Rui
Peralta, Luanda
I
- A monopolização do mercado petrolífero pelos Estados e pelos monopólios
globalizadores (em parcerias diversas, criadoras de monopólios sectoriais,
assente em relações de clientelismo diversificado) gerou através da cartelização
um preço ilusório (média de 110 USD/Barril) responsável pela enorme mobilização
de recursos financeiros para a produção de crude. O resultado final deste
"sintoma febril" foi a saturação do mercado. O excesso de oferta e a
quebra na procura levaram a que o preço por barril caísse cerca de 40%, desde
Junho.
Quando
em Julho de 2008 o barril atingiu os 145 USD, a produção disparou. Os USA
passaram de 4 milhões de barris/dia para 9 milhões, a Rússia atingiu o mesmo
valor e a Arábia Saudita passou a produzir 10 milhões de barris por dia. Estes
elevados níveis de oferta foram conseguidos devido a uma complexa operação de
engenharia financeira, que transportou a oferta para muito além das
necessidades do mercado mundial. O preço da ilusão (a média dos 110 USD/barril,
muito acima dos indicadores reais de 60 a 80 USD) não poderia perdurar por muito
mais tempo.
A
especulação da alta do preço do barril de crude permitiu folgar as margens e
incrementar a produção por fracturação hidráulica (Fracking). A folga foi
necessária devido ao diferencial do custo de extração. Enquanto na extração
"normal" o custo médio ronda os 30 USD/barril, no fracking o custo
médio é de 60 USD/barril. O colapso dos preços levou o preço do barril ao valor
mais baixo dos últimos cinco anos e a queda, a continuar, poderá estabilizar
nos 40 a
50 USD, o que originará o encerramento das extrações por fracking, uma vez que
estas operam com custos de 60 USD.
Existe,
no entanto um outro problema: a contaminação. O que poderia ser um mero problema
do mercado petrolífero torna-se um problema do sistema financeiro, logo de todo
o mercado global. As petrolíferas contraíram empréstimos que foram aplicados no
fracking. Com o crash petrolífero grande parte destes empréstimos correm um
elevado risco de incumprimento, arrastando o sistema bancário para o turbilhão
do crash petrolífero. Para fugirem ao estrangulamento os bancos aumentarão as
taxas de juros sobre estes empréstimos, num circulo vicioso que incapacita as
petrolíferas de cumprirem as dividas acumuladas, mesmo que paralisem grande
parte da sua actividade, encerrando poços, reduzindo salários, congelando
prémios, revendo contratos de explorações e efectuando despedimentos massivos,
para reduzir custos.
Este
cenário terá um impacto directo sobre as poupanças de largos milhões de
contribuintes e sobre os fundos de pensões. E isto porque os "monstros
bancários" (grande maioria, se não todos, "elefantes brancos"
tão ineficientes como as estruturas burocráticas estatais e publicas) são
demasiado grandes para caírem, ou seja a sua queda implicaria a destruturação
do sistema financeiro internacional e revelar-se-ia desastrosa para as
macroeconomias nacionais. Para evitar isto os governos criaram mecanismos de
suporte da actividade que sobrecarregam os contribuintes e desvirtuam as
políticas fiscais e a supervisão pública (dois componentes importantes da mão
invisível).
Os
acontecimentos de 2008 originaram um debate sobre a necessidade de reformar
estas instituições. O debate transformou-se rapidamente em conversa de chá,
conforme pôde ser observado nas conclusões sobre o assunto, a que chegou a
cimeira de Novembro, do G- 20, na Austrália. Os acontecimentos recentes no
Chipre reconduziram ao debate durante breves instantes. Contentes com as
medidas tomadas (confisco dos depósitos das poupanças e dos fundos de pensões
para cobrir as perdas ocorridas no sistema financeiro), a conversa de chá
retornou e tornou-se o discurso oficial do G-20. As conclusões da cimeira foram
as da "lição cipriota". É a nova fase do capitalismo em todo o seu
resplandecente esplendor (para usar as metáforas maoistas): em caso de ruina,
não há problema. O negócio mantem-se. Paga o cidadão, através das contribuições
e das poupanças. É uma parceria. Público-privada. O erário público paga o
desaire privado...
II
- A fracturação hidráulica implica a utilização de produtos químicos tóxicos
injetados no subsolo para permitir a libertação de gás e de petróleo.
Este processo polui as reservas de água e o ar e representa um alto risco para a
saúde pública. O Estado de New York, onde residem os maiores depósitos de gás
dos USA, optou por banir, neste final conturbado de 2014, o processo de
extracção por fracturação hidráulica.
A
decisão foi tomada depois de um estudo de dois anos, efectuado pela Comissão de
Saúde Publica do Estado de New York, organismo responsável pela política de
saúde no Estado. O estudo realizou-se em função de uma petição pública
apresentada pelo movimento New Yorkers Against Fracking (NYAF) e por um grupo
de académicos da Cornell University, que acabaram por organizar um movimento na
comunidade académica, o Phisycians, Scientists and Engineers for a Healthy
Energy (PSEHE). A primeira moratória apresentada pelo NYAF foi em 2008 e
originou 6 estudos técnico-científicos sobre os impactos ambientais e impactos
sobre a saúde pública. Desde 2008 até á decisão das autoridades do Estado de
New York foram efectuados 414 estudos técnico-científicos sobre os impactos
prejudiciais do fracking na saúde pública e no ambiente.
O
movimento de cidadãos foi crescendo desde 2008, com a realização de campanhas
locais nas igrejas, nos centros comunitários, nas escolas públicas e outros
espaços públicos e abrangeu as mais diversas associações ambientalistas,
socioprofissionais (em todas as áreas desde a saúde - com associações e grupos
de médicos, enfermeiras e outros técnicos de saúde - a associações académicas,
sindicatos, etc.). Mas o movimento nova-iorquino, após este êxito, assume
proporções nacionais, ao expandir-se para outros Estados. Colorado, Texas,
Oklahoma, Arkansas, Illinois, Carolina do Norte e Maryland, são Estados onde as
companhias (como a texana Crestwood Midstream) efectuaram avultados
investimentos no fracking. Os movimentos ambientalistas e de defesa da saúde
pública desses Estados efectuam campanhas diversas, num ambiente legal muito
diferente do nova-iorquino (em alguns destes Estados o aparelho legislativo
está a anos-luz do elevado nível democrático participativo de New York).
III
- O crash nos preços do barril e a eventual contaminação ao sistema financeiro
alimentam as mais diversas "teorias da conspiração" e mitos
catastrofistas (é bom não esquecer que alguns sectores mitológicos e mitómanos
da esquerda apresentam a eminencia da catástrofe desde o inicio do século XX, talvez
por nunca terem compreendido patavina do Das Kapital) e servem de capa aos mais
diversos populismos nacionalistas á direita e á esquerda (da Frente Nacional e
afins aos novos ricos e neoburocratas gerados nas dinâmicas bolivarianas, por
exemplo).
A
actual queda nos preços é sustentada pelo consórcio dos principais produtores,
que ao não reduzirem a produção mantêm o preço em baixa. Esta decisão
afecta os países que vivem da exportação e que não diversificaram a sua base
produtiva. E nestes os efeitos já são sentidos. O grande problema é que estas
petro-economias geraram petro-Estados e a adaptação a um novo cenário
geoeconómico (e logo a novas realidades geopolíticas e necessidades
geoestratégicas) revela-se complexa e difícil. Muitos destes países não estão
preparados para o fazer e o choque inevitável com a realidade será dramático.
Espera-se, assim, novos cenários de conflitualidade social em alguns deles e
períodos difíceis (provocados pelas reformas estruturais) na maioria dessas
economias.
A
maioria destas economias encontram-se no continente africano e na Ásia Central,
embora a repercussão do crash seja sentida também em alguns países
sul-americanos (particularmente na Venezuela), mas com menor intensidade
(atendendo á diversidade da base produtiva e das exportações, embora as
"comodities" estejam, também - por contágio - em baixa). Esta
situação gerará alteração de forças nas dinâmicas sociais internas e a
subsequente alteração de intensidade das mesmas, assim como a alterações nas
dinâmicas externas. O capitalismo BRICS terá de rever algumas das suas
políticas económicas sectoriais (ou porque alguns sectores ficarão em alta, ou
porque outros ficam em baixa), tal como todos os modelos desenvolvimentistas
(geralmente assentes nos princípios do capitalismo nacional e social), que
poderão sair beneficiados ou prejudicados, em função da diversificação da
actividade económica.
As
economias centrais da Europa, Norte-América (USA e Canadá), Asia e Pacifico
(Coreia do Sul, Japão, Austrália) terão apenas de ter alguns cuidados com a
contaminação ao sistema financeiro o mesmo se aplicando às petro-monarquias do
Golfo (cuja diversificação foi exclusivamente financeira e especulativa, em
função do modelo de recompradorização).
Tudo
o resto são "rosas, senhor", embora sem qualquer milagre...ou como
escreveu Shakespeare: "E por aqui perdemo-nos em ilusões". São,
afinal, os "Doces fumos da retórica", em que Shakespeare
era mestre e os actuais actores do palco global da economia-mundo são
exímios...
Fontes
Moskowitz,
P. N.Y. fracking ban reverberates nationally http://america.aljazeera.com
12/17/2014
Washington
Post November, 25/ 2014
http://www.democracynow.org
17/12/1014
http://america.aljazeera.com/articles/2014/11/16/gas-storage-protestsupstatenewyorksenecalake.html
Ackroid, P. Shakespeare, a Biografia Ed. Teorema, Lisboa, 2007
Ackroid, P. Shakespeare, a Biografia Ed. Teorema, Lisboa, 2007
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