Süddeutsche
Zeitung, Munique – Presseurop – imagem Len
Por causa da sua
situação estratégica, Chipre é desde há muito tempo um importante local de
espionagem. É a partir dali que, atualmente, agentes britânicos e americanos,
disfarçados de turistas, intercetam as comunicações entre o Médio Oriente e a
Europa. Uma investigação baseada nos documentos de Edward Snowden.
Para dar
cumprimento ao regulamento pelo qual se regem, alguns chegam de calções
amarelos, outros de boné na cabeça. É preciso não despertar suspeitas. Ninguém
pode ficar a saber que os norte-americanos se dedicam à espionagem em Chipre –
e, ainda por cima, a partir de uma base militar britânica. Por isso, os agentes
norte-americanos são obrigados a disfarçar-se de turistas, antes de se dirigirem
a Agios Nikolaos – onde se situa um dos principais postos de escuta dos
serviços de informação britânicos no domínio das comunicações, o Government
Communications Headquarters (GCHQ). A base militar esconde-se por trás dessa
“estação estrangeira”, que tem o nome de código de “Sounder” nos documentos
divulgados pelo antigo agente da NSA, Edward Snowden. É isso que indica a
investigação jornalística realizada pelo diário grego Ta Nea, pela cadeia de
televisão [grega] Alpha TV, pelo semanário italiano L’Espresso e pelo Süddeutsche
Zeitung.
O posto de escuta situa-se na zona Oriental de Chipre, uma região pobre, perto da Linha Verde que separa a República de Chipre da parte turca da ilha. As imagens aéreas mostram alguns edifícios, antenas parabólicas, outras antenas. Em redor, a paisagem é árida e deserta. A base militar fica a cinco quilómetros da praia e da localidade mais próxima, onde as pessoas poderiam interrogar-se sobre a presença de estrangeiros disfarçados. A mais valia do local reside na sua tranquilidade. O GCHQ e a NSA não espiam o mundo apenas a partir dos seus centros mais conhecidos no Reino Unido e nos Estados Unidos, mas também a partir de Chipre.
Cem quilómetros
separam Chipre da Síria
A ilha funcionou
como base central da espionagem britânica no Médio Oriente, desde finais dos
anos de 1940. A situação no Sinai, no Iraque e na Síria é vigiada por espiões
instalados em Chipre. A posição estratégica da ilha é ideal: fica apenas a 100
quilómetros da Síria e a não muito mais dos pontos quentes de Israel e do
Líbano. Entretanto, a ilha tornou-se também um nó importante da vigilância da
Internet e das telecomunicações do Médio Oriente e do Norte de África: passam
por ela 14 cabos submarinos. Quem telefonar de Beirute para Berlim ou quem
mandar uma mensagem de correio eletrónico para Telavive, tem fortes
possibilidades de os seus dados passarem primeiro por Chipre, através de um
cabo de fibra ótica. É sabido, pelo menos depois das revelações de Edward
Snowden, que a interceção dessas linhas faz parte da rotina dos serviços
secretos britânicos.
O GCHQ pode tirar
partido da herança colonial do Reino Unido: mesmo depois da independência de
Chipre, nos anos de 1960, a coroa britânica manteve duas bases militares na
ilha. Ao contrário das instalações militares tradicionais, essas bases,
designadas como “Sovereign Base Areas”, são consideradas como verdadeiros
territórios ultramarinos. É numa delas que se encontra o posto de escuta de
Agios Nikolaos.
Os espiões
britânicos podem igualmente contar com a ajuda preciosa da empresa pública
cipriota Cyprus Telecommunications Authority (CYTA), que coexplora um grande
número dos cabos submarinos. Esta empresa de telecomunicações tem a obrigação
contratual de cooperar com os britânicos. O que significa que – tal como muitas
empresas britânicas e norte-americanas – é obrigada a colaborar nessas
interceções e a satisfazer a sede de dados dos serviços secretos britânicos.
“Mastering the
Internet”, dominar a Internet, constitui o objetivo confesso dos espiões de Sua
Majestade. A cada segundo que passa, os agentes britânicos intercetam centenas
de gigabytes: correio eletrónico, telefonemas, bases de dados. E,
manifestamente, é a partir de Chipre que operam também os agentes que têm a seu
cargo dossiês sensíveis: por exemplo, aqueles que espiam Israel – um país que,
sob o nome de código de “Ruffle”, colabora com os norte-americanos e com os
britânicos e que troca informações com eles. Terá sido igualmente a partir de
Chipre que alguns agentes terão conseguido aceder à rede Tor, que é tida como
uma rede segura. Num documento datado de 2012, esses agentes são louvados por
serem “pessoas devotadas”, que têm no seu ativo muitas “missões difíceis”.
A NSA destaca os
seus próprios agentes
Apesar de ser
oficialmente uma base britânica, Agios Nikolaos é na realidade um projeto comum
anglo-americano. Por várias vezes, os britânicos estiveram quase a fechar o
posto de escuta; era preciso reduzir a importância do local. De todas essas
vezes, os norte-americanos acabaram por vir em seu socorro, pois não queriam de
modo algum perder esta base de importância estratégica. E não olharam a
despesas. Hoje, a National Security Agency (NSA) paga metade das despesas de
funcionamento. No GCHQ, a palavra de ordem é que a base deve continuar a
funcionar a qualquer preço, para serem mantidas “relações sãs com os clientes
norte-americanos”.
O primeiro desses
clientes norte-americanos, a NSA, há muito que destaca os seus próprios agentes
para Chipre. Mas, como isso é contrário aos termos do convénio assinado pelos
Governos britânico e cipriota, os espiões norte-americanos têm de se apresentar
incógnitos. Segundo o regulamento interno da NSA, têm de se fazer passar por
turistas, por exemplo por excursionistas europeus – e, em caso algum, por
“americanos típicos”.
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