De um lado estão
Edward Snowden, Bradley Manning, e Julian Assange, fechando o círculo dos
Davis. O lado dos Golias conta com as agências de segurança e inteligência dos
governos dos EUA e do Reino Unido. Poderia ser um romance de John Le Carré.
Aliás, espero que venha a ser.
Flávio Aguiar –
Carta Maior
Poderia ser um
romance de John Le Carré. Aliás, espero que venha a ser. Hollywood jamais vai
filmar uma história destas. E se filmar, vai ser, provavelmente, sobre a
“justa” caçada ao “traidor” Edward Snowden.
Mas os elementos do roteiro estão dados. De um lado, os Davis, a começar por
Snowden, o ex-(nessa altura)agente da CIA, que trabalhava para uma empresa
privada prestadora de serviços para a Inteligência norte-americana, a Booz
Allen Hamilton Inc., com sede em Virginia, “a consulting firm for communication
and information technology”. Além dele, Julian Assange, confinado na Embaixada
do Equador em Londres há um ano; Baltasar Garzón, o juiz espanhol que teve o
peito de mandar deter Pinochet na Grã-Bretanha, para escândalo de Mme. Thatcher
(que Deus a tenha) e de muitos governos pelo mundo, hoje escorraçado pelo
judiciário de seu país; na prisão, acusado de alta traição, Bradley Manning, o
corajoso soldado que liberou informações para Assange, fechando o círculo dos
Davis.
Agora os Golias: a National Security Agency dos EUA e o governo
norte-americano, lançando ordens – ordens, não pedidos – de extradição de
Snowden pelo mundo, ameaçando os governos latino-americanos que derem asilo ou
facilitarem a locomoção do acusado. Ao mesmo tempo, o britânico GCHQ – UK
Government Communication Headquarters – junto com seu congênere SIGINT – UK
Government Signal Intelligence – denunciados, como os anteriores dos EUA por
invasão de privacidade, controle abusivo da web, espionagem com possíveis
resultados no campo comercial, industrial e outros. Parece até que para
desmoralização de Washington o controle exercido por Londres era maior e mais
eficiente.
Em todo caso, ambos se provaram altamente ineficientes contra o que apregoam
quererem controlar: ameaças de ataques terroristas.
Coadjuvantes: do lado dos Davis, gente como Daniel Ellsberg, dos “Pentagon
Papers”, no tempo da Guerra do Vietnã, provando, entre outras coisas, que os
Estados Unidos forjaram informações para justificar sua intervenção no
conflito. Da mesma maneira como forjaram dados – com apoio da velha mídia
internacional – sobre a suposta posse de armas de extermínio em massa pelo
Iraque, para justificar a invasão de 2003. Ainda do lado dos Davis está Michael
Moore, o cineasta que vem denunciando sistematicamente a violência na sociedade
norte-americana.
Os Golias contam sobretudo consigo mesmos. Mas têm outros Golias pela frente. O
pedido (ou ordem) de extradição que o governo de Washington enviou a Hong Kong
esbarrou no governo chinês – objeto, ao que parece preferencial, das
espionagens norte-americanas. Assinale-se ainda o enorme contencioso que já
existia entre os dois países exatamente sobre espionagem (mútua) cibernética,
invasões de hackers, etc. Outro Golias na frente dos EUA. é a Rússia, também
objeto das espionagens norte-americanas. Certamente Moscou autorizou a viagem
de Snowden para seu aeroporto para se apossar do que em seus documentos há
sobre ela mesma. Além disso, Rússia e Estados Unidos estão reescalando um clima
de Guerra Fria em torno da Síria.
Por fim, assinale-se a presença do Equador, país que guarda contenciosos com os
E. U. A. e com a Grã-Bretanha, e que não vai se curvar ante as exigências de
Washington. Além disso, há Cuba, por onde eventualmente Snowden pode passar se
for mesmo para o Equador.
De fato, o caso mostra que os Golias têm um imenso poder. Mas não ilimitado.
Também mostra que o espaço virtual é, de fato, um dos espaços primordiais das
guerras e disputas do futuro. Como no caso das redes brasileiras, hoje espaços
privilegiados das tentativas de cerco do governo de Brasília pelas
palavras-de-ordem da direita.
Flávio Aguiar é
correspondente internacional da Carta Maior em Berlim
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