sábado, 5 de julho de 2014

GUINÉ EQUATORIAL NA CPLP. DITADOR OBIANG VAI RENDER-SE À DEMOCRACIA



Bocas do Inferno

Mário Motta, Lisboa

A Guiné Equatorial, na prática, já é elemento integrado na CPLP, independentemente de não cumprir os requisitos que lhe permitam aderir à comunidade. Oficialmente só após 23 de Julho será assim considerado na reunião da CPLP em Díli, Timor-Leste. A Guiné Equatorial está sob uma ditadura de quase 40 anos que recentemente teve eleições de fachada para poder alegar que enveredou pelo caminho dos países democráticos e assim ser admitida na CPLP. Seria escusado aqui recordar que o “vencedor” das eleições foi o ditador Teodoro Obiang, cujo perfil publicamos mais em baixo com a ajuda da Wikipédia.

É mais que evidente que a Guiné Equatorial está abusivamente sequestrada pela família Obiang e seus colaboradores, não é uma democracia nem próximo disso. Antes pelo contrário. Não existem duas dezenas de pessoas na Guiné Equatorial, ali nadas e criadas, que falem português. Nem a história da Guiné Equatorial está assim tão ligada à lusofonia (condições exigidas para integrar a CPLP). A Guiné Equatorial é o corpo mais estranho à CPLP que se possa imaginar. A sua integração na comunidade lusófona deve-se à gula dos que atualmente dirigem os países da lusofonia e aos promissores negócios e exploração a praticar naquele país que é dos sequestradores Obiang com Teodore, alegado PR eleito, na primeiríssima fila.

É certo que os países da lusofonia estão cada vez mais em débito nos comportamentos democráticos. Em Portugal existe uma semelhança de ditadura por via de imposição de uma atual pseudo-maioria apoiada por um PR nas mesmas circunstâncias. Foram eleitos por uma menor percentagem de eleitores (2 em 9 milhões) mas com a constatação de serem autênticos mentirosos que prometem e não cumprem, com o desgaste e práticas governativas, perderam a maior parte desse número de apoiantes – o que em democracia a sério obrigaria a eleições antecipadas por falta de apoio eleitoral e popular.

A Guiné-Bissau também pertence à CPLP… Todos sabemos o tipo de democracia ali vigente. Os crimes associados aos golpes de estado frequentes falam por si. A impunidade dos criminosos, geralmente militares, é por demais evidente. Parece que agora vai haver uma acalmia. Eleições, novo presidente da República, novo governo. Até quando?

Cabo Verde é uma das poucas democracias em África que é aceitável. Demasiado alinhada com o mundo ocidental mas mesmo assim… Decerto a nação mais democrática de África. Apesar de isso não implicar que também ali sejam cometidos muitos atropelos à democracia.

Angola. Basta que se diga que o regime dura quase desde a descolonização, em 1975, e que o atual PR está no poder há quase tanto tempo quanto Teodoro Obiang (cerca de 40 anos). As eleições em Angola são apontadas internacionalmente como duvidosas em diversos aspetos e a governação soma quotidianamente casos escabrosos em que as vítimas (algumas assassinadas) são os contestários ao regime. Uma nação rica com níveis de pobreza arrepiantes. Onde sobram a fome e carências inadmissíveis de cuidados de saúde. Os atropelos aos Direitos Humanos faz de Angola um alvo justo contra os detentores dos poderes e com isso a repressão mais ou menos a descoberto aumenta. Infelizmente as oposições angolanas contribuem para que o partido no poder, o MPLA, se cristalize - tal é a enorme barafunda que habita dentro e entre eles, cortando cerce a possibilidade de se tornarem credíveis e efetivamente democráticos para com a população angolana. Por sistema, em eleições mais ou menos manipuladas, a população acaba por votar no MPLA com maior incidência por temor do desconhecido.

Moçambique, outro país da CPLP, está em guerra. Eleições duvidosas, manutenção do regime da Frelimo desde a independência, tal como Angola. Segundo observadores, em Moçambique, a Frelimo está em modo de sobrevivência a todo o custo – se necessário recorrendo ao método comum em ditaduras – a aniquilação dos opositores. Isso mesmo tentou fazer com o dirigente da Renamo, Afonso Dhlakama, ainda há pouco tempo. Opositor que insiste em enfrentar o regime da Frelimo e tem sobrevivido aos que lhe querem tirar a vida. Moçambique, país democrático? Tenhamos muitas dúvidas. A questão que se põe tem que ver com o facto de também a Renamo padecer de défice democrático e os restantes partidos minoritários alternativos não merecerem da parte dos eleitores a representatividade em votos que lhes permita exercer uma oposição eficaz.

Dos PALOP, Países Africanos de Língua Portuguesa (onde é que cabe aqui a Guiné Equatorial se a população não sabe e não fala português?) ainda resta referir São Tomé e Príncipe. Um pequeno país que até tem tido um regime de alternância partidária a governar, independentemente das peripécias e tendências ditatoriais que manifestam. Democracia em débito também ali. São Tomé e Príncipe, um pequeno país, carenciado, em que os que se anunciam para ajudar têm como fito conseguir contrapartidas e explorar. Conclui-se assim que nos PALOP a democracia é muito deficitária e a que se julga ver é de fachada ou só pontual. Até Portugal está a enveredar por essa via.

No Brasil o partido no poder, o PT, de Lula, com Dilma Rousseff em PR, pugna por implementar de facto melhorias e práticas democráticas que na realidade estão a abranger a maioria da população tão injustiçada pelas ditaduras que prevaleceram naquele país por décadas. Mesmo assim o Brasil padece de muito débito democrático. Mais flagrante é o crime – porque de verdadeiro crime se trata – dos maus-tratos e extinção programada das tribos índias, os verdadeiros brasileiros, assim como dos descendentes dos escravos para ali levados por negreiros portugueses ou de outras nacionalidades. Os negros, esses, sofrem as regras de um verdadeiro aparteide que tantas vezes é silenciado. Democracia no Brasil? Às vezes.

Timor-Leste. O longínquo Timor-Leste que no próximo 23 de Julho assume a presidência da CPLP. País lusófono mais recente na CPLP, por via da ocupação indonésia que em 1975 e durante 24 anos ceifou mais de 200 mil timorenses. Também aqui se verificaram assomos de tendências ditatoriais. Depois de um golpe de estado Xanana Gusmão impôs-se a tudo e a todos através do poder das armas e da persuasão como ex-guerrilheiro e resistente de longa história em prisão indonésia. A contestação a Xanana Gusmão e ao seu regime representa, em termos eleitorais e reais, uma minoria. Além disso Xanana está a demonstrar não estar agarrado ao poder e anunciou que em Setembro vai demitir-se e abandonar a política (?), gerando novas eleições, presume-se. Em pouco mais de 10 anos foi nascendo em Timor-Leste uma elite dominante que enriqueceu num ápice sem que se encontre uma explicação plausível dentro dos parâmetros da honestidade e da transparência. O mais evidente é que foi através da corrupção e do roubo descarado mas impune. Timor-Leste é um país muito recente mas nem por isso tal facto serve de atenuante. Democracia? Como o pisca-pisca: umas vezes sim, outras não.

Grosso modo, para evitar mais delongas, estes são os países associados na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Em que a Guiné Equatorial passará a ser membro de pleno direito a partir do próximo dia 23. Está-se mesmo a ver que até pelo importante facto de não se coadunar com a definição Língua Portuguesa só resta à “propriedade” de Obiang ter por destino ser a presença de um corpo estranho na Comunidade dos Países que têm povos que comunicam em português. Até Timor-Leste, cujo povo se viu proibido de se expressar em português pelos ocupantes indonésios, durante 24 anos, supera totalmente a Guiné Equatorial no aspeto linguístico e domínio da língua portuguesa. Para isso tem levado a cabo programas escolares nesse sentido. Não é o caso da Guiné Equatorial.

Perante o estado das nações que integram a CPLP, com maiores ou menores défices democráticos, onde prevalece a corrupção e até assassinatos políticos e violações dos Direitos Humanos, compreende-se que nenhuma se oponha à admissão da Guiné Equatorial na comunidade lusófona. Não se opõem e até apoiam e dizem maravilhas, manifestando grandes esperanças e credibilidade no regime Obiang. Como é o caso de Timor-Leste, em que governo e oposição se mostram enlevados na admissão para a CPLP da Guiné Equatorial. Disso nos dão conta declarações das principais figuras da elite timorense, como é o caso de Xanana Gusmão e de Mari Alkatiri (Fretilin), entre outros – o que não deixa de constituir uma surpresa para os menos avisados.

CPLP, pois. Ou questiona o roto ao nu “porque não te vestes tu?” – à laia dos que são farinha do mesmo saco. Grandes esperanças que o ditador sanguinário deixe de ser sanguinário e passe a ser só ditador, ou até que se converta e renda-se à democracia?

Leia mais em Página Global

Sem comentários:

Mais lidas da semana