Benjamim Formigo - Jornal de Angola, opinião
Um Presidente dos
Estados Unidos no último mandato procura marcar o seu lugar na História,
definir como será, em seu entender, julgado pela História dentro de 30 anos.
Barack Obama parece
não estar interessado na sua imagem futura e ou perdeu a visão tradicional dos
democratas ou deixou de controlar os acontecimentos que o rodeiam. As escutas
telefónicas, o acesso a dados electrónicos por parte da Agência Nacional de
Segurança (NSA) denunciadas a semana passada pelo diário londrino “The
Guardian” são uma pequena parte do “iceberg”.
George W. Bush, imediatamente a seguir aos ataques do 11 de Setembro, ordenou
ou deu luz verde à NSA para escrutinar por todos os meios comunicações que
“pudessem pôr em causa a segurança” dos Estados Unidos. O volume de
conversações requeridas pela NSA às operadoras ascenderam a mais de mil milhões
em pouco tempo. Tratava-se apenas de cruzar informação constante de facturas.
Todavia, esta “observação” foi escalando.
Se inicialmente se justificava a recolha de dados com a origem em cidadãos
estrangeiros e no estrangeiro, muito rapidamente essa recolha se transportou
para o território dos Estados Unidos e para cidadãos americanos, sobre quem a
NSA carece de competência para investigar. Em paralelo, foi desenvolvido – ou
já existia – software que permitia a partir de palavras-chave pré-definidas
detectar, por intercepção de satélite, milhares de milhões de conversações ou
mensagens por todo o mundo e obviamente também com origem ou destino nos
Estados Unidos. Os cidadãos de todo o mundo passaram a ser vigiados, mas os
americanos passaram a ser espiados pelo seu próprio Governo. Face à ameaça de
demissão de vários altos funcionários do Departamento de Justiça, nomeados por
George W. Bush, este recuou e mandou suspender o programa. Em 2008, porém, o
Congresso aprovou legislação, admitindo a prática da compilação de dados
electrónicos. A legislação deixava uma zona tão cinzenta quanto às comunicações
telefónicas e intercepção de correio electrónico de cidadãos americanos que
permitiu o desenvolvimento de quatro programas para que a NSA pudesse fazer
aquilo que está vedado ao FBI, escutas sem ordem judicial.
A Administração Obama tem usado, ao que surge agora a público, essas práticas
como o conservador George W. Bush nunca conseguiu, ou se atreveu a fazer. O
Prémio Nobel da Paz deu luz verde à NSA não só para recolher a informação como
para a tratar e deu-lhe os meios para lhe permitir aumentar a sua capacidade de
intercepção e recolha de dados para níveis nunca imaginados, no presente e
ainda menos no futuro com as novas instalações e computadores que serão
entregues em breve à agência.
A violação da privacidade em questão não é só a dos cidadãos americanos, mas de
todo o mundo, já que a rede da NSA é global. A pretexto da luta antiterrorista
a primeira baixa, já se sabe, há muito foram os direitos liberdades e garantias
dos cidadãos. Inacreditavelmente, muito cidadãos até abdicaram (abdicam) de
alguns direitos a favor dessa luta. A derrota da democracia é a maior vitória
que os terroristas conseguiram com os seus crimes. Quando se pretende fazer
crer, ou acreditar, que este é um problema americano, vale a pena recordar a
rede “Echelon”, que remonta à Guerra Fria (sem conhecimento dos aliados da
OTAN, à excepção dos directamente envolvidos) tronou-se nos anos 90 uma rede de
espionagem industrial e comercial. Espionagem electrónica de que faziam (fazem)
parte inicialmente: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Nova
Zelândia.
Esta rede, baseada num software específico, permitia interceptar a rede mundial
de comunicações por satélite e as comunicações visadas não seriam as de
carácter político mas comercial.
Ou seja, os EUA e o pequeno grupo associado faziam espionagem industrial e
comercial, incluindo aos seus aliados. O relatório do Parlamento Europeu sobre
a matéria encerrou com um conjunto de recomendações e as comadres nunca se
chegaram a zangar.
O “Echelon” veio, todavia, provar que era possível a espionagem global. Os
especialistas citados na última semana pelos “media” internacionais são
unânimes em afirmar que, desde que seja digital ou electrónico, é
interceptável, armazenável e utilizável.
A confirmar-se esta espionagem na escala que se está a tornar conhecida, então
o Nobel da Paz Barack Obama conseguiu ultrapassar as capacidades concedidas por
George Orwell ao Big Brother em “1984”. Foram necessários apenas mais uns anos.
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