Joaquim Roy, Miami –
Opera Mundi
Região se salvou da
onda da crise econômica, mas rumos da integração regional não devem garantir
uma unidade
Enquanto há apenas
alguns anos cabia esperar que os problemas econômicos e políticos afetassem os
processos de integração latino-americanos, a região, aparentemente, se colocou
a salvo da crise que está afetando a Europa.
Mas esta percepção, confirmada pelos dados estatísticos de crescimento, se
contradiz pelas dificuldades dos avanços dos diferentes planos de integração
sub-regional, além de alguns novos experimentos de alianças, cooperação e
consulta interlatino-americanos.
De um lado, é verdadeiramente paradoxal que a América Central, uma sub-região
de limites geográficos modestos, que parecia atrasada em completar seu processo
e que demorara de modo preocupante a consecução de um ansiado acordo de
associação com a União Europeia, aparece, finalmente, como ganhadora da atenção
europeia.
Da obsessão pela aposta em um Mercosul (Mercado Comum do Sul) com brilhante
futuro, com o qual manter uma sólida relação que fosse se espalhando pelo resto
do subcontinente, se chegou a primar uma sub-região de limitadas proporções.
Houve um regresso, exitoso, se espera, à origem da implicação europeia em
meados da década de 1980, quando a América Central recebeu mais ajuda per
capita da UE do que o resto do mundo em desenvolvimento, com a recompensa de
ter contribuído para a pacificação e a reconstrução de um istmo em convulsão.
Da Espanha, o Estado-membro que mais interesse demonstrou então, no sentido de
apresentar soluções ao processo centro-americano, se deve sentir plena
satisfação.
Por outro lado, é sempre instrutivo meditar sobre o desenvolvimento dos
próprios sistemas de integração latino-americanos, por uma variedade de razões,
entre as quais se destacam duas: a primeira é o exame da evolução de cada um
dos experimentos, já que todos, em certa medida, têm a marca ou a inspiração do
modelo europeu, ou pelo menos o têm como ponto de referência inquestionável.
Outras razões são de índole mais prática e dizem respeito ao estado da região
como cenário receptor de investimentos, ajuda ao desenvolvimento e mútuas relações
diretas, tanto em terrenos de passagem de emigração como em temas sensíveis e
conflituosos, como o do tráfico de drogas.
Em todo caso, toda atenção mútua deve sempre ter em mente que a América Latina
(junto com Estados Unidos e Canadá) é a região do planeta mais próxima da
Europa por motivos históricos, linguísticos, culturais, jurídicos e religiosos.
Embora com arestas variadas, a entidade atlântica de forma triangular tem bases
inquestionáveis.
Devido aos antecedentes históricos da relação europeia-latino-americana e à
aspersão do modelo de integração original da UE, convém, portanto, reparar na
incidência da crise europeia no próprio tecido de integração. Daí a necessidade
de considerar o impacto negativo da crise nos planos de cooperação europeia.
Na América Latina, ao lado dos sistemas sub-regionais historicamente instalados
e juridicamente ainda respeitados por seus sócios (Mercosul, CAN, Sica),
surgiram recentemente outras apostas (Alba, Unasul, Celac) que, sob o rótulo
equívoco da integração, apontam para objetivos dissimulados e de intenções
diversas.
Além disso, alguns países individualmente se dedicam a preocupantes trocas de
localização (Venezuela para o Mercosul, e a mesma intenção tem a Bolívia) e a
alianças econômicas tanto com os Estados Unidos como com a Europa em separado
(México, Chile).
O fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a audaciosa missão
totalizadora liderada pelos Estados Unidos em 1994, como ampliação conceitual
do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN-Nafta), aconselhou
Washington a optar por uma estratégia individualizada ou por blocos de alcance
territorial limitados (chamados alquitas).
Outros países latino-americanos (Peru, Colômbia), diante da incerteza de seus
próprios sistemas de integração, escolheram a dupla pista da estrada para o
norte, criando alianças com a UE e os Estados Unidos. Estes movimentos parecem
responder à adoção de uma via de duas mãos, com certo abandono da norma
estritamente birregional ambicionando acordos com blocos consolidados.
No momento, não se sabe qual poderá ser o impacto desta óbvia mudança de rumo
desde Bruxelas e capitais europeias com relação aos processos de integração
latino-americanos.
Uma estratégia a
ser analisada pode ser a adoção da política de “acompanhamento” dos movimentos
próprios e peculiares latino-americanos, derivados de sua diáfana “geometria
variável”, tanto política quanto econômica.
Intui-se o abandono de certos ingredientes de condicionalidade (com a exceção
da cláusula democrática) e a baixa expectativa do aprofundamento institucional
e da geração de verdadeiras uniões aduaneiras.
(*) Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia
da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu). Texto da IPS publicado originalmente
em português no Envolverde.
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