Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
São
já muitos os nomes de hipotéticos candidatos à presidência da República
portuguesa, embora falte ainda mais de um ano para que se esgote o atual
mandato presidencial e que, antes disso, devam ainda ter lugar as eleições para
a Assembleia da República, no outono do próximo ano - tal como anunciou
obstinadamente o Presidente da República, única entidade constitucionalmente
habilitada para esse efeito. Uma vez aprovado o Orçamento de austeridade que
prometeram aos "credores da dívida soberana", logo os partidos do
Governo abriram a pré-campanha eleitoral precipitando-se na apresentação de
medidas que têm por único intuito disfarçar o brutal agravamento da carga fiscal
e iludir os eleitores com falsas expectativas de melhoramento de condições de
vida cada vez mais degradadas pelos efeitos cumulativos das políticas que
teimam em prosseguir.
Porém,
ao mesmo tempo que a maioria e a oposição se preparam para o exercício regular
de prestação de contas aos eleitores pela forma como exerceram os mandatos
recebidos, e se começam a desenhar as alternativas políticas que hão de ser
submetidas ao sufrágio popular, no próximo ano, multiplicam-se as especulações
sobre candidaturas presidenciais certas e supostas, umas mais plausíveis outras
mais fantasiosas, ao sabor de comentadores, pretendentes e contra interessados.
A
sobreposição de problemáticas tão alheias e desfasadas não é mera consequência
de uma especulação mediática sequiosa de eventos e intrigas. É sim a expressão
inevitável do nosso sistema político semipresidencial que, apesar de
notoriamente obsoleto, permanece mumificado na Lei Fundamental da República. Um
sistema que impõe aos titulares das funções executivas e à representação
parlamentar a tutela paternal de um Presidente que não governa nem deve
governar, que perturba o apuramento das responsabilidades políticas dos
governantes e que promove a opacidade e a confusão de funções políticas de
natureza contraditória ou inconciliável.
Por
tudo isso, advogo há muito a abolição da eleição direta do Presidente, por
sufrágio universal, e a extinção das suas atribuições atuais para demitir o
Governo e dissolver a Assembleia da República. Com efeito, o recorte original
do semipresidencialismo português cumpriu no passado um papel útil, na
transição do poder militar para o poder civil e da legitimidade revolucionária
para a normalidade democrática. Com a eleição de Mário Soares, em 1986, ficou
concluído esse processo longo e atribulado, e abriu-se um novo ciclo de
crescente predomínio da instituição parlamentar, impulsionado decisivamente
pelo próprio Presidente. Contudo, a instituição presidencial iria permanecer no
texto da Constituição evidenciando o seu gradual desfasamento com as novas
realidades políticas, alimentando efeitos perversos no funcionamento do sistema
político, suscitando ambiguidades, perturbando a identificação das
responsabilidades políticas próprias de legisladores e governantes, promovendo,
enfim, a desresponsabilização da representação democrática que mina o prestígio
dos partidos e promove a desqualificação das respetivas lideranças. O
aprofundamento da democracia e a reforma das instituições democráticas nada têm
a esperar da intervenção messiânica de um qualquer presidente. As movimentações
a que assistimos em torno da sucessão de Cavaco Silva, independentemente da sua
pertinência ou legitimidade, não devem perturbar os processos de formação da
vontade popular que, através das eleições para a Assembleia da República,
determinarão a seu tempo quais são as opções políticas preferidas e a quem
caberá realizar as mudanças desejadas.
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