sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Portugal: “FEIOS, PORCOS E MAUS”

 


Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
 
Suscitou reações indecentes e perversas a deliberação do Tribunal Constitucional que, a pedido do Presidente da República, "condenou" o decreto do Governo que pretendia excluir os trabalhadores do Estado do âmbito de proteção contra o "despedimento sem justa causa" - uma garantia consagrada universalmente na Constituição da República e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
 
As insinuações de irrealismo e de falta de bom senso endereçadas aos juízes pelo primeiro-ministro são expressão inédita de grave irresponsabilidade política e de uma cultura democrática deficitária. Outros membros do Governo, alguns correligionários de serviço e certos comentadores oficiosos logo vieram em seu socorro. Alguns apontaram a Constituição como a verdadeira causa dos repetidos fracassos do Governo, outros acusaram os juízes que a interpretam, mas todos decretaram, do alto da sua leviandade, a urgência de restringir os direitos fundamentais que, segundo eles, não passariam de luxo supérfluo alimentado pela abundância imerecida de que a pátria, ocasionalmente, desfrutou num passado recente. Ocultando os erros próprios e a desregulação financeira internacional de que são cúmplices, acusam agora o Tribunal Constitucional de proteger velhos privilégios adquiridos à custa das gerações futuras. Afrontam a independência judicial, degradam os serviços públicos e as instituições da administração que deviam tutelar, incitam a população ativa contra os reformados, os mais novos contra os mais velhos e os trabalhadores do setor privado contra os funcionários públicos. Promovem a inveja e o medo e radicalizam todos os conflitos, indiferentes ao risco de guerra civil que aflora no país.
 
O "Estado" é uma comunidade de pessoas livres e iguais. É este o sentido que a cultura europeia lhe conferiu há mais de 300 anos. Uma comunidade de pessoas é algo que supõe uma "diferenciação identificadora" e um "destino comum". Mas é a "liberdade" e a "igualdade" dos seus membros que definitivamente impedem que a comunidade e o território que habita se confundam com um mero atributo do "príncipe", como um troféu de conquista, um valor permutável ou um bem hereditariamente transmissível. E foi por este modo que os privilégios e prerrogativas particulares de cada grupo social foram substituídos por direitos universais, que os súbditos se transformaram em "povo soberano" e que começou, por fim, a construção política do "Estado de Direito" e da "Democracia Constitucional".
 
O respeito pela dignidade humana inscreve-se no cerne desta nova conceção de comunidade política e servirá de bandeira às lutas sociais que vão exigir o seu inevitável alargamento, primeiro, às mulheres, aos trabalhadores dependentes, aos analfabetos, depois, ao trabalho doméstico, aos prisioneiros de guerra, aos refugiados e aos estrangeiros. Desde o "Manifesto do Partido Comunista" de Marx e Engels, em 1848, a social-democracia foi um protagonista histórico destes movimentos sociais. Os direitos humanos, nas suas múltiplas formulações e proclamações, são a expressão solene de um compromisso indissolúvel entre o bem comum e a liberdade, o interesse público e a autonomia pessoal. É deste compromisso fundamental que o Tribunal Constitucional é o supremo árbitro. É sua missão específica garantir a permanente atualização dos valores incorporados na lei fundamental e, simultaneamente, protege-los da vontade ou dos caprichos de maiorias legislativas conjunturais, porque as regras do jogo democrático não podem variar ao sabor das conveniências dos titulares do poder e porque os poderes delegados pelo voto são constitucionalmente limitados e transitórios. A reforma do Estado seria a tarefa prioritária para quem, de boa-fé, quisesse libertar o país do "resgate financeiro" para que foi empurrado. Mas o Estado, para eles, é um preconceito obsoleto. Apenas procuram novos expedientes para prosseguir o seu plano de empobrecimento da sociedade portuguesa e a destruição sem critério das nossas instituições públicas. A isto se reduz o debate sobre a Constituição que agora se lembraram de inventar.
 
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