Emir Sader – Carta Maior,
em Blog do Emir
O projeto de
unificação europeia começou nos anos 50 do século passado, ainda sob o impacto
das duas guerras mundiais. Se trataria, antes de tudo, de criar uma comunidade
de nações, com destinos comuns, que evitasse que conflitos entre elas levasse a
novas guerras mundiais.
Posteriormente, conforme seu desenho foi se concretizando, a emergente
hegemonia neoliberal no mundo, já nos anos 80, fez com que a unificação
ganhasse novos contornos.
Por um lado, a criação de um mercado comum, que disputasse com os EUA e outros
mercados, em escala mundial.
Mas logo se viu que não era somente a economia que preponderaria, a dimensão
financeira foi ganhando preeminência. Basta dizer que a consulta feita em todos
os países não foi sobre se estavam de acordo com a unificação europeia, mas se
queriam ter moeda única – o euro. Essa seria o condutor da unificação, a moeda
única. A instância mais importante da unificação europeia é o Banco Central
Europeu e não o Parlamento Europeu, que nem sequer é protagonista durante a prolongada
crise atual.
Assim que começou a valer, apesar do debilitamento do dólar, o euro já
demonstrou que não teria força para competir com a moeda norteamericana.
Iniciada a crise economica atual, em 2008, os efeitos iniciais positivos da
unificação se desfizeram rapidamente e se reverteram para se constituir numa
armadilha, especialmente para os países mais fragilizados pela crise.
Espanha, Portugal e Grécia tinham se valido de benefícios significativos da
unificação, na sua qualidade de países menos desenvolvidos. A modernização
econômica dos países foi evidente. Mas acumularam problemas, especialmente seus
sistemas bancários e suas dívidas públicas, que acabaram explodindo na crise
iniciada em 2008.
Se saltamos para a situação atual, está claro que o predomínio das políticas de
austeridade, comandadas pela Alemanha através do Banco Central Europeu e do
FMI, está asfixiando os países do Sul. Mas todos os governos que aplicam a
austeridade (chamada de austericídio) perdem as eleições. Perdem na França, na
Espanha, em Portugal, agora na Italia.
Está claro que a forma que assumiu a unificação europeia perdeu legitimidade, é
questionada em todos os países. Em todas as pesquisas feitas atualmente, a
maioria tem opinião negativa da unificação europeia. Mas, ao mesmo tempo, não
há forma razoável de um país sozinho sair do processo de unificação, como se
cogitou sobre a Grécia. Seria marginalizado, adotaria uma moeda muito frágil,
seria punido duramente pelo Banco Central Europeu, para evitar o “mau exemplo”.
As eleições alemãs deste ano pode levar à reeleição de Angel Merkel, mas também
pode dar a vitória à social democracia e mudar uma peça chave na política
europeia.
Mas independentemente dessa variável, se houvesse uma mínima sensibilidade e
consciência democrática nos dirigentes políticos europeus, teria que convocar
uma nova consulta popular sobre a unidade europeia: se os países a querem ainda
e sob que forma.
Não é o que prima hoje na Europa, onde os governantes se pelam de medo de
eleições e de consulta popular, porque perdem todas. Basta ver que na Italia, o
queridinho do BCE, do FMI e de Angela Merkel, Mario Monti, depois de governar
por mais de um ano, conforme eles desejavam, chegou em quarto lugar, com 10%
dos votos, enquanto os tres primeiros, que condenavam, cada um à sua maneira,
as politicas de austeridade, somaram 85%.
Mas não ha saída para a Europa que não seja uma reformulação das condições da
sua unificação, imprimindo-lhe um caráter politico e não estritamente econômico
e financeiro. Só assim poderia sair da armadilha em que se meteu e que está
levando ao fim da maior construção histórica que o continente já havia logrado
– o Estado de bem estar social -, que durante três décadas propiciou pleno
emprego, melhoria social constante da vida das pessoas e estabilidade politica.
Do contrário, sob o controle de ferro da Alemanha, a Europa, além de pelo menos
uma década perdida de recessão, dará passos largos para sua decadência, perda
de legitimidade dos seus governos e perda de importância em escala mundial.
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