Afropress,
editorial
A
criação, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da
Comissão da Verdade da Escravidão se constitui em oportunidade única, não
apenas para que se faça um balanço dos resquícios do escravismo, que permanecem
entre nós em pleno século XXI, mas também para a inclusão do tema na agenda
política do país. (Na foto da capa o presidente da OAB nacional, Marcus
Vinícius Furtado Coelho).
Não
se discute aqui paternidade da iniciativa, ou que motivações outras possam ter
tido seu autor ou autores. O que se trata é de levar adiante o debate para as
seccionais e subseções da Ordem em todo o país como em boa hora fez a subsecção
da OAB de Cubatão, cidade com maior percentual de população negra na Baixada
Santista, presidida pelo advogado Luiz Marcelo Moreira.
O
debate em torno da desvantagem acumulada por 53 por cento da população
brasileira, resultante de quase 400 anos de escravidão (o Brasil foi o último
país do mundo a abolí-la), não pode mais continuar aprisionado, pela agenda de partidos
que, sem exceção, praticam racismo institucional.
O
que se tem visto nos últimos anos foi a mediocrização de uma agenda que tem de
ser ampla, abrangente e republicana. Os marcos fundamentais para a construção
dessa agenda, não podem continuar a ser a subalternidade e ausência de altivez
de certas lideranças negras que, baseadas no pragmatismo que lhes garante
cargos e espaços nos puxadinhos do poder, aceitam fazer o papel de porta-vozes
e símbolos desses partidos, muito úteis nos períodos eleitorais para os
espertalhões que se utilizam da política como negócio.
A
maior evidência disso ocorreu na última campanha presidencial, quando a maioria
negra votou – e garantiu a eleição – da presidente Dilma Rousseff, sem que
houvesse sequer um movimento, por mais tímido que fosse, para apresentar uma
pauta de reivindicações, ou esboço de um programa que vinculasse e
condicionasse o voto negro.
Ao
contrário: o que se presenciou foi o adesismo mais descarado, a subserviência
sem limites. Os negros brasileiros – homens e mulheres – garantiram a vitória
para o segundo mandato da presidente, conforme atestaram todas as pesquisas, em
especial, a patrocinada pelo Instituto Patrícia Galvão. Seu voto, contudo, não
significou nada mais do que uma adesão sem contrapartida.
O
mesmo se tem visto nos quadros da Academia. Nos últimos anos, pelo menos um
milhão de jovens chegaram à Universidade, seja pelas cotas, Prouni ou FIES.
Aliás, se há um dado a ser registrado nos 12 anos de lulopetismo foi a entrada
no ensino superior de milhares de jovens negros e pobres. Mas qual foi a
consequência disso para o debate em defesa da inclusão?
Onde
estão esses jovens? Engrossando uma nova agenda para o país, em que nós negros,
entremos pela porta da frente, ou simplesmente voltados às suas carreiras em
busca de engordar seus próprios currículos, com as vantagens inerentes aos
títulos de mestres e doutores, que legitimam falas e garantem o sucesso das
trajetórias acadêmicas?
A
criação da Comissão da Verdade da Escravidão, sem dúvida, é um instrumento que
permitirá a abertura do debate sério em torno das circunstâncias de como
ocorreu a Abolição no Brasil, bem como a proposição de políticas públicas que
comprometam os Governos com uma agenda de ações afirmativas e de reparação.
Essa
agenda de ações afirmativas a ser apresentada e negociada com os Governos,
desde os municípios, passando pelos Estados até a União, será mil vezes mais
eficaz do que a estridência de bandeiras que são levantadas por determinados
grupos, quase sempre, apenas para dar vazão a ausência de propostas e a serviço
das legendas às quais suas lideranças estão vinculadas, e que acabam por
transformar a luta contra o racismo, por inclusão e por democracia, em
propaganda estéril e vazia.
Que
em cada cidade deste país se constituam as Comissões da Verdade da Escravidão,
que se envolvam pesquisadores, historiadores e ativistas nessa tarefa e, que ao
final, construamos os meios e os caminhos para um ajuste final de contas com a
herança do escravismo. É o que se tem a fazer e já!
Na foto: Esclavagismo no Brasil contemporâneo
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