José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
O Governo não tem
mesmo plano B. Aliás, nisso segue os passos da troika, cujos membros de cada
vez que vêm dizer que se enganaram na receita para Portugal - e já são
tantas... - logo acrescentam que a dita receita, mesmo errada, é para cumprir
até ao fim e até para permanecer ativa depois do fim pelo menos uma vintena de
anos. O Governo só tem plano A, que aplicará custe o que custar. E esse plano é
o de embaratecer o trabalho e transferir esse diferencial para o lado do
capital.
O relatório do
Observatório sobre Crises e Alternativas, esta semana tornado público na sua
versão preliminar, mostra com clareza esse plano A a ser executado. Em setembro
de 2012 o Governo anunciou um desagravamento do pagamento da taxa social única
pelas empresas que pretendia conseguir um acréscimo do seu rendimento de cerca
de 2300 milhões de euros. Nos planos do Governo essa diferença seria suportada
pelos salários dos trabalhadores. As manifestações multitudinárias de 15 de
setembro obrigaram o Governo a recuar. Mas eis que os efeitos concretos das
alterações na legislação laboral operadas em 2012, no que respeita a
remuneração do trabalho suplementar e supressão de feriados e dias de férias,
são precisamente os mesmos que os pretendidos com a defunta mudança do regime
da TSU: os trabalhadores perderam, em média, 2,3% da sua retribuição efetiva,
dando assim às empresas um ganho estimado em... 2300 milhões de euros.
O mesmo, portanto.
Mas mais forte: a redução do pagamento do trabalho suplementar teve como
resultado uma perda de receitas da Segurança Social entre 66 milhões e 252
milhões de euros, algo que nenhuma soma de encargos com políticas ativas de
emprego alguma vez atingiria. O plano A de empobrecimento é também o plano A de
privatização e as coisas vão de mão dada, como inequivocamente se prova.
É esse o único
plano que o Governo tem, mesmo se ele acelera o endividamento nacional. Ou
melhor, o Governo tem todos os planos B que forem necessários para cumprir até
ao fim o plano A. Porque quem manda no País o obrigará a isso, sem margem para
hesitações. E, de preferência, com um suplemento de sustentação política como
fica evidente no apelo - mais um - a um acordo entre esta maioria e o Partido
Socialista, desta vez pela voz de Alexandre Soares dos Santos.
Às mãos do Governo
e da troika, a austeridade é esse modo de organização económica que gere o País
numa lógica de vasos comunicantes, em que o que se suga ao trabalho se
acrescenta ao capital. Uma alternativa digna desse nome só pode ser aquela que
inverta o movimento e traga de volta ao trabalho aquilo que lhe está a ser
retirado. Esse tem de ser o plano A de uma alternativa ao plano A da troika e
do Governo. Para o levar a efeito, é preciso usar para com o capital
especulativo e para com o sistema financeiro a mesma lógica que tem sido usada
por eles para legitimar o embaratecimento do trabalho: invocar o estado de
necessidade e a excecionalidade deste momento do País. Tributar devidamente
quem tem sido poupado a esforços maiores, resgatar a centralidade da
contratação coletiva, impor uma política de crédito que dê suporte à economia
produtiva têm de ser as apostas estratégicas deste outro plano A. Para ser
assim, o plano A implica um repúdio inequívoco do Pacto Orçamental e a coragem
de mobilizar o País contra a chantagem que se fará sobre a nossa permanência na
zona euro ou na própria União Europeia.
Entre o plano A do
Governo e o plano A de uma alternativa a sério não há transação possível.
Escolhe--se um ou escolhe-se outro. E escolhas são sempre escolhas, mesmo
quando são disfarçadas em nome da razoabilidade ou da união nacional ou da
construção europeia.
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