Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Dando voz ao
programa dos sociais-democratas (coligados com os liberais, centristas), o Rei
Guilherme anunciou ontem o fim do Estado Social na Holanda. Será substituído
pela "sociedade participativa", o que passa, na prática, por cada um
se desenrascar sozinho. Traduzido por miúdos, o governo holandês vai fazer um
corte de seis mil milhões de euros nas despesas públicas. Espera-se que o
desemprego suba e que o poder de compra dos holandeses caia 0,5%. Os
social-democratas holandeses chegaram ao poder com um discurso contra a
austeridade. Uma sondagem da televisão pública diz que 80% da população é
contra estes planos governamentais. E, como tem sido habitual na Europa, eles
avançarão na mesma.
Faço notar que não
há falta de dinheiro na Europa. Pelo contrário, há enormes excedentes que
explicam, aliás, como consegue a Alemanha financiar-se a juros negativos. O que
há na Europa, em toda a Europa, é a vitória de uma agenda ideológica e dos
interesses financeiros que se apoderaram dos principais centros de poder e que
sonham com a privatização de todas as funções sociais do Estado. Não espanta
que essa vitória venha pela mão de governos social-democratas. Gerhard
Schroeder fez mais no ataque ao Estado Social e na contração dos salários dos
trabalhadores alemães (o que contribuiu decisivamente para a crise do euro) do
que Angela Merkel alguma vez sonhou. Foram os governos socialistas e
social-democratas, e não a direita, que construíram o essencial das regras de
uma moeda única disfuncional. E, em todos os países europeus onde têm
recuperado o poder, não o usaram para travar esta loucura. François Hollande
limita-se a anunciar, como um tonto, o fim da crise do euro. Na esperança de
não ter de chegar a fazer realmente alguma coisa do que prometeu. Nem um rasgo
de coragem se vislumbra na generalidade dos partidos socialistas e
social-democratas europeus. O PS português incluído.
O papel que os
partidos social-democratas desempenham e desempenharam, nas duas últimas
décadas, na destruição do Estado Social e na desregulação económica e
financeira é o mais inacreditável gesto de traição de um movimento político à
sua própria história. Transformados em meras federações de interesses, os
partidos socialistas e social-democratas não estão apenas a enterrar o Estado
Social. Estão a enterrar a esperança na democracia, que depende de uma
alternativa a este caminho (a confiança nos políticos e no governo atingiu, na
Holanda, como em tantos outros países, mínimos históricos). E estão, afinal de
contas, a enterrar-se a si mesmos. O comunismo morreu com a queda do muro de
Berlim. A social-democracia morreu com esta crise financeira.
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