Sílvia
Caneco – jornal i
Um
banqueiro interrogado, dois ex-ministros e um ex-deputado condenados, um antigo
primeiro-ministro em prisão preventiva e um juiz que se transformou num herói
Não
fosse o desfecho dos dois processos dos submarinos – um terminou sem acusados,
o outro com todos absolvidos – e o crash informático da plataforma Citius que
paralisou durante 40 dias os tribunais, e seria difícil encontrar um ponto
negativo na Justiça que 2014 trouxe.
O
ano ficará para a história como aquele em que (quase todos) os poderosos caíram.
Aconteceu tudo já no segundo semestre. A 24 de Julho o país paralisava com a
detenção de Ricardo Salgado, no âmbito do Processo Monte Branco. Depois de mais
de sete horas de interrogatório do juiz Carlos Alexandre, o antigo banqueiro
conhecido como o Dono Disto Tudo era indiciado por suspeitas de quatro crimes e
saía em liberdade a troco de uma caução milionária: nada mais nada menos que 3
milhões de euros.
Logo
depois das férias judiciais, o país voltava a parar para olhar para um dia
histórico no Tribunal de Aveiro. O colectivo de juízes do caso Face Oculta
resolveu condenar todos os arguidos do processo com mão pesada. Nunca antes
crimes de corrupção e tráfico de influências tinham levado uma machadada tão
dura em tribunal. Na
sala de audiências, os queixos caíram ao ouvir o juiz ditar a pena do
ex-ministro socialista Armando Vara: cinco anos de prisão. Efectiva. E caídos
continuaram os queixos quando ouviram a mesma pena ser aplicada a José Penedos,
ex-presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN) e ex-secretário de Estado de
Guterres, e a Paiva Nunes, ex-administrador da EDP Imobiliária. Arguidos e
respectiva defesa estavam em choque.
Uma
semana depois, a Justiça voltava a tocar em responsáveis políticos. Maria de
Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, foi condenada a uma pena de prisão
de três anos e meio, embora suspensa, por um crime de prevaricação. A
contratação de um irmão de Paulo Pedroso custou-lhe ainda o pagamento de 30 mil
euros ao Estado. Duarte Lima, ex-deputado do PSD, também não escapou ao
processo que contra ele corria em Portugal. Acabou condenado a dez anos de prisão
efectiva por burla qualificada e branqueamento de capitais no caso Homeland,
que investigava como o dinheiro do BPN foi canalizado para a aquisição de
terrenos em Oeiras.
LABIRINTO
Em
Novembro, uma operação denominada Labirinto levou à detenção de altas figuras
do Estado devido a alegada corrupção e tráfico de influências na atribuição dos
vistos gold. O esquema apanhou António Figueiredo, então presidente do
Instituto dos Registos e Notariado, Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do
Ministério da Justiça, e o chefe máximo de uma polícia: Manuel Palos, então
director do SEF. Por arrastamento, o caso causou estragos também no executivo
de Passos Coelho. O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, sobre o
qual também se levantaram suspeitas, demitiu-se num domingo.
TERRAMOTO
Mas
o verdadeiro terramoto na Justiça ainda estava para vir. Ainda se digeria o
caso dos vistos dourados quando, na madrugada de 22 de Novembro, chegavam as
primeiras imagens da detenção de José Sócrates. O ex-primeiro-ministro que
durante anos tinha enfrentado suspeitas sem sair lesado – do processo Freeport
ao caso da licenciatura ao domingo – desta vez não escapou. Sócrates, indiciado
por suspeitas de corrupção activa e passiva, fraude fiscal e branqueamento de
capitais, foi para a cadeia de Évora aguardar o desfecho da investigação em
prisão preventiva.
O juiz Carlos Alexandre, que no mesmo ano deteve o banqueiro mais intocável do país, interrogou todos os arguidos dos vistos gold, fez buscas à casa de Salgado e ao BES, e determinou a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro, transformou-se num herói nacional.
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