sábado, 25 de maio de 2013

NOVO ESCÂNDALO ATINGE O FMI




Depois do escândalo sexual que custou o posto ao ex-diretor gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, a atual responsável pelo organismo, a ex-ministra francesa da economia Christine Lagarde, compareceu duas vezes à Corte de Justiça da República para prestar esclarecimentos num caso em que está envolvida, junto ao empresário Bernard Tapie. O Ministério Público acusa Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento público e malversação de recursos públicos”. Por Eduardo Febbro, de Paris.

Eduardo Febbro - Carta Maior

Paris - O FMI tem projeções nefastas, e não só sobre as economias que pretende sanear a golpes de cortes no gasto público. Seus últimos diretores gerentes conheceram uma série de episódios judiciais de ressonância mundial. Depois dos enredos sexuais que custaram o posto ao ex-diretor gerente do FMI, o francês Dominique Strauss-Khan, a atual responsável pelo organismo multilateral, a ex-ministra francesa da economia Christine Lagarde, compareceu duas vezes à Corte de Justiça da República (CJR) para prestar esclarecimentos num caso em que está envolvida, junto ao multifacetário e poli condenado empresário Bernard Tapie. Como havia adiantado a imprensa francesa, Christine Lagarde saiu das audiências como “testemunha assistida”.

O Ministério Público acusa Lagarde de “cumplicidade na falsidade de documento público e malversação de recursos públicos” e, segundo o Le Monde, hoje existem “evidências consistentes” de sua plena responsabilidade no caso. A Corte de Justiça da República é a jurisdição que, na França, encarrega-se de julgar os membros do governo pelas infrações cometidas no desempenho de suas funções.

As infrações imputadas à diretora gerente do Fundo Monetário Internacional remontam aos anos em que era ministra da economia do governo conservador do ex-presidente Nicolas Sarkozy (2007-2012). Nesse período, Lagarde teve de intervir num caso que opunha o empresário Bernard Tapie e o banco público Crédit Lyonnais. O episódio terminou a favor de Tapie, com um valor de causa de 403 milhões de euros. De fato, toda a história é uma trama de ladrões de alto voo. 

Bernard Tapie comprou a multinacional Adidas nos anos 90 e depois a vendeu, através do banco Crédit Lyonnais, que se encarregou de encontrar um comprador e de realizar a transação. No entanto, uma vez feita a venda, Tapie descobriu que o haviam enganado, que na realidade foi o mesmo banco que, através de uma estrutura offshore, comprou a empresa para depois revende-las por um preço maior. Aí começou a batalha judicial de Tapie contra a instituição bancária. 

A pilha de papeis caiu nas mãos do Consórcio de Realização, uma entidade encarregada de liquidar os passivos do Crédito Lyonnais. Em 2007, Lagarde ordenou que o conflito fosse resolvido por meio de uma arbitragem privada e não através da justiça comum. Para isso, designou-se um “corpo arbitral” e se nomeou três pessoas principais. Em 2008, os árbitros deram a razão ao empresário e o Estado teve de pagar os 403 milhões de dólares. A oposição socialista denunciou as condições da arbitragem, trouxe provas das irregularidades da decisão, mas Christine Lagarde permaneceu sem apresentar recursos.

A Corte de Justiça da República quer saber por que motivo Lagarde não recorreu de uma decisão que custou ao Estado 400 milhões de euros, cobrados por Bernard Tapie. Em agosto de 2011, a Corte abriu uma investigação contra Christine Lagarde, por “cumplicidade na malversação de recursos públicos”. A CJR também aguarda a resposta da ex-ministra para o fato de ela ter preferido uma arbitragem privada, quando os recursos públicos estavam em jogo e, também, de ter feito ouvidos moucos diante da evidente parcialidade de alguns dos árbitros. O caso se ampliou no ano passado, quando a justiça levou a cabo uma série de buscas nos escritórios e residências de vários colaboradores próximos a Nicolas Sarkozy.

Bernard Tapie declarou à imprensa francesa que a “sorte judicial de Christine Lagarde” não o “interessa, em absoluto”. Se o processo contra a diretora gerente do FMI seguir o seu curso e ela for formalmente responsabilizada, Lagarde pode ser condenada a 5 anos de cadeira e a pagar 150 mil euros de multa. Até agora o FMI a apoiou plenamente. O porta-voz do Fundo, Gerry Rice, declarou que “mantém a sua confiança na capacidade da diretora gerente para exercer suas responsabilidades de uma maneira efetiva”. O encarregado de imprensa também recordou que a imunidade diplomática de Lagarde tinha sido suspensa a pedido da própria diretora. 

Em Paris, o governo foi claro. Seu porta-voz, Najat Vallaud Belkacem, declarou que cabia ao FMI tomar uma decisão, mas que no atual governo não seria possível que uma pessoa condenada permanecesse no cargo. As evidencias de sua parcialidade são tais que a maioria dos meios de comunicação dão por certo a condenação da ex-ministra de Sarkozy. O FMI carrega uma série sombria de diretores atingidos por escândalos. Em 2011, Dominique Strauss-Khan teve de se demitir, depois que uma faxineira do hotel Sofitel de Nova York o acusou de agressão sexual. Foi encarcerado primeiro e liberado depois, mas a justiça não o condenou. O caso se encerrou a portas fechadas, entre advogados, mediante o pagamento, por Strauss-Khan, de uma importante indenização. Seu predecessor, Rodrigo Rato, o ex-ministro espanhol da economia, dos governos conservadores de José María Aznar (1996-2004) deixou a chefatura em 2007, dois anos depois de ter assumido seu cargo. Não foi a justiça que o pegou, mas algo pior: a crise das subprimes. 

Nos dois anos à frente do FMI, Rato e sua equipe não viram os sinais da crise que se aproximava. Em 2010, Rodrigo Rato foi nomeado diretor do Bankia. Renunciou ao posto em 2012, quando o organismo financeiro estava na mais absoluta bancarrota. Dominique Strauss-Kahn substituiu a Rato, e tampouco terminou o seu mandato: este prestigiado economista francês e cabeça pensante do Partido Socialista francês foi decapitado, pessoal e politicamente, pelo escândalo Sofitel e pelos demais assuntos de teor sexual que se descobriu depois. 

Em julho de 2011, Christine Lagarde foi escolhida a primeira mulher a dirigir o FMI. Sua eleição apontava para um outro estilo e uma outra cara do organismo de polícia mundial dos cortes e da austeridade. Mudou o rosto mas não a política. Lagarde formava parte da famosa e famigerada Troika, composta por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que impôs a Grécia, a Espanha e a Portugal a mesma receita de privatizações que soube impor na América Latina e na Ásia. 

Desde que o FMI foi criado, em 1944, na conferência de Bretton Woods, nos Estados Unidos, o Ocidente repartiu a torta do poder: desde então, todos os diretores gerentes foram europeus, enquanto que os de seu gêmeo financeiro, o Banco Mundial, sempre foram estadunidenses. Em breve as justiças nacionais encarregar-se-ão de mudar a ordem de uma partição de poderes que já carece de sentido. A força dos escândalos, da ineficiência planetária e dos processos judiciais pode agora romper a hegemonia ocidental dessas duas instituições.

Tradução: Katarina Peixoto

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