Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
Desde
2008 que a Comissão de Coordenação da Região do Algarve deixou de divulgar os
indicadores de qualidade do ar de Faro. Os organismos públicos não têm dinheiro
e cortam em tudo e mais alguma coisa. Na verdade fazia alguma diferença saber
qual a qualidade do ar da principal cidade do Algarve? Nenhuma. Assim como
também não fazia nenhuma diferença cortar as inspeções obrigatórias à qualidade
do ar de edifícios públicos, tal como o fez o Governo no ano passado. A
alteração legislativa gerou protestos das associações dos técnicos de reparação
de sistemas de ar condicionado que trabalhavam em estruturas tão importantes
como hotéis, shoppings, grandes empresas, hospitais ou espaços noturnos de
diversão. Fale-se com qualquer um destes técnicos e dirão que a quantidade de
lixo, pó e bactérias altamente nocivas acumuladas nestes sistemas só podem
fazer mal e explicam uma parte dos problemas respiratórios com que hoje se vive
sistematicamente nas grandes cidades.
Qualquer
um destes casos tem algo a ver com a legionela de Vila Franca de Xira? Depende.
Por ano morrem em média mais de 15 pessoas com legionela (fora as que morrem
por pneumonia sem que se saiba a causa). Morre é uma de cada vez, ao contrário
do que aconteceu desta vez. Daí que ao fim das inspeções obrigatórias conjugue
a típica e silenciosa negligência sobre problemas "pequenos" com a
"simplificação". Depois acode-se em desespero.
Repare-se:
as inspeções às grandes fábricas mantiveram-se obrigatórias, mas nem assim foi
possível apanhar casos como os ocorridos em Vila Franca de Xira.
Na verdade toda a gente sabe que o Estado não tem capacidade de fiscalizar
quase nada com eficácia à exceção dos impostos. Mas a resposta do
primeiro-ministro ao fim da lei que obrigava a inspeções dentro dos edifícios é
estratosférica. Diz Passos Coelho que acabaram-se com as inspeções para
"justamente reforçar a capacidade de inspeção e de prevenção destes
casos". Acabar com as inspeções obrigatórias para as reforçar? É
extraordinário e inacreditável. Mas o caso de Vila Franca de Xira põe ao de
cima de forma mais evidente aquilo que qualquer ser humano compreende
instintivamente: viver junto de chaminés industriais não é a coisa mais
saudável do Mundo. Por isso se chama tantas vezes à atenção de que o
desenvolvimento ou a criação de emprego não justificam tudo - tem de haver
regras. Aliás, há uma permanente ironia sobre os alertas ambientais. São um
empecilho. Exceto quando as coisas acontecem.
Quando
Matosinhos tem uma percentagem elevadíssima de problema pulmonares face à média
nacional, esta realidade não pode ser dissociada, penso eu, dos fumos da
refinaria da Galp. Não por acaso - justiça seja feita a Ferreira de Oliveira e
a Américo Amorim - foram gastos 340 milhões de euros para modernizar a
refinaria e torná-la menos tóxica e com menores níveis cancerígenos. Mas...
será suficiente? Por que não são públicos os indicadores de emissões das
fábricas de todo o país?
2.
Claro, agora toda a gente vai olhar para as chaminés de outro modo. Ou para os
chuveiros. Ou para os jacuzzis e banhos turcos (49% dos inspecionados pelo
Instituto Ricardo Jorge tinham legionela...!) E limpá-los. Até este caso ficar
esquecido. Mas, em simultâneo, hoje, o Governo prepara um Orçamento
supostamente verde em que agrava o custo sobre o gasóleo e não isenta as
empresas de transporte público deste aumento. Maior absurdo é impossível. É a
prova final de que se podem colocar os rótulos que se quiserem sobre as coisas
com o intuito de fazer das pessoas estúpidas. "Verde"? Não há
"chaminés" mais sistematicamente danosas no quotidiano dos cidadãos
das cidades que as partículas libertadas pelo petróleo dos automóveis. Dedicar
por exemplo o aumento dos combustíveis à melhoria da rede e qualidade dos
transportes públicos era o mínimo que poderia fazer em nome de qualquer
centelha de inteligência. Mas não. A fatura segue sempre para o Ministério da
Saúde. E o Governo, com a sua extraordinária máquina de marketing, ainda acaba
bem na fotografia porque os hospitais, de facto, são muito competentes.
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