Folha 8 – edição 12 outubro 2013
A situação de fome
no mundo preocupa, pelo menos em tese, muito boa gente. Representantes de 175
países chegaram à conclusão endémica de que existem pelo menos 842 milhões de
pessoas afectadas pela desnutrição, sendo os casos de Angola e Guiné-Bissau
preocupantes.
Existem, todavia,
alguns bons exemplos entre os países que se entendem em português. As
políticas e estratégias de combate à fome em São Tomé e Príncipe e Cabo Verde
são casos de sucesso, segundo os especialistas, a levar em conta, pesem as
dificuldades que enfrentam, nomeadamente a falta de água no caso cabo-verdiano.
O embaixador de
Cabo Verde na Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO),
Manuel Amante da Rosa, afirma peremptoriamente que falar de fome em Cabo Verde
é um “exagero”. Explica que “existe fome, mas não aquela situação dramática
que, tantas e tantas vezes, se encontra noutros países”.
O diplomata
cabo-verdiano explica que, por exemplo, o Governo do seu país tem dedicado
esforços para garantir o desenvolvimento rural, mostrando-se optimista quanto
às boas colheitas que, ano após ano, o país vai conseguindo.
Recentemente mais
de 40 ministros da Agricultura reuniram-se, na sede da FAO, no âmbito do
Comité Mundial de Segurança Alimentar, para analisar este drama. Parecendo
pouco preocupados com a questão, a Guiné-Bissau esteve ausente e Angola e
Moçambique marcaram presença embora sem figuras de alto nível.
De acordo com o
relatório sobre a fome no mundo publicado na última semana pela FAO, Angola
caminha para o cumprimento das metas de Desenvolvimento do Milénio no que
concerne à redução da fome para metade até 2015. Todavia, entre 2011 e 2013,
quase cinco milhões de angolanos passaram ou passam fome, ou seja, quase 25%
da população. Talvez por isso o Governo continue a investir no supérfluo e a
esquecer o essencial. A situação no nosso país é particularmente drástica nas
províncias do sul, onde a população sente os efeitos da seca que começou em
2011, embora tenha sido compensada com a realização este ano do Campeonato do
Mundo de Hóquei em Patins.
Um dos
representantes de Angola na FAO, Manuel Nascimento, não quis falar para a
situação, mas sempre atribuiu a situação de calamidade aos efeitos naturais.
Se tivesse auscultado os seus superiores poderia, certamente, atribuir também
responsabilidade mais imediatas à Oposição política interna e, mais distante,
às políticas colonialistas de Portugal.
Na província do
Cunene, uma das zonas mais atingidas pela seca, o governador provincial, António
Didalelwa, afirma que se está a atravessar a estiagem mais dura dos últimos
25 anos na região, acrescentando que a seca está a afectar igualmente mais de
2 milhões de cabeças de gado e que morrem em média 30 por dia.
Segundo António
Didalelwa, a situação tem sido minimizada graças às doações do Governo, de
organizações não-governamentais e de pessoas singulares. “Graças a isto, até
aqui ainda não morreu ninguém, mas os bois estão a morrer”, afirmou. Apesar de
insuficiente, António Didalelewa agradece o apoio que têm recebido porque caso
contrário a gravidade da situação já teria feito vítimas mortais na província
do Cunene.
Face a esta
situação, o Governador conta que as populações têm abandonado as zonas de
residência para tentar escapar à dura estiagem: “É uma situação que nos
preocupa bastante, porque as famílias, nomeadamente as que criam gado,
deixaram as suas casas”.
A situação está a
tornar-se de tal modo alarmante que, por exemplo, a UNICEF já lançou um apelo
de ajuda ao combate dos efeitos da seca em Angola. Segundo o vice-director da
Cáritas, em Luanda, Eusébio Amarante, pelo menos dois milhões de pessoas estão
a passar fome nas províncias sul.
“Eu acho que se o
Governo se empenhar pode fazer muito mais” reitera Eusébio Amarante,
adiantando que as organizações humanitárias em Angola definiram como necessidades
de primeira-mão “a fuba, o arroz, o óleo, o sabão e a água”. Estes são os bens
essenciais “para ajudar as pessoas que estão a passar fome nas zonas rurais”,
explica o responsável da Cáritas, num retrato que deveria envergonhar o
regime.
Moçambique, por
outro lado, encontra-se numa situação de estagnação na luta contra a fome. Se
o quadro persistir não deve atingir a meta de reduzir a fome para metade até
2015. Segundo a FAO, actualmente 9 milhões de moçambicanos passam fome e isso
representa quase 37% da população. Situação que piorou desde o início da
recolha dos dados, em 1990.
Quanto à
Guiné-Bissau, a situação de fome no sul do país relatada pela FAO não pode ser
verificada, uma vez que o país não enviou representantes para a reunião do
Comité Mundial de Segurança Alimentar, em Roma que aconteceu no início deste
mês.
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