Como se não
bastasse toda a catástrofe econômica e social que despencou, nos últimos muitos
anos, sobre a cabeça e a alma dos espanhóis, agora se destapa a panela da
podridão do PP. Descobriu-se que o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, é um
político desses que se vende, e com o agravante de se vender barato. Ou, mais
exatamente, 25 mil euros por ano. Por Eric Nepomuceno
Eric Nepomuceno - Carta Maior
Há várias coisas
que não podem ser ditas do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, do
direitista Partido Popular – o mesmo do nefasto José María Aznar, que ocupou o
posto entre 1996 e 2004.
Por uma questão de justiça básica, elementar, ninguém pode dizer que ele seja
competente. Também não se pode dizer que sua palavra valha alguma coisa. Menos
ainda que seja um luminar: o único brilho que emana de sua figura é o das
lentes de seus óculos de professor de catecismo.
E, agora se sabe, tampouco se pode dizer que seja um cidadão correto. O que
sim, se pode dizer, é que além de inepto e medíocre, é um corrupto a mais num
partido mergulhado em corrupção, num governo bafejado amplamente pelo estigma
da indecência.
Mais: é um político desses que se vende, sim, mas com o agravante de se vender
barato. Ou, mais exatamente, 25 mil euros por ano. Uns 75 mil reais anuais.
Pouco mais de 6.200,00 reais por mês.
Para ser considerado um corrupto de alto coturno, é pouco. Para comprar um
Rajoy, é o suficiente. Até nisso ele é incompetente.
Pensando bem, e sempre em nome da justiça, é preciso reconhecer que talvez
tenha sido muito mais. Essa, porém, foi a quantia que se comprovou. E, vale
reiterar: é pouco. Coisa de político chinfrim. Baratinho.
Como se não bastasse toda a catástrofe econômica e social que despencou, nos
últimos muitos anos, sobre a cabeça e a alma dos espanhóis, agora se destapa a
panela da podridão do PP. Além da maior taxa de desemprego da Europa, além da
perda de tudo que havia sido conquistado ao longo de décadas, além do desânimo
e da desesperança, agora desaba sobre o país esse temporal de infâmias.
Tudo começou com as estripulias do contador do partido, Luis Bárcenas. Acossado
por acusações contundentes de tráfico de dinheiro ilegal, coerção, extorsão,
captação de doações ilegais, distribuição de dinheiros irregulares, ele
agüentou firme. Chegou ao máximo da sofisticação quando foi posto frente a
frente com cópias das folhas da contabilidade clandestina dos dinheiros
irregulares arrecadados por ele e por ele distribuídos aos líderes do partido.
Esse material foi divulgado pelo jornal El País e depois aumentado pelo jornal
El Mundo, ligado à direita.
Bárcenas esperneou, reclamou, convocou peritos para analisar sua caligrafia.
Pois bem: a perícia comprovou que sua caligrafia tinha, sim, sido falsificada.
Mas não nas folhas originalmente divulgadas pelo El País, e sim nas que ele
escreveu diante dos peritos para tentar provar que as outras eram falsas. Ou
seja, nem como falsário de si mesmo Bárcenas conseguiu ser convincente.
Processado, foram descobertas contas milionárias que ele havia aberto na Suíça,
no Uruguai e em outros paraísos fiscais. Agüentou tudo sem abrir a boca. Até
que, preso, sentiu-se abandonado pelo Partido Popular. Porque mesmo processado,
continuou usufruindo um salário mensal de 23 mil euros (quase o que ele pagava
por ano, e não por mês, ilegalmente, a Rajoy), além de carro, motorista,
escritório particular na sede do partido e, claro, a correspondente secretária
pessoal. Quando foi preso e perdeu tudo isso, perdeu também os pudores. Já que
tinha sido jogado às feras da Justiça, resolveu abrir a boca e cantar. E aí a
cantoria desse Plácido Domingo da política espanhola fez desabar sobre o
governo uma ópera assustadora, assombrosa.
Além de Rajoy, um grosso contingente da alta cúpula do Partido Popular navegou
nas mesmas águas de dinheiro desviado, dinheiro ilegal, comissões sobre
contratações de serviço público de coleta de lixo, doações não registradas,
enfim, essa ampla peregrinação de dinheiro que conhecemos bem.
Em suas declarações ao juiz, Bárcenas se revelou um fidalgo. Explicou que nunca
contou o dinheiro que recebia. Por uma questão de delicadeza, acreditava no que
diziam os doadores. Que, aliás, jamais pediram recibo: se contentavam com
‘deixar-se ver’ aos olhos dos dirigentes do partido.
Mariano Rajoy, claro, diz que tudo não passa de falácias infundadas. Não
esclareceu se estava se referindo aos dinheiros em si ou à minguada quantia que
Bárcenas diz que pagou a ele.
A oposição, a começar pelo PSOE – o Partido Socialista Operário Espanhol –, que
não deixa de ter seus pecados, estrilou feio. Exige a renúncia de Rajoy. Outro
partido oposicionista, o Izquierda Unida, quer, além da renúncia, a dissolução
do Parlamento, o que significaria convocar novas eleições.
O Partido Popular nega tudo, com convicção de nuvem. Mariano Rajoy, com o
argumento clássico dos pilantras pegos em flagrante, diz que não vai trair o
mandato conquistado nas urnas. Não diz se as urnas sabiam de suas traquinagens.
Como se não bastasse o peso imenso dessas revelações sobre uma opinião pública
já maltratada à exaustão com o desmantelamento de uma ordem social arduamente
erguida desde a volta da democracia, em 1978, há mais lodo nesse pantanal. Soube-se
agora que o presidente do Tribunal Constitucional, instância máxima da justiça
espanhola, um cidadão chamado Francisco Pérez de Cobos, não só era filiado ao
Partido Popular e contribuiu regularmente com a mensalidade exigida aos
militantes, como ocultou tudo isso da Justiça e da opinião pública.
Diz que deixou de ser filiado, mas não conta quando. Está comprovado que pelo
menos até 2011 pagou a anualidade dos filiados, quando já era membro do
Tribunal. A bem da verdade, não é um caso isolado. Desde a volta do PP ao
poder, ao menos dois outros magistrados ligados ao partido foram nomeados para
a corte suprema. Nenhum, porém, era, ao ser nomeado para a corte, legalmente
afiliado como Pérez de Cobos, que para culminar, foi eleito presidente do
Tribunal Constitucional.
Os regulamentos do Partido Popular são claros. Exigem, dos filiados, cumprir
todas as instruções e diretrizes do PP. Terá Pérez de Cobos, como presidente da
corte suprema da Espanha, obedecido à Constituição ou aos ditames do partido ao
qual continuou filiado?
Nesse lodaçal infame chafurda um país inteiro.
Fotos: www.telegraph.co.uk
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