Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
O banco islandês Landsbanki,
na sua bebedeira de oferta de crédito, criou o Icesave. Uma espécie de
banco virtual onde os clientes estrangeiros, sobretudo holandeses e ingleses,
puseram muito dinheiro em troca de juros impossíveis. Depois sabe-se o que
aconteceu. A banca islandesa, sempre aparada pelo governo neoliberal que tratou
da sua privatização, colapsou. O islandeses revoltaram-se e o governo caiu. Os
governos britânico e holandês decidiram pagar, sem perguntar nada a ninguém, os
estragos aos clientes do Icesave dos seus países. E apresentaram a factura
aos contribuintes islandeses. Ou seja, os islandeses tinham de pagar com os
seus impostos as dívidas de um negócio entre privados: bancos e investidores.
Quando o governo se
preparava para começar a pagar os astronómicos estragos da banca, o
presidente Ólafur Grímsson decidiu referendar a decisão. Todos os governos
europeus, todas as instituições financeiras e quase todas as forças com poder
na Islândia, incluindo o governo e a maioria do Parlamento, foram contra a sua
decisão. Tal referendo seria uma loucura. De fora e de dentro vieram todas as
pressões. Se a Islândia tivesse a ousadia de não pagar seria uma "Cuba do
norte". Ficaria isolada. Nem mais um investidor ali deixaria o seu
dinheiro. Os islandeses votaram. 92% disseram que não pagavam. E,
mesmo depois de um segundo referendo, não pagaram. A reação não se fez esperar.
O governo do Reino Unido até se socorreu de uma lei para organizações
terroristas, pondo a Islândia ao nível da Al-Qaeda.
A decisão repousava
há algum tempo no Tribunal da EFTA. Quando estive na Islândia ouvi, de alguns
especialistas, a mesma lengalenga: a Islândia ia acabar por pagar esta dívida.
E até lhe ia sair mais caro. Que tinha sido tudo uma enorme
irresponsabilidade fruto de populismo político.
Contrariando a
posição de uma equipa de investigação da própria intuição e as temerosas
autoridades judiciais da Islândia, que defendiam "um mínimo de compensação
aos Governos britânico e holandês", o tribunal da EFTA isentou, esta
semana, a Islândia de qualquer pagamento ao Reino Unido e Holanda.
O que estava em causa
não era pouco. Era se deve ou não o Estado ser responsabilizado pelos
erros dos bancos. E se devem ser os contribuintes a pagar por eles. Claro que a
Europa já prepara novo enquadramento legal para atribuir uma maior
responsabilização aos Governos pelas quebras no sistema financeiro. Duvido que
resulte em maior vigilância ao sistema bancário. O mais provável é dar à banca
a segurança que o dinheiro dos impostos cá estará para cobrir os prejuízos das
suas irresponsabilidades.
Há coisas imorais
que se naturalizam. Usar os dinheiros dos contribuintes para salvar os bancos
das suas próprias asneiras foi uma delas. Como me disse o presidente Grímsson,
"Temos um sistema onde os bancos podem funcionar como querem. Se tiverem
sucesso, os banqueiros recebem enormes bónus e os seus acionistas recebem o
lucro, mas, se falharem, a conta será entregue aos contribuintes. Porque serão
os bancos tão sagrados para lhes darmos mais garantias do Estado do que a
qualquer outra empresa?" Perante isto, os islandeses apenas fizeram o
que tinham de fazer. Mas o Mundo está de tal forma de pernas para o ar que o
comportamento mais evidente por parte de quem tem de defender os cidadãos e o
seu dinheiro parece absurdo.
Afinal, a Islândia
saiu-se bem. Saiu-se bem na economia, já abandonou a austeridade, está a mudar
a Constituição no sentido exatamente inverso ao que se quereria fazer por cá e
manteve a sua determinação em não pagar as dívidas contraídas por empresas financeiras
privadas, tendo sido, no fim, judicialmente apoiada nesta decisão. Porque
o governo islandês assim o quis? Não. Pelo contrário. Porque as pessoas
exigiram e mobilizaram-se. E as pessoas, até na pacata Islândia, podem ser
muito assustadoras.
Por cá, o mesmo
banqueiro que se estava a afundar (parece que tinha comprado demasiada dívida
grega) e que disse que os portugueses "aguentam" mais austeridade,
recebeu dinheiro de um empréstimo que somos nós todos que vamos pagar,
apresentou lucros excelentes e até vai comprar, imagino que com o nosso próprio
empréstimo, dívida nacional. Ou seja, empresta ao Estado o que é do Estado
e cobra juros. Porque nós aguentamos.
Destaque PG
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