Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Há um discurso
oficial que diz que chegámos ao ponto de viragem. Não vou desmentir, porque em
qualquer crise há sempre um ponto de viragem. Mas também não vou alinhar na
festa, porque o ponto de viragem, a ter-se dado, foi num patamar muito
diferente daquele de onde viemos.
A ver se, de uma
forma esquemática, nos entendemos.
1 - É impossível a
economia contrair sempre (isso devia ter levado alguns teóricos que hoje falam
muito a ter a conclusão contrária, aqui há anos, que era impossível à economia
crescer sempre). Na velha Universidade de Salamanca lia-se uma frase assim: o
que a natureza não dá, Salamanca não ensina. Ora, na natureza nada cresce e
nada diminui indefinidamente. Por isso, depois de uma brutal contração como a
que tivemos, algum dia voltaremos a subir. Podemos já ter começado esse
movimento, mas podemos estar ainda a descer, embora mais suavemente;
2 - Se cairmos 20% e
depois aumentarmos 20% mantém-se uma queda real de 4%. Isto parece estranho à
primeira vista, mas partindo da base 100, é fácil explicar. Uma queda de 20% da
base 100 leva-nos a 80. Um aumento de 20% desses 80 leva-nos a 96, ou seja 4%
abaixo da base inicial. Por isso, a recuperação da economia tem de ter uma taxa
bastante superior à da sua queda;
3 - O desemprego tem
vindo a baixar em relação ao auge, mas está muito acima do que era. Além das
considerações anteriores, há que contar com o efeito emigração. Na verdade, se
todos os desempregados emigrassem, não haveria desemprego.
4 - Os saldos
comerciais são a diferença entre o que exportamos e o que importamos. Não é
preciso exportar muito mais para colocar esse saldo em positivo. Basta importar
muito menos (que é o que estamos a fazer);
5 - A política de
austeridade (ainda que haja algum crescimento) não acaba com o equilíbrio das
contas, como por vezes se dá a entender, mas sim quando a dívida for
sustentável. Ou seja, bastante abaixo dos 80%, ou melhor, à volta dos 60% do
PIB. Neste momento ela é mais do dobro. Precisamos de vários anos de
crescimento do PIB (o que por si faz baixar a taxa da dívida) e de austeridade,
para mantermos os saldos primários. Há quem diga que é impossível haver
austeridade e crescimento. Não vejo motivo para serem incompatíveis. Podemos
consumir menos bens e exportar bens com mais valor acrescentado. Sobretudo
podemos não gastar o dinheiro em bens não transacionáveis (tipo estádios,
autoestradas, etc.) e sim em bens que se possam vender com mais valor. Podemos,
como em casa, ser frugais sem passar fome, não desperdiçar dinheiro e aplicar o
que tivermos criteriosamente.
Não sei se o
discurso de Passos foi, como diz o PS, "uma espécie Conto de Natal".
Sei que é possível, como sempre, olhar as coisas de duas maneiras distintas.
Uma é compararmos com o modo como vivíamos (e nos prometiam íamos viver) há
cinco anos, constatando que estamos muito pior. Outra é olhar para o que já
passámos e ter a ideia de que a tormenta está a amainar.
A única verdade
insofismável é que, seja qual for a convicção, convém remarmos para o mesmo
lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário