domingo, 3 de março de 2013

A UNIDADE LATINO-AMERICANA NA ENCRUZILHADA




Joaquim Roy, Miami – Opera Mundi

Região se salvou da onda da crise econômica, mas rumos da integração regional não devem garantir uma unidade

Enquanto há apenas alguns anos cabia esperar que os problemas econômicos e políticos afetassem os processos de integração latino-americanos, a região, aparentemente, se colocou a salvo da crise que está afetando a Europa.

Mas esta percepção, confirmada pelos dados estatísticos de crescimento, se contradiz pelas dificuldades dos avanços dos diferentes planos de integração sub-regional, além de alguns novos experimentos de alianças, cooperação e consulta interlatino-americanos.

De um lado, é verdadeiramente paradoxal que a América Central, uma sub-região de limites geográficos modestos, que parecia atrasada em completar seu processo e que demorara de modo preocupante a consecução de um ansiado acordo de associação com a União Europeia, aparece, finalmente, como ganhadora da atenção europeia.

Da obsessão pela aposta em um Mercosul (Mercado Comum do Sul) com brilhante futuro, com o qual manter uma sólida relação que fosse se espalhando pelo resto do subcontinente, se chegou a primar uma sub-região de limitadas proporções.

Houve um regresso, exitoso, se espera, à origem da implicação europeia em meados da década de 1980, quando a América Central recebeu mais ajuda per capita da UE do que o resto do mundo em desenvolvimento, com a recompensa de ter contribuído para a pacificação e a reconstrução de um istmo em convulsão.

Da Espanha, o Estado-membro que mais interesse demonstrou então, no sentido de apresentar soluções ao processo centro-americano, se deve sentir plena satisfação.

Por outro lado, é sempre instrutivo meditar sobre o desenvolvimento dos próprios sistemas de integração latino-americanos, por uma variedade de razões, entre as quais se destacam duas: a primeira é o exame da evolução de cada um dos experimentos, já que todos, em certa medida, têm a marca ou a inspiração do modelo europeu, ou pelo menos o têm como ponto de referência inquestionável.

Outras razões são de índole mais prática e dizem respeito ao estado da região como cenário receptor de investimentos, ajuda ao desenvolvimento e mútuas relações diretas, tanto em terrenos de passagem de emigração como em temas sensíveis e conflituosos, como o do tráfico de drogas.

Em todo caso, toda atenção mútua deve sempre ter em mente que a América Latina (junto com Estados Unidos e Canadá) é a região do planeta mais próxima da Europa por motivos históricos, linguísticos, culturais, jurídicos e religiosos. Embora com arestas variadas, a entidade atlântica de forma triangular tem bases inquestionáveis.

Devido aos antecedentes históricos da relação europeia-latino-americana e à aspersão do modelo de integração original da UE, convém, portanto, reparar na incidência da crise europeia no próprio tecido de integração. Daí a necessidade de considerar o impacto negativo da crise nos planos de cooperação europeia.

Na América Latina, ao lado dos sistemas sub-regionais historicamente instalados e juridicamente ainda respeitados por seus sócios (Mercosul, CAN, Sica), surgiram recentemente outras apostas (Alba, Unasul, Celac) que, sob o rótulo equívoco da integração, apontam para objetivos dissimulados e de intenções diversas.

Além disso, alguns países individualmente se dedicam a preocupantes trocas de localização (Venezuela para o Mercosul, e a mesma intenção tem a Bolívia) e a alianças econômicas tanto com os Estados Unidos como com a Europa em separado (México, Chile).

O fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a audaciosa missão totalizadora liderada pelos Estados Unidos em 1994, como ampliação conceitual do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN-Nafta), aconselhou Washington a optar por uma estratégia individualizada ou por blocos de alcance territorial limitados (chamados alquitas).

Outros países latino-americanos (Peru, Colômbia), diante da incerteza de seus próprios sistemas de integração, escolheram a dupla pista da estrada para o norte, criando alianças com a UE e os Estados Unidos. Estes movimentos parecem responder à adoção de uma via de duas mãos, com certo abandono da norma estritamente birregional ambicionando acordos com blocos consolidados.

No momento, não se sabe qual poderá ser o impacto desta óbvia mudança de rumo desde Bruxelas e capitais europeias com relação aos processos de integração latino-americanos.

Uma estratégia a ser analisada pode ser a adoção da política de “acompanhamento” dos movimentos próprios e peculiares latino-americanos, derivados de sua diáfana “geometria variável”, tanto política quanto econômica.

Intui-se o abandono de certos ingredientes de condicionalidade (com a exceção da cláusula democrática) e a baixa expectativa do aprofundamento institucional e da geração de verdadeiras uniões aduaneiras.

(*) Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami (jroy@Miami.edu). Texto da IPS publicado originalmente em português no Envolverde.

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