalofriante” sobre los asesinatos extrajudiciales – http://www.rebelion.org/noticia.php?id=163455
- Casa Branca ganhou processo para manter em segredo o assassinato de cidadãos norte-americanos por drones – http://www.odiario.info/?p=2764

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