terça-feira, 8 de julho de 2014

DOIS HOMENS, DOIS SISTEMAS, UMA DITADURA, UMA DEMOCRACIA


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Folha 8, 04 julho 2014

Em Angola, a actual Constitui­ção deriva da visão comunis­ta de organização de Estado, com a particularidade dos antigos proletários do MPLA, se terem convertido em pro­prietários, tanto ou mais vo­razes, que os capitalistas mais conservadores.

A democracia, cunhada na actual “Lei Mãe”, não passa de um folclore, pois para lá do es­pectáculo, a sua eficácia apenas repousa na concentração do poder do Estado, num ho­mem, que controla os três órgãos de sobe­rania: Legislativo, Executivo e Judicial.

Na França, Sarkozy, foi eleito nominal­mente, em eleições justas e livres. Cum­priu um mandato, respeitou a Consti­tuição, a divisão dos poderes e nada fez para continuar ilegitimamente no poder. Em França, o sistema de justiça é independen­te e enquanto foi Presidente da República, Sarkozy, nada fez para destruir esse pilar fundamental da democracia, por esta razão está a ser julgado e se mostra disponível para em sede própria esgrimir os argumentos em sua defesa. Apesar de ter sido mi­nistro do Interior, antes, nunca teve apetência em constituir um exérci­to privado, quando existem as For­ças Armadas Francesas.

Em Angola, infelizmente, o inver­so é verdadeiro, logo a pseudo democracia, em tudo se identifica com a mais reles ditadura, com a diferença de ainda não pagarmos o ar que respiramos como na Co­reia do Norte, mas ser intenção velada, dos mercenários racistas que lideram o Jornal de Angola, bastando ler o seu incitamento a guerra, a discriminação, in­clusive, contra membros da oposição com assento parla­mentar, num claro saudosis­mo aos horrendos assassi­natos de 1977. Mas tudo isso tem uma orientação clara, vinda da Cidade Alta.

DE SARKOSY A EDUARDO DOS SANTOS OU A DEMOCRACIA VERSUS DITADURA

Há, goste-se ou não, de­mocracias e democracias. Umas existem de jure mas ao mesmo tempo de fac­to. Outras apenas formal­mente, umas são mais do que votações de tempos a tempos, outras apenas isso. Umas respeitam o Estado de Direito, outras curvam-se ao direito do Estado. França é o para­digma de uma, Angola de outra.

Vejamos um caso recente. O ex-Presidente da Re­pública francês, Nicolas Sarkozy, foi detido para interrogatório por inves­tigadores anticorrupção, algo sem precedentes numa investigação a um antigo Presidente em França. Sem precedentes em termos de detenção, mas comum em matéria de investigação criminal.

Nicolas Sarkozy, de 59 anos, que compareceu perante os investigadores em Nanterre, perto de Paris, para o interrogató­rio. Foi notícia. Sobretudo por mostrar que ninguém deve estar acima da lei. É assim que funcionam os Estados de Direito. É assim que se fortalece a democracia e a defesa da coisa pública. É assim que se constrói uma socieda­de sã e digna. Baseada na igualdade, para além da li­berdade e da fraternidade.

Além disso, também o advogado do an­tigo Presidente, Thierry Herzog, e dois magis­trados foram também detidos por suspeitas de tráfico de influên­cia e violação do segredo de justiça. Continuamos a falar de França, obviamente.

O processo diz respeito a suspeitas de tentativa de influenciar um processo judicial. Os investigado­res estão a determinar se Nicolas Sarkozy e o seu advo­gado tentaram obter informação de um dos magistrados encarre­gados do processo, pro­metendo-lhe um cargo de prestígio no Mónaco.

QUANDO EXISTEM SUSPEIÇÕES DE UM PRESIDENTE RECEBER LUVAS A JUSTIÇA DEVE ATUAR

Suspeita-se ainda que o antigo Presidente possa ter sido alertado para o facto de o seu telefone estar sob escuta durante a investigação ao alega­do financiamento do en­tão líder líbio Muammar Khadafi à sua campanha eleitoral de 2007. Pensa­-se que Nicolas Sarkozy, que foi presidente de 2007 a 2012, se prepararia para concorrer de novo à Presi­dência em 2017.

O diário Le Monde relatou suspeitas de que Nicolas Sarkozy tinha uma rede de “informadores” que o mantinham a par de de­senvolvimentos na inves­tigação.

Esta é uma de seis inves­tigações envolvendo o an­tigo presidente, incluindo um novo processo sobre alegadas irregularidades na sua campanha eleitoral de 2012, em que foi derrotado por François Hollande.

Apesar de vários políticos franceses se terem envol­vido em casos de corrup­ção e utilização ilícita de verbas, a imprensa fran­cesa que, ao contrário de outras está atenta e tem liberdade, nota que é a pri­meira vez que um antigo Presidente esteve, ou está, sob custódia policial.

Jacques Chirac, por exem­plo, chegou a ser conde­nado já depois de deixar a Presidência da República, por um escândalo de cor­rupção enquanto era presi­dente da Câmara de Paris. A pena de prisão de 2011 foi suspensa e Chirac nunca chegou a ser detido.

Tudo isto acontece quando Sarkozy, que foi Presidente de 2007 a 2012, se prepara­ria para voltar à liderança do seu partido UMP (conserva­dor) em Outubro e concor­rer de novo à Presidência em 2017, desde logo porque diversas sondagens mos­tram que é mais popular do que François Hollande.

Há muitos escândalos envolvendo altos dignitá­rios… franceses. Isso mos­tra que a democracia não é perfeita (“é a pior forma de governo, com excepção de todas as outras que foram experimentadas”, dizia Winston Churchill), mas prova igualmente a impor­tância de uma imprensa livre.

Em Julho de 2008, o em­presário Bernard Tapie recebeu uma indemniza­ção multimilionária do governo francês em uma decisão jurídica contro­versa. No litígio entre Tapie e o Banco Crédit sobre a venda da empresa Adidas, a Justiça decretou que o governo francês de­veria pagar 430 milhões de euros ao empresário. Está em investigação se o empresário foi favorecido pelos juízes do caso, com aval do executivo.

Cinco pessoas foram acu­sadas de “fraude em grupo organizada” pelo caso. O ex-presidente rejeitou as acusações contra ele. Ta­pie entrou na política na década de 1980, ao lado do socialista François Mitter­rand, mas acabou a apoiar Nicolas Sarkozy nas elei­ções de 2007.

Outro caso que envolve Nicolas Sarkozy é o su­posto financiamento ilegal pelos líbios na campanha eleitoral vitoriosa de 2007, contra a socialista Ségolè­ne Royal. Poucos antes de sua morte, o ex-chefe de Estado da Líbia, Muammar Khadafi, admitiu ter finan­ciado a campanha do ex­-presidente.

Nicolas Sarkozy também está ligado ao escândalo das “sondagens de opi­nião do Palácio do Eliseu”, em que a Justiça investiga a suposta irregularida­de dos contratos com as empresas sem licitação pública, com suspeitas de favorecimento e de des­vio de dinheiro público. Documentos revelam que 9,4 milhões de euros fo­ram gastos em centenas de sondagens realizadas durante a presidência de Sarkozy.

Boa parte delas foi feita sem concurso público e beneficiou o escritório de consultoria política de um amigo do ex-presidente, o jornalista Patrick Buisson, ligado à extrema direita e que foi seu conselheiro durante a campanha presi­dencial de 2012.

Neste caso, Nicolas Sarko­zy ainda continua cober­to, na avaliação da Justiça, pela imunidade presiden­cial. Mas pode ser ligado ao caso se a Justiça deter­minar que as sondagens foram feitas por motivos pessoais ou partidários.

EMPRESÁRIOS “UNTARAM” A MÃO PRESIDENCIAL

O ex-presidente foi tam­bém investigado por ter recebido dinheiro da her­deira bilionária do grupo de cosméticos L’Oreal, Li­liane Bettencourt, dona da segunda maior fortuna da França, para a campanha de 2007.

Em Outubro de 2013, a justiça concluiu que não existiam provas contra Sarkozy sobre o caso.

No mesmo mês, contudo, outro caso envolvendo financiamento de cam­panha foi aberto contra o ex-presidente. Sarkozy é investigado por desvio de recursos públicos sobre o financiamento de um acto eleitoral no sul do país no final de 2011. O comí­cio não está descrito nos gastos de sua campanha. A Justiça investiga ainda se os gastos da campanha presidencial de 2012 ultra­passam o limite legal au­torizado.

Como se vê, qualquer se­melhança teórica, prática, hipotética, académica en­tre a democracia francesa e a nossa é mera miragem, é um exercício que nem nos mais empedernidos mani­cómios tem cabimento.

Nicolas Sarkozy foi no­minalmente eleito e não está acima da lei. José Eduardo dos Santos não foi nominalmente eleito, está no poder desde 1979, tomou posse ilegitima­mente, através de uma norma inconstitucional, primeiro que os membros eleitos, para um órgão de soberania; os deputados, demonstrando – é claro- que está acima da lei. Por outras palavras, ele é a lei.

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