Henrique Raposo –
Expresso, opinião
Depois do caso
apalhaçado, Cavaco Silva resolveu criar outro caso inexplicável. Em Elvas, um
cidadão chamado Carlos Costal dirigiu umas palavrinhas amargas ao Presidente.
Os impropérios, ao que parece, foram captados por dois polícias à paisana, que,
de imediato, agarraram o senhor. Como se esta humilhação não fosse suficiente,
Carlos Costal foi ainda forçado a pagar 1300 euros de multa. Ora, mais uma vez,
o paizinho da nação perdeu a chance de revelar grandeza. O Presidente
devia ter chamado os polícias para lhes dizer "pá, era mesmo
necessário?" e, de seguida, devia ter desistido da queixa. Mas não
desistiu. Este tipo de cobardia política não se perdoa.
Ilibar o Sr. Costal
era a única saída airosa que o Sôr Presidente tinha à disposição. Para quê
lançar o peso do Estado sobre alguém que mandou umas bocas ao Presidente? Para
quê? Mais: se uma farpa de um cidadão vale 1300 euros de multa, as acções
musculadas da CGTP deviam valer o quê? Chibatadas numa garagem escura de Belém?
Por outras palavras, este caso é um absurdo e revela, mais uma vez, a cobardia política de um indivíduo mergulhado
numa imensa vaidade pessoal. Cavaco Silva não tolera qualquer
beliscão no seu estatuto, um estatuto que julga sagrado.
Nesse sentido, este caso é
sintoma de um mal maior: a distância entre a camarilha que nos governa e a
realidade. E aqui existem duas subespécies de distância. Uns não sabem mesmo o
que fazer perante a dura realidade que eles próprios criaram. Outros, como Cavaco, até sabem aquilo que é preciso fazer, mas
recusam defender certas medidas porque não querem ser associados ao fim de uma
época. Em ambos os casos, a conclusão é a mesma: o poder em Portugal
está paralisado. As pessoas estão nos cargos, mas não têm poder para alterar a
realidade. Este e outros casos (os processos de Sócrates contra jornalistas,
por exemplo) revelam precisamente um poder desorientado perante a realidade e
focado numa mera encenação de poder. Processar jornalistas e cidadãos é coisa
de gente fraca.
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