sábado, 11 de janeiro de 2014

Moçambique: PARA A RENAMO É TUDO OU NADA

 

Paul Fauvet

Maputo, 10 Jan (AIM)
O diálogo entre o Governo moçambicano e o antigo movimento rebelde, Renamo, nunca foi além do primeiro ponto da agenda proposto pelo maior partido da oposição no país, incluindo emendas à lei eleitoral aprovada pelo parlamento moçambicano, a Assembleia da República, em Dezembro de 2012.

Agora, é bem sabido que a Renamo exige
paridade com o partido Frelimo, partido no poder, na composição da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Aqueles que pensam, muito acertadamente, que a CNE fez um trabalho muito fraco na gestão das eleições moçambicanas, simpatizam com as exigências da Renamo embora isso signifique uma CNE muito mais polarizada, e com muito menos probabilidade de um desempenho eficiente.

Mas este foi apenas um dos 24 pontos que a Renamo levantou no seu documento sobre a lei eleitoral, enviado para a mesa de diálogo, a 20 de Maio, e cuja cópia está em posse da AIM. O governo imediatamente aceitou a maior parte das propostas da Renamo.

A Renamo começou com princípios gerais, tais como liberdade de imprensa e de acesso aos meios de comunicação social, liberdade de associação, de expressão e de propaganda política. Estas liberdades estão todas garantidas na Constituição Moçambicana, e o governo não teve problemas em acordar que deviam todas estar inclusas também, na lei Eleitoral.

A Renamo insistia que aos candidatos às eleições municipais e provinciais não deveria ser exigido a apresentação de uma certidão de residência para provar que vivem no município ou na província onde concorrem. Custa acreditar que o chefe da delegação da Renamo às conversações, Saimone Macuiana, tenha inserido isto nas propostas de 20 de Maio.

Isso porque, como deputado sénior, Macuiana deveria saber que a lei já tinha sido alterada para retirar o requisito da certidão de residência. A exigência foi, portanto, redundante, e não custou nada ao governo concordar.

Quanto à CNE, a Renamo queria que os partidos políticos tivessem o direito de enviar representantes para participar nas reuniões da CNE. Isto teria sido uma verificação extremamente útil e teria acabado com a cultura de secretismo que envolve as decisões da CNE. E o governo simplesmente comentou que
Concordamos.

Do mesmo modo, o governo não teve nenhum problema com a exigência da Renamo que a CNE só deveria emitir regulamentos nos termos dos poderes que lhe são conferidos por lei, e que não poderia exigir quaisquer requisitos ou documentos para além dos estipulados na lei eleitoral.

O governo não aceitou o apelo da Renamo para o
consenso entre a Renamo e a Frelimo na nomeação do Director-Geral do órgão executivo da CNE, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) e seu vice. Em vez disso, sugeriu que cada partido com assento no parlamento Frelimo, Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) deveriam nomear um observador permanente no STAE. Mais uma vez, isso teria acabado com o secretismo: o STAE não teria a possibilidade de tomar decisões sem o conhecimento dos partidos políticos.

O governo aceitou a exigência da Renamo que os postos de recenseamento eleitoral deviam ser
institucionalizados e fixos e que o cartão de eleitor emitido pelas brigadas devia servir como comprovativo de residência (pontos que já estavam na lei).

Na campanha eleitoral, a Renamo queria
proibição de publicidade comercial a fim de salvaguardar o princípio da igualdade entre os concorrentes, que só deveriam usar o tempo de antena atribuído pelos órgãos eleitorais. O governo respondeu que concordava em parte, e achava necessário regulamentar a propaganda eleitoral de modo a garantir-se uma efectiva igualdade de tratamento.

A Renamo pediu a distribuição de cópias dos cadernos eleitorais a todos os concorrentes, 50 dias antes das eleições. O governo concordou
desde que as cópias fossem em formato electrónico, em vez de cópias impressas. Os partidos concorrentes poderiam mais tarde então imprimir o que quisessem a expensas próprias.

A Renamo queria os delegados das candidaturas nas assembleias de voto credenciados pelos próprios partidos políticos. Isso o governo não aceitou e reiterou o que é essencialmente a situação actual
ou seja que os partidos devem enviar as listas dos seus delegados para os órgãos eleitorais, que então lhes passariam as credenciais.

Mas o governo concordou com a proposta da Renamo de imunidade total para os delegados: sob esta proposta nenhum delegado poderá ser preso. Isso teria feito uma grande diferença nas eleições municipais de 20 de Novembro
um dos principais protestos do MDM foi a detenção arbitrária de um número considerável dos seus delegados.

A Renamo propôs que os delegados deviam
ficar junto a mesa de votação (onde o pessoal da assembleia de voto se senta) para melhor exercer os seus direitos. O governo disse que concordava em parte, mas reformulou passando-se a ler: que os delegados devem ocupar os lugares mais próximos da mesa.

Sobre os boletins de voto, a Renamo insistia que o número de boletins de voto não poderia ser superior ao número de eleitores em cada assembleia
para evitar que os boletins que sobram possam ser usados de forma ilícita. Novamente, o governo disse concordamos parcialmente, mas queria uma reserva de dez por cento de boletins para lidar com casos em que os eleitores inutilizam acidentalmente os seus boletins e solicitam novos.

A Renamo pediu que os representantes dos candidatos concorrentes estivessem presentes em todas as fases da contagem nas assembleias de voto. Este tem sido o caso em todas as eleições desde 1994, e por isso, o governo não teve nenhuma dificuldade em aceitar.

Completamente novo, no entanto, foi o pedido da Renamo para uma disposição que permita recontagens. Nunca aconteceram recontagens em eleições anteriores. Novamente, o governo aceitou
com a ressalva de que a recontagem deve ter lugar nas assembleias de voto.

A Renamo queria que as disputas eleitorais fossem tratadas, não pela CNE, mas por tribunais eleitorais. O governo concordou e propôs que os tribunais judiciais existentes deviam funcionar como tribunais eleitorais desde o início da campanha eleitoral, até à proclamação dos resultados.

Ao todo, o governo aceitou 16 propostas da Renamo, na íntegra e seis parcialmente. Apenas duas foram rejeitadas. A maioria das pessoas consideraria isso como uma vitória
mas não a Renamo. Sem paridade na CNE, ele não aceita nada que o governo diz.

Macuiana não respondeu à posição do governo até 22 de Julho. Três das quatro páginas da sua carta dessa data relacionavam-se com a
paridade na CNE e STAE. A proposta da Renamo derrotada em Dezembro de 2012 foi que a CNE devia consistir de 14 membros quatro nomeados pela Frelimo, quatro pela Renamo, quatro pelo MDM e dois pelos partidos da oposição extra-parlamentar.

A posição da Frelimo e MDM, que ganhou a votação, foi de 13 membros
oito dos partidos políticos, na proporção de assentos na Assembleia (cinco da Frelimo, dois da Renamo e um do MDM), três de organizações da sociedade civil, um juiz proposto pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial e um Procurador proposto pelo Conselho Superior do Ministério Público.

A carta de Macuiana de 22 de Julho não faz qualquer menção ao MDM e ignora completamente a sociedade civil, com a alegação de que
os partidos expressam o pluralismo político, concorrem para a formação e manifestação da vontade popular através de eleições e são o instrumento fundamental para a participação democrática dos cidadãos na governação do país.

Eram os partidos políticos que devem
dirigir e supervisionar as eleições através do CNE e do STAE. Afirmou que o processo eleitoral pertence aos partidos políticos e são o instrumento ao seu dispor para atingir o poder político. Nesta visão os partidos políticos são superiores aos próprios eleitores.

Nem a proposta da Frelimo/MDM, nem a da Renamo, prevêem uma CNE verdadeiramente independente. A razão é muito clara
duas vezes, em 2006 e em Março de 2012, a Frelimo, durante as negociações na Assembleia, tinha proposto uma CNE sem representantes de partidos políticos, consistindo inteiramente de membros da sociedade civil. Em ambas as ocasiões a Renamo rejeitou categoricamente a proposta. A CNE é, assim, um corpo politizado porque Renamo assim o quis.

A Renamo poderia ter proposto esses pontos que o governo aceitou como alterações à lei eleitoral e o grupo parlamentar da Frelimo quase certamente os teria aceitado. Na verdade, a Frelimo estava optimista de que a Renamo apresentaria as alterações durante a sessão parlamentar extraordinária realizada no início de Agosto.

Mas sem paridade na CNE, a Renamo recusou-se a apresentar qualquer proposta. Então a sessão extraordinária veio e acabou, sem ter sido alterado absolutamente nada na legislação eleitoral.

Desta forma, a Renamo perdeu a oportunidade de introduzir a recontagem de votos, tribunais eleitorais, imunidade total para delegados de assembleia de voto, lugares para observadores de partidos políticos nas reuniões da CNE, e observadores permanentes dos partidos no STAE.

Tudo isto teria feito uma diferença material à má conduta da CNE nas eleições municipais de Novembro. Ao optar por tudo ou nada, a Renamo, como já era previsível acabou sem nada, e foi a democracia moçambicana que acabou sofrendo.

(AIM) Pf/sg
 

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