terça-feira, 29 de julho de 2014

Portugal: CONDENAR SALGADO NÃO É UMA REVOLUÇÃO



Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião

Já vi diversas vezes escrito que a detenção de Ricardo Salgado representa o momento-chave de uma revolução no sistema financeiro português, o fim da era dos banqueiros clientelares que dominavam o Estado. É a visão redentora de um mundo simples.

Há um elo comum que liga os problemas da gestão da família Espírito Santo ao que se passou no BPN, no BPP, no Banif e no BCP. Este elo liga todos os países europeus, os gigantes asiáticos, os Estados Unidos, o Brasil ou Angola, todos os locais por onde circula mais quantidade de dinheiro do que é possível imaginar.

É um elo que liga Oliveira Costa à fraude da pirâmide de empréstimos montada por Bernard Madoff, preso em 2008. É um elo que liga João Rendeiro ou Jardim Gonçalves a uma notícia com apenas uma semana sobre uma monumental fuga ao fisco norte-americano que os supostamente respeitáveis Barclays e Deutsche Bank (a instituição alemã que vai, ao que dizem, auditar o BES) ajudaram a montar para que uns fundos de investimento especulativo limpassem uns quantos milhares de milhões de dólares.

São demasiados casos, são demasiado frequentes, são demasiado universalizados, envolvem demasiada gente de reputação impecável e duram há demasiado tempo. Não são fortuitos. Não são desvios.

O termo "alavancar" é usado, como se sabe, para descrever a utilização de recursos financeiros de terceiros em operações na bolsa para aumentar o seu volume financeiro. É possível, desta forma, garantir maiores ganhos. É uma prática corrente, banal, aceite, regulamentada. É uma filosofia e é uma moral.

Arquimedes, quando inventou a alavanca, queria ter força suficiente para poder levantar a Lua. A banca quer ter dinheiro suficiente para poder comprar a Lua. Por isso procura, sempre, formas para multiplicar até ao infinito a força da riqueza que está sob sua gestão.

Esta ambição louca é legitimada e aplaudida por todos os poderes políticos, pelos líderes dos bancos centrais, até pelas polícias fiscais, todos eles beneficiários clientelares deste statu quo global. O Estado está tomado, em todo o mundo.

A banca, toda a banca e todo o planeta financeiro que atribuíram a si próprios a missão de "alavancar" a riqueza que circula dentro do seu sistema estão compelidos a atuar desta maneira, a pisar o risco, a ultrapassar a fronteira da legalidade. Se não o fizerem, perdem para a concorrência. Todos os seus protagonistas, atuais e futuros, estão convencidos da inevitabilidade e da bondade do processo. Por isso, atuarão em conformidade.

Condenar Ricardo Salgado nunca será uma revolução, mesmo se vier a ser um ato de inteira justiça.

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