Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
O mea culpa irónico
de Gaspar é um pedido de demissão do governo
A eminência Gaspar,
primeiro-ministro de facto deste governo, demitiu-se ontem e comunicou ao
primeiro-ministro de direito - o seu duplo Pedro Passos Coelho - que perante o
falhanço do ajustamento cada um tem de assumir as suas responsabilidades. A
carta de Gaspar a Pedro Passos Coelho é um monumento político: Vítor Gaspar
assume em pormenor o falhanço das políticas que o governo levou a cabo e
decide-se pela retirada de cena, não sem responder aos seus críticos no
interior do executivo, afirmando que sem ele a possibilidade de o governo se
manter coeso aumentou exponencialmente.
Certamente Gaspar
percebeu que a sua espécie de mea culpa e assunção de falta de credibilidade
acabam por ser, na prática, uma justificação para a demissão em bloco do
governo. Gaspar era um problema, mas não é o problema - todos os seus falhanços
macroeconómicos são partilhados pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho,
que ainda é quem institucionalmente manda e por uma Europa em alucinação
colectiva.
Ao assumir o ónus
da culpa - nomeadamente o da "queda da procura interna", uma
consequência óbvia de um programa de ajustamento deste género mesmo para um não
economista - e ao comunicar publicamente a Passos Coelho que sem ele o
primeiro-ministro poderá "reforçar a sua confiança e a coesão da equipa
governativa", Gaspar opta na hora da despedida pela ironia (misturada com
arrogância) com que tantas e tantas vezes se dirigiu aos deputados. O que
Gaspar proclamou ontem ao povo é que o governo falhou as suas metas e tem que
assumir as responsabilidades pelo seu falhanço. E nem as referências ao
"tempo do investimento" - com um curioso ponto de exclamação - e ao
"fardo da liderança" que agora é deixado a Passos Coelho podem ser
lidas se não à luz da ironia gaspariana.
A escolha de Maria
Luísa Albuquerque para sucessora do ministro das Finanças é uma cabal
demonstração de que o governo está a viver os seus últimos dias. O envolvimento
da secretária de Estado no escândalo dos swaps faria dela a última hipótese
para o cargo, se vivêssemos tempos normais. Como qualquer primeiro-ministro na
decadência, Passos Coelho já não tem outra margem de manobra senão recrutar no
seu círculo íntimo. Infelizmente para todos nós, a queda do governo será uma
excelente desintoxicação, mas não resolverá o problema na raiz - o PS de Seguro
terá de se confrontar com os mesmos loucos que governam a Europa, o mesmo euro
disfuncional e a sua margem de mudança será, infelizmente, reduzida.
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