Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
A esquerda em
Portugal está tão bloqueada como a direita
Não vale a pena
iludir o essencial: no actual estado da arte, a esquerda em Portugal está tão
bloqueada como a direita - e está longe de se afirmar como alternativa
consistente ao status quo. A questão essencial é que a integração no euro e o
enlouquecido funcionamento das instituições europeias limitam radicalmente
qualquer programa alternativo. O espectáculo degradante do passa-culpas entre
os criadores da destruição europeia - via imposição de programas concebidos
pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu - ilustra o estado de
decadência a que chegámos, onde só os mais optimistas vislumbram algum milagre
capaz de nos retirar do cerrado fundo do túnel em que estamos.
O pacto entre os
socialistas europeus e os partidos de direita (a que pertence a CDU de Angela
Merkel) que decretou que a Europa deveria viver num estado de graça de défice
zero é um dos compromissos mais abstrusos - e totalmente contra a outrora linha
política dos socialistas e sociais-democratas europeus - e que inviabiliza a
instituição de políticas sociais-democratas. Como é que em Portugal António
José Seguro - ou outro qualquer dirigente do PS - poderá fazer políticas
radicalmente diferentes das do actual governo quando está amarrado a esse
compromisso, mesmo depois do abandono da troika do país? À esquerda do PS, o
debate já está a ser feito no osso - e onde dói. PCP e Bloco de Esquerda já
discutem amplamente se devemos sair do euro, aparentemente a única via para não
ficarmos submetidos ao pacto orçamental, uma espécie de pacto de austeridade ad
eternum. Mas as divergências sobre os riscos desta opção são imensas. A questão
é que toda a conversa da esquerda sobre cortar com a troika esbarra numa
realidade incontornável - nenhum partido português corta com a troika sozinho,
sem assumir as consequências de sair do euro. Uma mudança radical na Europa
seria a única coisa que nos poderia "salvar" - infelizmente, ela não
está à vista.
O quadro é tão
grave que o risco da emergência de populismos (como se verificou em Itália e
aqui em Portugal é protagonizado pelo movimento Revolução Branca que admite
fazer tudo para se apresentar a eleições) ou de uma alucinada abstenção é
severo. Um novo partido à esquerda teria várias vantagens - aparecer expurgado
dos complexos que impedem alianças à esquerda e conter a abstenção dos que
estão "cansados dos mesmos". Mas falta o programa e isso não há
(ainda).
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