Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Três anos de
"ajustamento", de agravamento de impostos, de redução de salários e
pensões, de brutais sacrifícios impostos à esmagadora maioria da população e a
situação dos portugueses e do país é bem pior do que a que tínhamos à partida.
O "êxito", o "milagre económico", o "equilíbrio das
contas", afinal não são verdade ou, em um ou outro aspeto, não passam de
realidades conjunturais com pés de barro.
A dívida não para
de crescer e temos cada vez menos capacidade para a pagar; não se fizeram
mudanças estruturais da economia; não há novos investimentos; temos mais
exportações, mas sem qualquer solidez e porque os portugueses perderam poder de
compra; aumentam a pobreza, as desigualdades, as doenças, o compadrio e a
corrupção. A justiça esfuma-se e é chocante ouvir as conclusões de processos
que envolvem os grandes interesses, como o caso dos submarinos.
Os nossos
governantes, com Passos e Portas à cabeça, repetem a aldrabice de que já
batemos no fundo e iniciamos um período novo de recuperação e progresso. Eles,
governantes da subserviência aos interesses dos nossos credores e agiotas e da
traição política, levaram-nos ao fundo e tudo estão fazendo para que lá
fiquemos: um país com pobreza estrutural e profundamente desigual; despovoado e
envelhecido; sem participação cívica; com o Estado social destruído; sem coesão
territorial e entre gerações; com uma sociedade amorfa e resignada. Um país com
uma democracia esvaziada e com a sua soberania e independência hipotecadas.
O Governo, para
além de estar a trabalhar para facilitar ainda mais os despedimentos, já
anuncia um corte permanente nos salários da Função Pública para este ano e um
plano para forçar mais desemprego nas autarquias.
A troika descobriu
que o crescimento económico do final do ano passado, que o Governo não para de
festejar como se tivesse vindo para ficar, se ficou a dever sobretudo ao
crescimento da procura interna. O Tribunal Constitucional impediu alguns dos
cortes programados e as pessoas passaram a consumir um pouco mais? Para a
troika isso é inadmissível. Para a troika, a haver crescimento tem de ser pelas
exportações à custa de mais cortes nos salários. Isto é, as coisas só melhoram
se piorarem para quem vive do salário. Querem um país transformado numa enorme
oficina terceiro-mundista que trabalha sem descanso para pagar dívidas que
crescem ininterruptamente.
Hoje é claro que os
cenários apresentados pela troika nos relatórios das diversas avaliações são
cenários virtuais, com metas de crescimento e outras absolutamente
inatingíveis, apenas para sustentar a tese de que "vamos no bom
caminho". É um escândalo constatar que, nas mais de 1100 páginas do
conjunto dos relatórios feitos até agora, esses mercenários nem uma vez tenham
escrito as palavras pobreza ou desigualdades.
A União Europeia (UE)
aí está também a receitar cortes nos salários entre 2,4 e os 5%, e mais 10 anos
de sacrifícios para os portugueses.
O Governo, a troika
e a UE estão perfeitamente sintonizados nas mentiras, nas manipulações e nos
objetivos. O coro é o mesmo: a desafinação parece residir agora apenas no
número de anos de desastre que cada um quer fixar desde já.
Afinal, a nova
normalidade de um pós-troika não será mais do que décadas sem fim de
"ajustamento". A saída da troika nem será limpa, nem libertadora.
Haja vergonha!
A estranha UE que
está a nascer da Europa que prometeu convergência na prosperidade tem
periferias em que o ar se vai tornando irrespirável em resultado da loucura dos
governantes nacionais e europeus que temos. Por enquanto, existem ainda algumas
escapatórias que os desempregados, por exemplo, utilizam para procurar trabalho
nos países do Centro, mas não tardará que construam barreiras de arame farpado
como as que existem numa outra zona de comércio livre, entre os EUA e o México.
Esta
"nova" Europa, de onde se diz terem de vir as soluções, está
transformada no grande problema. Isso mesmo é o que será preciso discutir e
enfrentar nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, sob pena do nosso
enlouquecimento coletivo.
Sem comentários:
Enviar um comentário