terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Portugal – JUSTIÇA. O ANO DA QUEDA DOS PODEROSOS



Sílvia Caneco – jornal i

Um banqueiro interrogado, dois ex-ministros e um ex-deputado condenados, um antigo primeiro-ministro em prisão preventiva e um juiz que se transformou num herói

Não fosse o desfecho dos dois processos dos submarinos – um terminou sem acusados, o outro com todos absolvidos – e o crash informático da plataforma Citius que paralisou durante 40 dias os tribunais, e seria difícil encontrar um ponto negativo na Justiça que 2014 trouxe.

O ano ficará para a história como aquele em que (quase todos) os poderosos caíram. Aconteceu tudo já no segundo semestre. A 24 de Julho o país paralisava com a detenção de Ricardo Salgado, no âmbito do Processo Monte Branco. Depois de mais de sete horas de interrogatório do juiz Carlos Alexandre, o antigo banqueiro conhecido como o Dono Disto Tudo era indiciado por suspeitas de quatro crimes e saía em liberdade a troco de uma caução milionária: nada mais nada menos que 3 milhões de euros.

Logo depois das férias judiciais, o país voltava a parar para olhar para um dia histórico no Tribunal de Aveiro. O colectivo de juízes do caso Face Oculta resolveu condenar todos os arguidos do processo com mão pesada. Nunca antes crimes de corrupção e tráfico de influências tinham levado uma machadada tão dura em tribunal. Na sala de audiências, os queixos caíram ao ouvir o juiz ditar a pena do ex-ministro socialista Armando Vara: cinco anos de prisão. Efectiva. E caídos continuaram os queixos quando ouviram a mesma pena ser aplicada a José Penedos, ex-presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN) e ex-secretário de Estado de Guterres, e a Paiva Nunes, ex-administrador da EDP Imobiliária. Arguidos e respectiva defesa estavam em choque.

Uma semana depois, a Justiça voltava a tocar em responsáveis políticos. Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação, foi condenada a uma pena de prisão de três anos e meio, embora suspensa, por um crime de prevaricação. A contratação de um irmão de Paulo Pedroso custou-lhe ainda o pagamento de 30 mil euros ao Estado. Duarte Lima, ex-deputado do PSD, também não escapou ao processo que contra ele corria em Portugal. Acabou condenado a dez anos de prisão efectiva por burla qualificada e branqueamento de capitais no caso Homeland, que investigava como o dinheiro do BPN foi canalizado para a aquisição de terrenos em Oeiras.

LABIRINTO 

Em Novembro, uma operação denominada Labirinto levou à detenção de altas figuras do Estado devido a alegada corrupção e tráfico de influências na atribuição dos vistos gold. O esquema apanhou António Figueiredo, então presidente do Instituto dos Registos e Notariado, Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral do Ministério da Justiça, e o chefe máximo de uma polícia: Manuel Palos, então director do SEF. Por arrastamento, o caso causou estragos também no executivo de Passos Coelho. O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, sobre o qual também se levantaram suspeitas, demitiu-se num domingo.

TERRAMOTO 

Mas o verdadeiro terramoto na Justiça ainda estava para vir. Ainda se digeria o caso dos vistos dourados quando, na madrugada de 22 de Novembro, chegavam as primeiras imagens da detenção de José Sócrates. O ex-primeiro-ministro que durante anos tinha enfrentado suspeitas sem sair lesado – do processo Freeport ao caso da licenciatura ao domingo – desta vez não escapou. Sócrates, indiciado por suspeitas de corrupção activa e passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais, foi para a cadeia de Évora aguardar o desfecho da investigação em prisão preventiva. 

O juiz Carlos Alexandre, que no mesmo ano deteve o banqueiro mais intocável do país, interrogou todos os arguidos dos vistos gold, fez buscas à casa de Salgado e ao BES, e determinou a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro, transformou-se num herói nacional.

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