sábado, 14 de dezembro de 2013

Portugal: QUEM PARTE E REPARTE…

 

Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
 
Lá diz o ditado que, quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou não tem arte. Numa sociedade democrática adotam-se algumas precauções para evitar que, quem mete a mão na massa do que a todos pertence, não transforme as tentações em práticas e se apodere do que não é seu, em proveito próprio ou de comparsas e amigos. Ao poder financeiro e económico, que se tornou o poder dos poderes que subjuga a política e destrói a democracia, não faltam meios de todo o tipo para construírem o "engenho" e a "arte" de nos burlar constantemente. Quando o valor do dinheiro se sobrepõe a tudo, a inteligência de quem usa o poder está dispensada de incorporar o que na inteligência humana é fundamental: ética, valores morais, dimensões de dignidade.
 
O recente Relatório do Observatório das Crises e Alternativas, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, trabalhado por um conjunto de 16 académicos e investigadores com formações em economia, em história, em vários ramos do direito ou da sociologia, ao analisar as causas e o processo de gestão e aprofundamento da crise em que vivemos demonstra-nos, de forma fundamentada, quão erradas e injustas foram muitas das políticas que nos conduziram até aqui e, acima de tudo, o crime político que é prosseguir esta austeridade sem saída. Chegamos à atual situação de enormes dificuldades porque alguns poucos tiveram a "arte" de se apoderarem de muito que pertencia a todos. Entretanto, nas políticas "para sair da crise", a receita é ainda a mesma: empobrecer e manietar o povo, para reforçar a riqueza e o poder de alguns privilegiados.
 
Os portugueses são acusados, pelos governantes que têm e pelos mandantes da troika, de terem andado a viver acima das suas possibilidades, mas prova-se que, no decorrer da década de noventa e na primeira década deste século, o aumento da procura interna em Portugal foi dos mais baixos da União Europeia e não teve desvio maior que noutros países, em relação à riqueza produzida.
 
No que diz respeito à relação entre as políticas de austeridade, as reformas laborais e a desvalorização do trabalho, as conclusões são de arrepiar: existe uma brutal transferência de rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital.
 
Como foi divulgado, os impactos de apenas algumas das medidas impostas pelo atual Governo, na Lei 23 de 2012 (diminuição dos dias de férias, dos dias feriados, da retribuição do trabalho suplementar ...), significam ganhos para as empresas de mais de 2,3 mil milhões de euros por ano.
 
Se formos contabilizar os impactos de todas as alterações à legislação laboral, feitas entre 2003 e 2012 e os que resultam da não existência de contratação coletiva, serão ainda muitos mais os milhares de milhões de euros que vemos passar para o lado do capital. E se somarmos o que tem sido retirado aos trabalhadores da Administração Pública, a que número se chegará?
 
Para onde foi o dinheiro? Foi para pagar os juros agiotas de uma dívida que não para de crescer, foi para enriquecer em 11%, num ano, os 780 portugueses multimilionários que possuem fortunas superiores a 25 milhões de euros cada um.
 
Quando se analisa, com cuidado, estas imensas transferências de dinheiro, também se observa que grande parte dos empresários - pequenos e médios em particular - acabam por não ter vantagens neste processo de exploração desmedida pois a perda de poder de compra de todos os trabalhadores deixa-os sem clientes, ou porque estão enredados em dependências face ao setor financeiro ou a grandes grupos que lhes sugam todos os ganhos que obtêm à partida.
 
Em Portugal está-se a destruir criminosamente empresas e os equilíbrios indispensáveis nas relações de trabalho, debaixo dos medos e da solidão que o desemprego, a pobreza, a ausência de perspetivas de vida geram nos trabalhadores e, porque, do lado do capital, impera a ganância sem limite dos grandes acionistas nacionais e estrangeiros dos grupos financeiros e especulativos e ou de enormes grupos económicos significativamente parasitas.
 
Precisamos de reconstruir o quadro de relações laborais que assegure um sistema de trabalho digno e de sentido emancipador. Só assim haverá uma mais justa distribuição e redistribuição da riqueza.
 
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