segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O 11º MANDAMENTO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - A 15 de Maio de 1948, o presidente dos USA, Harry Truman, reconheceu a declaração que criava o Estado de Israel. Este apoio revelou-se crucial para o jovem estado e desta forma os USA ganhavam uma forte posição na região. Israel seria transformado num estado-satélite, com o apoio económico e com a cooperação militar dos norte-americanos. A cooperação tecnológico-militar entre os USA e Israel tornou-se imprescindível, para ambos os lados.
 
A posição estratégica de Israel foi um factor determinante para o fortalecimento desta relação, favorável aos interesses norte-americanos na Ásia Ocidental e ao colonialismo sionista. As diversas administrações norte-americanas foram reforçando estes laços e durante a administração Reagan (1981-1989) foi assinado um acordo que permitiu a participação de Israel na Iniciativa de Defesa Estratégica (Star Wars), consubstanciada no desenvolvimento por parte de Israel de um sistema antimíssil, concedendo os USA um financiamento de 625 milhões de USD.
 
Outro tipo de apoio (mas não menos essencial para a politica sionista de ocupação) foi o outorgado em 1992, que consistiu numa linha de crédito norte-americana, de 10 mil milhões de USD, destinada á construção de habitação e infraestrutura para milhões de judeus russos, que ingressaram em Israel. Mais tarde, em 2000, Clinton concedeu 800 milhões de USD em garantias militares. A cooperação entre ambos os estados reforçou-se nos últimos anos, de forma significativa na área da tenologia militar, e em particular no desenvolvimento de armas e equipamento de nova geração e na tecnologia da vigilância.
 
A consequência principal desta política de cooperação entre ambos os estados (em que os USA representam a sombrinha protectora) foi o desenvolvimento de um poderoso e diversificado arsenal por parte das Forças de Defesa de Israel (IDF). Deste arsenal constam os explosivos nucleares pré-operacionais (dispositivos que requerem trabalho prévio de montagem ou de adaptação a sistemas de lançamento), avaliados em pelo menos oitenta unidades.
 
II  - Israel possui armas nucleares tácticas (as que se destinam a ser usadas em palcos de guerra regionais) e estratégicas (armas com um poder explosivo superior e de longo alcance). No que respeita à posse de armas nucleares tácticas Israel desenvolveu granadas de artilharia e minas terrestres equipadas com explosivos nucleares. Os dados existentes não esclarecem o número de armas nucleares tácticas em posse do IDF, mas são muito mais abertos no que respeita ao arsenal de armas nucleares estratégicas. O IDF dispõe da capacidade de bombas nucleares por gravidade (explosivos transportados em aviões e largados sobre o alvo, como aconteceu em Hiroxima e Nagasaki). Os explosivos nucleares são transportados nos caças-bombardeiros F16, que possuem um raio de acção de 1600 km.
 
Deste 1980 Israel adquiriu cerca de 400 destes aparelhos de fabrico norte-americano, sendo adquiridos ao longo dos anos variantes aperfeiçoadas do modelo inicial e que podem ser abastecidas em voo. Estes aparelhos são modificados em Israel e as suas capacidades são optimizadas. O ataque ao reactor nuclear iraquiano em 1981 foi levado a cabo pelos F16 e é comum o seu uso na Faixa de Gaza. Em 1998 e anos seguintes, o IDF adquiriu vários bombardeiros pesados F-15E ("Strike Eagle"), fabricados pela Boeing, com um raio de acção de 4450 km. Também os F-15E são optimizados em Israel.
 
O sistema privilegiado de lançamento de engenhos explosivos nucleares é o míssil, em cuja cabeça é incorporado o explosivo. O IDF dispõe de pelo menos 50 mísseis terra-terra do tipo Jericho II com um alcance estimado de mais de 1500 km. O míssil Jericho II foi desenvolvido em Israel a partir de uma primeira geração de características menos evoluídas (o Jericho I) projectado pela empresa Dassault e adquirido aos franceses ainda nos anos 60.
 
O caminho aberto pela realização do míssil Jericho II, permitiu o desenvolvimento de um foguetão de três andares denominado Shavit com capacidade para colocar em órbita terrestre um satélite de reconhecimento e vigilância. Surge assim a família de satélites denominados Ofek, progressivamente mais pesados e dotados de equipamento de maior sofisticação. O mais recente, o Ofek-9. terá sido lançado em Junho de 2010, admitindo-se que possui uma capacidade de resolução de imagem de objectos ao nível do solo inferior a 50 cm. Os satélites Ofek são projectados e construídos pela empresa IAI (Israeli Aerospace Industries). O Shavit pode ser convertido num míssil balístico de longo alcance, portanto com características de arma estratégica, capaz de transportar uma carga até cerca de 7000 km de distância, conforme o peso do engenho explosivo colocado no "nariz" do foguetão. 
 
Israel dispõe também de submarinos de propulsão híbrida (diesel-eléctrica) convencional, isto é, não nuclear, com capacidade para o lançamento de torpedos, minas e mísseis de cruzeiro, submarinos da classe Dolphin, O Dolphin possui 10 tubos de lançamento de meio metro de diâmetro. Os mísseis usados são americanos do tipo Harpoon projectados para o ataque a navios. Os Harpoon foram modificados para transportar cabeças nucleares para ataque mar-terra, o que implicou o desenvolvimento de uma cabeça nuclear própria e um sistema de orientação para o ataque a alvos terrestres.
 
O governo israelita tentou obter dos USA o fornecimento de mísseis de cruzeiro de longo alcance, Tomahawk, para lançamento por submarinos, de que existe uma versão capaz de transportar uma cabeça nuclear. Os USA terão recusado o fornecimento, mas o episódio é significativo quanto ao empenho do IDF em desenvolver uma capacidade nuclear operacional efectiva. 
 
III - Em finais da década de 50, no âmbito do chamado "Programa de Átomos para a Paz" lançado pelos USA, Israel recebeu um pequeno reactor do tipo piscina, para fins experimentais e de investigação, que ainda hoje está em funcionamento, com uma potência de 5 MW térmicos, o IRR 1 instalado no Centro de Investigação Nuclear de Sorek.  Desde 1963, Israel dispõe de um segundo reactor, o IRR 2, classificado como sendo um reactor de teste. Trata-se de um reactor moderado e arrefecido por água pesada, que é uma das instalações principais e porventura o coração do Centro de Investigação Nuclear de Negueve (CINN), próximo de Dimona, no deserto de Negueve. As actividades desenvolvidas no CINN, não são controladas pela Agencia Internacional de Energia Atómica e o centro está fechado às inspecções da Agência. Inicialmente a potência térmica do IRR 2 era de 16 MW. Desconhece-se a potência actual mas alguns observadores admitem que poderá ser superior a 100 MW. 
 
Um reactor nuclear com as características do IRR 2 permite produzir quantidades importantes de plutónio por conversão do urânio natural que é o combustível nuclear em regra usado nos reactores moderados e arrefecidos por água pesada. A posse de plutónio abre a porta à fabricação de explosivos nucleares seguindo um caminho muito menos exigente nos planos técnico e financeiro do que se a escolha recaísse sobre o urânio.
 
O segundo principal parceiro de Israel (depois dos USA) no seu propósito de se dotar dos meios necessários à fabricação de explosivos nucleares foi a França. Em 1957 foi assinado um acordo entre a França e Israel em que a França se comprometia a construir um reactor do tipo do IRR 2 com uma potência de 24 MW. Os sistemas de arrefecimento e processamento de resíduos eram todavia previstos para um valor de potência três vezes superior. Em protocolos adicionais o governo de Paris comprometia-se a construir uma instalação de reprocessamento do combustível irradiado, isto é, de separação do plutónio.
 
Destes acordos resultou um complexo industrial construído em segredo, por técnicos franceses e israelitas, em Dimona no deserto do Negueve, fora do sistema de inspecção da AIEA. Cerca de quatro toneladas de água pesada sem a qual o reactor não funcionaria foi adquirida pelos franceses na Noruega com o compromisso de não ser transferida para outro país. A água pesada foi transportada secretamente para Israel pela Força Aérea Francesa.
 
A partir de Maio de 1960, o governo francês, alterou a sua política de cooperação nuclear com Israel, por receio de ver comprometida a posição da França no contexto internacional sobretudo porque viria inevitavelmente a saber-se que França apoiara a construção da instalação de reprocessamento de combustível irradiado que permitiria a Israel constituir uma reserva de plutónio utilizável para fins militares. De Gaulle tentou convencer Ben-Gurion a não prosseguir a construção usando como moeda de troca o fornecimento de aviões de combate às Forças Armadas Israelitas. Finalmente chegou-se a um compromisso cujos aspectos essenciais eram a promessa de que Israel não tinha a intenção de fabricar armas nucleares, que não faria o reprocessamento de plutónio e que tornaria pública a existência do reactor; Por sua vez a França forneceria os elementos de combustível nuclear necessário ao arranque do IRR 2 e não insistiria em que o complexo nuclear fosse sujeito a inspecções internacionais. O reactor arrancou em 1964. 
 
IV - Sem dispor de uma importante instalação para a separação do plutónio e sem uma fonte ou fontes de abastecimento de urânio natural, não seria possível a Israel desenvolver um programa nuclear militar. A instalação de separação do plutónio foi secretamente construída com o apoio francês no subsolo do complexo de Dimona. No que respeita ao urânio, sabe-se que Israel tentou o processamento de minerais de fosfato de que existem importantes depósitos na região, para extrair o urânio contido no mineral designado por fosforite. Daí, procurou chegar a um óxido de urânio susceptível de ser utilizado em elementos de combustível nuclear. Mas este processo de obtenção de urânio é demasiado dispendioso, quando comparada com o custo de extracção a partir de minério de urânio em jazidas. Os esforços israelitas orientaram-se então para a compra de urânio a terceiros, sempre debaixo do maior segredo.
 
Foi assim que Israel comprou à Argentina 80 a 100 toneladas do produto chamado "yellowcake", um pó constituído no essencial por uma mistura de óxidos de urânio, em que predomina o óxido de urânio. O “yellowcake” é obtido do minério de urânio tal como existe na natureza, mediante uma sequência de operações de tratamento físico (ou mecânico) e químico. Em meados de 1968 foi efectuada uma segunda compra de 200 toneladas de "yellowcake" adquiridos à Bélgica no quadro de uma operação clandestina complexa que envolveu uma empresa italiana controlada pelos serviços secretos israelitas e a transferência em alto mar do urânio de um cargueiro europeu para um barco israelita.
 
Segundo o Institute for Science and International Security (ISIS), dos USA, em finais de 2003, o stock de plutónio para fins militares, de Israel, atingia o montante de 560 kg, um pouco superior ao da União Indiana. Israel procedeu ao ensaio de explosivos nucleares, utilizando a classe de ensaio de "potência zero" ou de implosão, dificilmente detectáveis a grande distância. Os ensaios deste tipo foram efectuados no deserto do Negueve em 1966 e no ano de 1979, em parceria com a Africa do Sul, foi efectuado um ensaio no Índico.
 
 O direito dos Estados em assumirem a sua opção nuclear defensiva é uma questão de soberania, só que Israel não é um Estado soberano, mas sim um Estado-satélite, criado e sustentado pelos USA, sob os assentamentos coloniais e os territórios ocupados, assente no apartheid e que subjuga os palestinianos e todas as minorias da região. A hipocrisia em que assenta o controlo do armamento nuclear e os tratados de não-proliferação nuclear está bem evidenciada quando depararmos com a nuclearização militar de Israel. Países como a Coreia do Norte ou o Irão são condenados pela utilização do nuclear, mas sob Israel cai um véu protector que o isenta de responsabilidades. 
 
É a impunidade insofismável dos afilhados do padrinho, o esquecido 11º mandamento.
 
Fontes
SIPRI Year Book 2008, 2009, 2010, 2011, Sweden
SIPRI Year Book 2012: Armaments, Disarmament and International Security, Resumen en español, Sweden
Occupation, Colonialism, Apartheid? A re-assessment of Israel’s practices in the occupied Palestinian territories under international law, Democracy and Governance Programme, Middle East Project, HSRC, Human Sciences Research Council of South Africa May 2009, Cape Town, South Africa
Israeli-United States Relations, Almanac of policy Issues, Adapted from a report by Clyde R.Mark, Congressional Research Service Updated October 17, 2002, USA
Burr, William and Cohen, Avner Israel's Secret Uranium Buy. How Argentina fueled Ben-Gurion's nuclear program Foreign Policy, July 1, 2013 
Le Monde diplomatique, N°:185. 2011
 

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