Tsipras:
se o mundo anulou dívida da Alemanha, em 1953, por que não a da Grécia, agora?
“Fim
das políticas de ‘austeridade’ é inegociável”, diz Alexis Tsipras, do Syriza.
Se eleições forem antecipadas para janeiro, sua eventual vitória sacudiria
Europa
Antonio
Martins – Outras Palavras, em Blog da Redação
O
líder da Frente de Esquerda Radical (Syriza), Alexis Tsipras, concedeu entrevista à Agência Reuters ontem (18/12), em Atenas. Tinha atrás
de si, em seu gabinete na sede do Syriza, uma pintura grega recém-instalada —
dois touros sobre um fundo vermelho. “Representam força e otimismo”, explicou.
Em seguida, expôs em mais detalhes o que seu movimento-partido fará, caso chegue ao governo em janeiro. Em parte, seu
discurso é o oposto ao de Lula, na “Carta aos Brasileiros”, de 2002. Está
mantido (“é inegociável”) o compromisso de romper o acordo com a União
Europeia, que exigiu dos gregos, há três anos, um pacote de renúncia a direitos sociais, redução de
salários e desmonte de programas sociais. O orçamento do Estado será
reequilibrado: os impostos pagos pela população não serão desviados para
cumprir compromissos com os mercados financeiros.
Por
outro lado, Tsipras evitou dar brechas às alegações — cada vez mais frequentes,
na mídia de seu país e de todo o mundo — segundo as quais seria um
“incendiário”, ou “populista”. Frisou que não romperá nem com o euro, nem com
os credores da Grécia. Espera renegociar a dívida. Recorreu a um exemplo
histórico, que coloca na berlinda a chanceler alemã Angela Merkel, partidária
mais intransigente das políticas de “austeridade” na Europa. Em 1953, lembrou,
dezoito países credores (entre eles, a Grécia…) concordaram em perdoar totalmente a dívida externa da Alemanha, por
razões humanitárias. O país havia sido destruído por uma guerra que provocara.
A população não deveria ser obrigada a sofrer ainda mais intensamente.
Por
que a Grécia de hoje — que não instigou guerra alguma e já vive seis anos de
recessão e declínio social — não teria direito a idêntico tratamento? Tsipras
procurou colocar seus adversários na defensiva. Não queremos terremoto algum,
disse ele. Mas a hipótese de uma crise europeia, provocada por um eventual não-pagamento da
dívida grega, pode se converter numa “profecia que se auto-realiza”, caso não
haja abertura para negociações…
A
hipótese de um governo do Syriza na Grécia surgiu há poucas semanas, após um lance
político arriscado do primeiro-ministro Antonis Samaras, de centro-direita.
Responsável por um governo cada vez mais antipopular, Samaras procura
coesionar, em torno de si, todo o arco das forças conservadoras do país.
Amedronta-se com as pesquisas de opinião pública, segundo as quais a esquerda
vencerá com certa tranquilidade as próximas eleições gerais, que em situação
normal ocorreriam em 2016. Serve-se de uma brecha na Constituição e faz uma
ameaça à velha política.
Além
do primeiro-ministro, chefe de Estado, os gregos têm um presidente, com papel
quase decorativo. É eleito pelo Parlamento e, nos prazos normais, a eleição
ocorreria no primeiro semestre de 2015. Mas há um detalhe. Se o partido no
poder não consegue eleger o presidente, após três tentativas, novas eleições
gerais precisam ser convocadas.
Diante
de seu crescente desgaste e do avanço do Syriza, Antonis Samaras apelou para o
medo. Antecipou a escolha do novo presidente para este mês. Acena com o
fantasma da vitória da esquerda. Diz que, neste caso, a integração da Grécia à
Europa está em risco.
Precisa reunir 200 votos, entre os 300 membros do Parlamento
— ou 180, no terceiro turno.
A
primeira tentativa, nesta quarta-feira, foi um fracasso. A coalizão no poder (que reúne a “Nova
Democracia” de Samaras e o partido ex-social-democrata) conseguiu agregar
apenas 5 votos aos 155 que já detém no Legislativo. As próximas ocorrerão nos
dias 23 e 29 deste mês. O resultado final é incerto, mas inquieta a Europa dos
mercados — tanto que The Economist, tão contemporânea, comemora discretamente o fato de que, no turno final,
talvez alguns parlamentares deixem-se influenciar pelo desejo de preservar seus
mandatos e privilégios por mais tempo, e votem no candidato presidencial de Samaras…
Enquanto
isso, um Tsipras esperançoso dizia ontem à Reuters, após o fracasso da coalizão
conservadora: “Não vale a pena chantagear a democracia”…
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