Lázaro Mabunda – O País
(mz), opinião
“Segundo, o
Presidente Guebuza leva, nas suas “presidências abertas e inclusivas”, entre
cinco e seis helicópteros. Onde estão? Se ele consegue alugar tantos
helicópteros só para passeios pelos distritos, por que não o poder fazer para
salvar vidas do seu “maravilhoso povo”? Quer dizer que o povo tem direito ao sofrimento
e à morte e a elite tem direito a deixar o povo sofrer e morrer...!
Debaixo de calor
intenso que se intercala com as chuvas sem nuvens negras, um jovem de Moatize,
que se diz ser meu fã, encosta-se a mim e pergunta-me: Olha, será que temos um
governo em Moçambique? Eu respondi: sim, temos. Mas a questão para mim não pode
ser essa. Censurei-lhe. A questão para mim deve ser: a quem serve esse Governo?
Certamente a si mesmo, muito pouco ao povo.
O jovem, bastante
atrevido, cómico, que até me pediu para apadrinhar a sua entrada no Gungu,
puxou-me para uma mesa solta. Disse que é membro da Organização da Juventude de
Moçambique, braço juvenil da Frelimo. Notei que ele tinha muita curiosidade.
Também gosto de satisfazer curiosidades dos que me admiram. Era hora do almoço,
ele não se mostrava disposto a almoçar. Sentados num frente-a-frente, eis que
começa a entrevistar-me:
- Senhor Mabunda,
você tem sido muito crítico do Governo. Por que razão?
- Atenção, eu não
critico o Governo, critico o comportamento de algumas pessoas do Governo. Mesmo
assim, se critico o Governo é porque quero que trabalhe mais. Mais do que um
governo de reacção, sempre encontrado na curva pelos fenómenos, deve ser um
governo de acção e pró-acção. Infelizmente, é um governo letárgico, de
“businessmen”. só vêem negócios onde estão.
- Quem acha que se
comporta mal no Governo?
- Olha, você
coloca-me um desafio. Mas, como queres saber e eu não sou de tabus, vou
dizer-lhe. Quando uma família se comporta mal de quem é a responsabilidade?
- É do chefe da
família, claro.
- Muito bem. Olha,
o que as pessoas irão dizer quando um chefe da família, quando censurado pelo
seu mau desempenho ou comportamento, sai à rua e pelos bairros a gritar, por
exemplo: “vocês são apóstolos de desgraça”, “vocês são tagarelas”, “agitadores
profissionais”... O que espera do comportamento dos filhos ou subordinados
desse chefe?
- Também
indisciplinados.
- Muito bem. Não
fui eu que disse.
- O que achou da
festa do camarada, sua excelência Presidente da República, Comandante em Chefe
das Forças Armadas de Moçambique, o nosso visionário e clarividente líder?
- Ainda bem que me
pergunta isso. Olha jovem, a festa foi bonita. Bebeu-se, dançou-se e,
eventualmente, vomitou-se. 70 anos é uma obra. Devem ser efusivamente
festejados. Mas a transmissão em directo da Televisão de Moçambique (TVM)
manchou tudo. Ou seja, a tentativa de escovar o camarada em Chefe, a direcção
da TVM acabou introduzindo a cabeça de Guebuza na lama. Acho que o meu colega
da equipa de futebol, Armindo Chavana, deu-se mal nessa assessoria. Da mesma
forma que os serviços de imprensa da Presidência também se revelam mentalmente
paralisados. Aliás, nunca funcionaram, senão apenas para distribuir
comunicados.
- Está a dizer-me
que gostou mas...
- Foi-me
indiferente, mas, por um lado, não gostei. Primeiro, parecia aniversário de Kim
Jong Il. Ele devia ter realizado a mega -festa sem transmissão. Qualquer um
pode celebrar o seu aniversário, convidando o número de pessoas que quiser e o
tipo de convidados que quiser, em privado. Transmitir para todo o mundo em
directo durante 8 horas foi demais. Quanto nos custou aquele aniversário? Mesmo
os feriados nacionais não têm aquele tipo de transmissão, que são datas
nacionais, de todos os moçambicanos. Valorizamos figuras e não a nação.
- Mais
- As imagens da
festa contrastavam com as imagens de população de algumas zonas. A TVM
transmitia as imagens da festa, onde se comia, bebia-se e deitou-se na lixeira
e, simultaneamente, transmitia imagens da população que flutuava na água, sem o
que comer nem beber. Uma desumanidade terrível. Como diziam alguns jovens do
Chókwè: “O Presidente fez a mega-festa e depois foi abrir a água para nos
acabar”. Há razões para eles encontrarem o nexo de casualidade entre a
mega-festa e as cheias, uma vez que tudo coincidiu.
Quero dizer mais:
as cheias que assolaram e continuam a assolar o país, sobretudo a província de
Gaza (as cidades de Chókwè e Xai-Xai) vieram deixar claro que o Governo que
temos não só é insensível aos problemas, ao sofrimento e à morte do seu
“maravilhoso povo”, como também se revela felino, perigoso e desumano. A
questão agora é: é bom o governo revelar o seu lado felino, perigoso e desumano
à população de Gaza, por sinal seu bastião eleitoral? Digo que sim, é bom.
- Porquê...?
- Por que o povo de
Gaza sempre acarinhou a elite que em nada lhe serve. Usa-o durante campanhas
eleitorais e depois abandona-o. Hoje, tudo assola a província de Gaza: cheias,
fome, pobreza, miséria, desemprego, falta de investimentos, entre outros, mas,
estranhamente, Gaza é a única província que continua a não tolerar o exercício
da democracia, sobretudo a participação política de partidos da oposição. É bom
nesse sentido.
Veja que quando a
população estava sitiada, empoleirada em árvores e em tectos durante dias, sem
comida nem água, o Governo, mais do que mandar helicóptero para resgatá-la,
sobrevoava os mesmos tectos e árvores, assistindo ao drama como se de filme se
tratasse. Acho que até tiravam fotografias...
O governador de
Gaza foi visitar os afectados, mas nem sequer desceu da viatura. Que governante
tão insensível!
- Acho que não
havia helicóptero...
- Ohh, jovem.
Primeiro, o Presidente Guebuza foi de helicóptero para Chihaquelane, a cerca de
160 km da cidade de Maputo. Por que não foi via terrestre e, desse modo,
disponibilizar o seu helicóptero para o resgate da população (salvar vidas)?
Segundo, o
Presidente Guebuza leva, nas suas “presidências abertas e inclusivas”, entre
cinco e seis helicópteros. Onde estão? Se ele consegue alugar tantos
helicópteros só para passeios pelos distritos, por que não o poder fazer para
salvar vidas do seu “maravilhoso povo”? Quer dizer que o povo tem direito ao
sofrimento e à morte e a elite tem direito a deixar o povo sofrer e morrer...!
- Mabunda, nós
também temos esse problema de dirigentes que não querem ouvir, só nos querem
durante as eleições. Por exemplo, quando marcamos uma audiência com
administrador ou presidente do Conselho Municipal, a resposta (negativa) só
chega 45 a 60 dias depois, porque a carta de pedido de audiência entra pela
Direcção Distrital da Juventude, passa por várias direcções distritais e
desagua na sede distrital e até provincial do partido Frelimo, só depois é que
vem a resposta. Só queria partilhar consigo esse dilema.
- Olha jovem, se
vocês são usados e aceitam ficar tanto tempo à espera de uma resposta negativa
é porque vocês também gostam disso.
- O que iríamos
fazer?
- Ohh, tenho uma
solução tão simples para si e para todos os jovens deste país. Primeiro, devem
ser cidadãos, porque assim vão conhecer os vossos direitos e deveres. Só assim
poderão agir contra esse tipo de dirigentes.
Segundo, sugiro-vos
uma coisa simples, que é o remédio contra aqueles que vêm dançar convosco
durante as eleições para conquistar o vosso voto e depois de lhes votarem
abandonam e sujeitam-vos a tantas voltas quando querem um encontro com eles. A
solução é: quando chegar o processo eleitoral, quando essas pessoas
aproximarem-se de vos querendo um encontro para vos sensibilizar a votar neles
e usarem-vos para encher camiões e atacarem caravanas de partidos concorrentes,
digam-lhes para submeter uma carta dirigida a vocês (jovens) a pedirem audiência.
Essa carta deve percorrer todas as organizações de jovens, tal como acontece
com as cartas que vocês submetem a eles. E digam-lhes, claramente, que devido a
processos burocráticos, essa carta só terá resposta daqui a 45 ou 60 dias. Na
verdade, estarão a dizer que eles terão a resposta nas urnas. Essa é a melhor
resposta, o melhor remédio.
- Obrigado
- Nada. Façam isso.
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