sábado, 22 de junho de 2013

BARACK OBAMA E A VISÃO DE ORWELL




Benjamim Formigo  - Jornal de Angola, opinião

Um Presidente dos Estados Unidos no último mandato procura marcar o seu lugar na História, definir como será, em seu entender, julgado pela História dentro de 30 anos.

Barack Obama parece não estar interessado na sua imagem futura e ou perdeu a visão tradicional dos democratas ou deixou de controlar os acontecimentos que o rodeiam. As escutas telefónicas, o acesso a dados electrónicos por parte da Agência Nacional de Segurança (NSA) denunciadas a semana passada pelo diário londrino “The Guardian” são uma pequena parte do “iceberg”.

George W. Bush, imediatamente a seguir aos ataques do 11 de Setembro, ordenou ou deu luz verde à NSA para escrutinar por todos os meios comunicações que “pudessem pôr em causa a segurança” dos Estados Unidos. O volume de conversações requeridas pela NSA às operadoras ascenderam a mais de mil milhões em pouco tempo. Tratava-se apenas de cruzar informação constante de facturas. Todavia, esta “observação” foi escalando.

Se inicialmente se justificava a recolha de dados com a origem em cidadãos estrangeiros e no estrangeiro, muito rapidamente essa recolha se transportou para o território dos Estados Unidos e para cidadãos americanos, sobre quem a NSA carece de competência para investigar. Em paralelo, foi desenvolvido – ou já existia – software que permitia a partir de palavras-chave pré-definidas detectar, por intercepção de satélite, milhares de milhões de conversações ou mensagens por todo o mundo e obviamente também com origem ou destino nos Estados Unidos. Os cidadãos de todo o mundo passaram a ser vigiados, mas os americanos passaram a ser espiados pelo seu próprio Governo. Face à ameaça de demissão de vários altos funcionários do Departamento de Justiça, nomeados por George W. Bush, este recuou e mandou suspender o programa. Em 2008, porém, o Congresso aprovou legislação, admitindo a prática da compilação de dados electrónicos. A legislação deixava uma zona tão cinzenta quanto às comunicações telefónicas e intercepção de correio electrónico de cidadãos americanos que permitiu o desenvolvimento de quatro programas para que a NSA pudesse fazer aquilo que está vedado ao FBI, escutas sem ordem judicial.

A Administração Obama tem usado, ao que surge agora a público, essas práticas como o conservador George W. Bush nunca conseguiu, ou se atreveu a fazer. O Prémio Nobel da Paz deu luz verde à NSA não só para recolher a informação como para a tratar e deu-lhe os meios para lhe permitir aumentar a sua capacidade de intercepção e recolha de dados para níveis nunca imaginados, no presente e ainda menos no futuro com as novas instalações e computadores que serão entregues em breve à agência.

A violação da privacidade em questão não é só a dos cidadãos americanos, mas de todo o mundo, já que a rede da NSA é global. A pretexto da luta antiterrorista a primeira baixa, já se sabe, há muito foram os direitos liberdades e garantias dos cidadãos. Inacreditavelmente, muito cidadãos até abdicaram (abdicam) de alguns direitos a favor dessa luta. A derrota da democracia é a maior vitória que os terroristas conseguiram com os seus crimes. Quando se pretende fazer crer, ou acreditar, que este é um problema americano, vale a pena recordar a rede “Echelon”, que remonta à Guerra Fria (sem conhecimento dos aliados da OTAN, à excepção dos directamente envolvidos) tronou-se nos anos 90 uma rede de espionagem industrial e comercial. Espionagem electrónica de que faziam (fazem) parte inicialmente: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Nova Zelândia.

Esta rede, baseada num software específico, permitia interceptar a rede mundial de comunicações por satélite e as comunicações visadas não seriam as de carácter político mas comercial.

Ou seja, os EUA e o pequeno grupo associado faziam espionagem industrial e comercial, incluindo aos seus aliados. O relatório do Parlamento Europeu sobre a matéria encerrou com um conjunto de recomendações e as comadres nunca se chegaram a zangar.

O “Echelon” veio, todavia, provar que era possível a espionagem global. Os especialistas citados na última semana pelos “media” internacionais são unânimes em afirmar que, desde que seja digital ou electrónico, é interceptável, armazenável e utilizável.

A confirmar-se esta espionagem na escala que se está a tornar conhecida, então o Nobel da Paz Barack Obama conseguiu ultrapassar as capacidades concedidas por George Orwell ao Big Brother em “1984”. Foram necessários apenas mais uns anos.

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