Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Quem me lê com
frequência conhecerá a minha posição sobre a ADSE . Há muito que defendo
que deve ser autossuficiente, optativa e complementar, como qualquer outro
seguro de saúde. Ela tem uma história e corresponde a expectativas legitimas.
Por isso, a integração total dos funcionários públicos no mesmo Serviço
Nacional de Saúde que serve os restantes cidadãos deve ser faseada. Até para não
provocar rupturas. Mas não há coerência que me permita combater os benefícios
fiscais para os Planos Poupança Reforma, por serem uma injustificável
transferência de recursos públicos para instituições financeiras privadas; para
combater o financiamento público dos colégios, por corresponder a retirar
recursos à Escola Pública para financiar um negócio necessariamente seletivo; e
defender uma rede de saúde privada para os funcionários públicos. Que acaba por
contribuir para a degradação de um Serviço Nacional de Saúde que se quer
universal. Não se trata aqui única ou especialmente de justiça - apesar de não
ser fácil explicar que o que o Estado pensa ser bom para todos não é bom para
os seus. Trata-se duma questão de coerência nas políticas públicas.
Na realidade, o que
defendo tem vindo a fazer-se. Lentamente, como são todas as reformas bem
estruturadas. Mas, como sempre, o primeiro-ministro estraga um caminho de
convergência com a sua propensão para o confisco, para a mentira e para um
desrespeito pelos funcionários públicos, determinado por primarismo ideológico.
Já o fez com a Caixa Geral de Aposentações, volta a fazê-lo com a ADSE. O seu
caminho é facilitado por um discurso demagógico e irresponsável que se
generalizou na sociedade portuguesa quando se fala dos servidores do Estado. Um
discurso que pretende dividir para reinar mas afeta de forma profunda e duradoura
a própria imagem e autoridade do Estado que os governantes deveriam proteger.
O aumento dos
descontos para a ADSE é injustificável. Ela é, neste momento, autossuficiente,
como o próprio primeiro-ministro acabou por reconhecer. Logo, o aumento tem
como função criar um excedente. Quando apanhado, o primeiro-ministro teve de
inventar um argumento de última hora: trata-se de um aforro, para o futuro que
se espera deficitário. Mas quem é que, no seu perfeito juízo, no ano em que os
funcionários públicos estão a ser sugados até ao tutano, se lembra de
acrescentar ao que se lhes tira uma poupança para prevenir o futuro? Das duas
uma: ou Pedro Passos Coelho não percebeu a brutalidade que já retirou aos
rendimentos dos funcionários públicos e como as finanças destes trabalhadores
se tornaram, elas próprias, insustentáveis, ou está a mentir. Apesar de achar
que a insensibilidade social do primeiro-ministro é infinita, aposto mais na
segunda. Até por o argumento das futuras despesas ter surgido há pouco tempo e
mal amanhado.
O aumento dos
descontos dos funcionários públicos para a ADSE é um imposto escondido para
outro fim que não a ADSE. Politicamente ilegítimo e moralmente inaceitável.
Vindo de quem olha para os funcionários públicos como culpados de todos os
nossos males e por isso vítimas aceitáveis de todas as arbitrariedades. E,
juntando o útil ao agradável, os trabalhadores do Estado transformaram-se no
mealheiro sem fundo para todas as ocasiões.
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