Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Ninguém desejou,
barafustou nem reclamou mais vivamente por um "programa de resgate"
para o nosso pobre país do que os atuais governantes. Um coro ensurdecedor,
engrossado por banqueiros, altos representantes dos meios empresariais,
clarividentes "analistas" e "comentadores" oficiosos
conseguiram por fim que, à semelhança da Grécia e da Irlanda, também Portugal
tivesse direito ao seu plano de resgate e assim pudesse confiar o seu destino
aos desígnios do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco
Central Europeu, ou seja, a poderosa troika!
Pareceria algo
estranho e incongruente que quem combateu com tal denodo pelo primeiro resgate
venha agora manifestar algum temor ou perplexidade pela eventual necessidade de
um segundo, mas não há aqui, de facto, verdadeira contradição porque aquilo de
que realmente se trata é apenas de assegurar efetiva continuidade ao
"regime de protetorado" inaugurado em 2011.
O
"protetorado" - entoado a várias vozes por um coro onde agora se
evidenciam já intencionais "desafinações" - resume a tática e a
estratégia de toda a governação e é remédio para tudo: explica todos os
sucessos, justifica todos os fracassos, rejeita o debate público e o confronto
político, substitui-se à falta de consenso sobre a reforma do Estado e dispensa
a revisão da Constituição. Por isso, o grande espetáculo montado em torno da
aprovação do orçamento para 2014 não elegeu como principal inimigo a Oposição,
como seria lógico, nem mesmo o Presidente da República, tradicional "força
de bloqueio", noutros tempos. O principal inimigo eleito foi precisamente
o Tribunal Constitucional e contra ele se mobilizaram também o Fundo Monetário
Internacional e esse fiel companheiro que ainda ocupa o lugar de presidente da
Comissão Europeia.
Claro que o
"protetorado" é uma fórmula tanto mais eficaz quanto menos for
repetida. O "protetorado" é a condição inescapável "dos
indígenas" e deve ser discretamente vivida e pacientemente sofrida. As
"desafinações" que acima referia nada acrescentam ou diminuem ao
"protetorado". Exprimem apenas diferentes sentimentos ou emoções: uns
sentem orgulho no papel de impiedosos executores da toda-poderosa troika,
outros receio ou resignada humilhação, outros indiferença e confusão, e alguns,
porventura, sentirão mesmo vergonha, ainda quando a disfarçam com a ironia,
como vimos no anúncio dos tópicos para a reforma do Estado interpretado "a
solo" pelo vice--primeiro-ministro. O programa de resgate que termina em
junho de 2014, entusiasticamente subscrito pelo atual primeiro-ministro quando
ainda era o líder da Oposição e depois nove vezes revisto e nove vezes
renegociado entre a troika e o Governo, traduziu-se no clamoroso fracasso que
testemunhamos e dramaticamente padecemos. Um fracasso do primeiro-ministro e do
presidente da Comissão Europeia que em desespero procuram esconder os
verdadeiros fins e as reais intenções que os animaram, as responsabilidades
próprias pelas opções erradas que fizeram e tentam tudo por tudo para disfarçar
o falhanço das metas que prometiam alcançar e fingir que afinal tudo deu certo!
Deve ficar bem
claro que a possibilidade, ainda que remota, por um segundo resgate, seria da
inteira responsabilidade deste Governo e apenas consequência do seu imenso
desprezo pela dignidade dos cidadãos e do cinismo tosco com que assume a sua
vinculação à legalidade da República. Ao contrário do que pretendem os
governantes da Irlanda, não parece que um programa cautelar seja dispensável
depois de tão extensa destruição da nossa economia nem que o pagamento da
dívida acumulada seja sustentável, nem que as condições de vida dos portugueses
possam experimentar em breve rápidos progressos. Os centros de decisão europeus
têm de ser chamados a partilhar as responsabilidades dos seus erros e da sua incúria.
É altura da Oposição - e do Partido Socialista em particular - pôr fim ao
regime cobarde do "protetorado", demonstrar que existe a alternativa
soberana de um governo justo e explicá-la aos portugueses.
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