terça-feira, 8 de abril de 2014

A MÃO INVISÍVEL


Rui Peralta, Luanda

I - A economia-mundo necessita, para a sua concretização, de instituições homogeneizadas e hegemónicas, globais, como o Banco Mundial e o FMI, ou de estruturas regionais e inter-regionais como o Banco Federal dos USA ou o Banco Central Europeu. Mas a economia-mundo já transformou a realidade, uniformizando-a e a economia é agora a realidade única, pelo que torna-se necessário, para além da globalização das instituições económicas e financeiras, a internacionalização das instituições jurídicas e politicas, transformadas na actual realidade em instituições subsidiárias das primeiras.
 
Este processo é visível, por exemplo, no litígio que opôs a Chevron e o Estado do Equador. Acusada pelo Estado equatoriano de contaminar a área amazónica do país, a Chevron foi condenada ao pagamento de 9 ml milhões de USD ao Equador. Mas a Chevron recusa a condenação e afirma que os tribunais equatorianos ignoraram provas que demostravam que a multinacional não era responsável pelo acidente. E eis que agora os tribunais norte-americanos julgam a justiça equatoriana, por esta ter ousado defrontar a Chevron.

Obviamente que a Chevron tem direito a recorrer da sentença, tem direito a suspeitar da justiça equatoriana, mas não será com certeza nos tribunais dos USA, onde a Chevron pelos vistos exerce uma grande influência que o recurso deva ser apreciado. Esta questão, teoricamente poderia ser resolvida por um tribunal interamericano, mas, atendendo á realidade, este tribunal não seria uma instituição judicial onde se verificasse uma igualdade plena entre Estados, transformando-se em mais uma das inúmeras instâncias dos USA, país onde por sua vez o Poder Judicial encontra-se cercado e infiltrado pelos grandes interesses económicos, como qualquer outra instituição norte-americana, uma vez que nos USA a corrupção foi institucionalizada pelo Poder Legislativo, quando este permitiu que os corruptores (os chamados lobby´s) caminhassem nos seus corredores, influenciando e comprando votos.

Desta forma a Chevron e as todas as corporações transnacionais fazem o que muito bem entendem, impunemente e transformam-se no único Poder Real da economia-mundo.

II - Os factores hegemónicos podem ser melhor exemplificados se observarmos com atenção a denominada U.S.A. Intelligence Community. Existem nos USA dezassete agências e serviços de inteligência e contrainteligência. A este número devem ser adicionadas as estruturas que formam o NSS, National Security State, onde constam o Department of Homeland Security, o Departamento de Energia (responsável pelo arsenal nuclear dos USA) e o Pentágono.

Edward Snowden possui (segundo a NSA) mil e setecentos milhões de ficheiros, mas se pensarmos na informação gerada pelas 17 agencias mais o edifício do NSS e se considerarmos que Snowden apenas desviou uma pequena parte da totalidade dos ficheiros de uma das agências, a NSA, poderemos imaginar a quantidade de informação vedada aos cidadãos (que sustentam obrigatoriamente todo este processo, na figura de contribuintes, sem que ninguém lhes preste contas). Sabe-se que em 2011 todo o sistema governamental de segurança produziu 92 milhões, 64 mil 862 documentos classificados, ou seja, documentos de absoluta confidencialidade, completamente vedados aos cidadãos.

Desta forma o segredo de Estado é transformado em Estado do Segredo, o cidadão é afastado do poder de decisão e torna-se num mero eleitor, idiotizado, que de tempos a tempos vai votar em produtores de segredos, que governam nas suas costas e manipulam a sua vontade, rompendo o equilíbrio entre a necessidade do Estado manter segredo, durante um período de tempo constitucionalmente definido e a necessidade e direito do cidadão em saber o que o seu governo anda a fazer e em que situação se encontra o mundo onde vive, ele, cidadão, que é cada vez mais chamado a “globalizar-se” pelas máquinas de propaganda.

Com a decomposição do equilíbrio entre transparência e segredo, o Estado passa a deter o monopólio e o privilégio da informação e o cidadão deixa de ter decisão na definição dos limites do que pode ser, como deve ser e quando é, segredo. Ao envolver a segurança nacional e de Estado num manto de secretismo, escondendo as actividades e as informações dos olhos e dos ouvidos dos cidadãos (e dos aliados e inimigos, embora nestes dois casos com muito menos sucesso, o que prova o quão inadequado é sistema utilizado), os pilares em que assentam a divisão de poderes, a soberania popular, as liberdades individuais, os direitos e as garantias, tornam-se conceitos formais, deixando, pura e simplesmente, de serem pilares do contrato social assumido entre Estado e cidadãos.

Nos USA (mas não são a excepção, pelo contrário, são o padrão) não existem formas, até ao presente, de limitar a necessidade governamental de secretismo e de certeza que os tribunais secretos (consequência desta lógica esotérica do Estado) ou os comités do Senado não constituem qualquer obstáculo, sério, á paranoia secretista. Em certo sentido a revelação de Snowden permitiu aos cidadãos globais demonstrar algumas pontas do imenso icebergue, embora seja uma imagem diluída. Isto não acontecia desde a década de 70 do século passado, com o caso Watergate, em que o sistema de poder em Washington foi parcialmente decomposto e posto a nu. Entre Watergate e as revelações de Snowden o Estado de Vigilância Global foi sendo construindo (com algumas, poucas, brechas).

Mas não se iludam os que consideram que o facto de sabermos qualquer coisa representa uma retracção do sistema. Desenganem-se, pois afinal apenas se conseguiu tomar conhecimento de uma milionésima parte da realidade esotérica com que as elites globais exercem o seu domínio sobre os cidadãos, os povos e os indivíduos. Os mil e setecentos milhões de ficheiros da NSA revelados por Snowden são apenas uma molécula duma gota de água num imenso oceano.

O que sabe o cidadão norte-americano sobre a Agência de Defesa e Inteligência do Pentágono, cujos 16 mil e 500 funcionários embarcaram num ambicioso plano assente em associações de redes de espionagem que rivalizam, em tamanho e volume de informação, com a CIA? O que sabe o contribuinte norte-americano das actividades da National Geospatial-Intelligence Agency, com os seus 16 mil funcionários, cujos quartéis-generais, construídos após o 11 de Setembro, consumiram mil e 800 milhões de USD ao erário público e que controla um sistema de satélites espiões, eternamente encapotados de “exploradores planetários”? O que conhece o eleitor norte-americano dos processos de investigação ao terrorismo controlados pelo FBI? E o que acontecerá se os contribuintes exercerem o seu direito e pedirem contas á CIA que gastou mais 4 mil milhões de USD que a NSA, para organizar os seus corpos privados de espionagem, como parte da abordagem de expansão geral da Inteligência norte-americana?

III - Nos USA a mania pelo secretismo cresceu exponencialmente durante a administração Obama. Se recordarmos as promessas de Obama, durante a campanha eleitoral, quando o seu discurso era profícuo em frases como “sunshine administration dedicated to “openness” and “transparency”, será com muita dificuldade que evitaremos um sorriso de ironia. Mesmo para senadores, experientes nas manobras politicas e homens habituados aos jogos de bastidores, as novas regras e procedimentos “esotéricos” impostos pela Casa Branca são surpreendentes. Carl Levin, presidente do Comité do Senado para os serviços de inteligência, um senador habituado ao secretismo e ao segredo de estado, já por diversas ocasiões revelou publicamente o desconforto do seu comité perante as novas regras que dispensam a CIA de prestar contas sobre operações em curso, ao Senado e ao Congresso.
    
É bom não esquecer que o caso Watergate foi completamente desvendado na imprensa, no Congresso e no Senado, e que as comissões e comités do Poder Legislativo foram decisivas e determinantes em todo o processo. Todos os procedimentos pós Watergate revelaram uma teia de conspirações e de atentados á cidadania efectuados pela NSA, CIA e FBI e todos estes atentados foram revelados e travados pela actividade fiscalizadora do Congresso e do Senado. Lógico que esta “transparência” anteriormente possibilitada era comedida. Um exemplo desse comedimento foi a criação, nessa época, do Foreign Intelligence Surveillance Court, um tribunal secreto cujo funcionamento e corpo jurídico escapavam aos cidadãos norte-americanos e às instituições públicas e jurídicas internacionais.

Actualmente a “extra-legalidade” da Guerra Global ao Terror, com o seu arsenal secreto, o seu sistema prisional “extrajudicial” que permite a utilização de “prisões secretas” onde a tortura é uma norma quotidiana e os prisioneiros podem ser raptados, ou os “terroristas” podem ser assassinados, conduz á impunidade total. As agências sabem que nada pode acontecer se prevaricarem, porque deixou de existir prevaricação. Tudo é permitido na “guerra secreta” e nas novas doutrinas da “guerra antiterrorista”. É uma América “pós-legal”, formada durante décadas nas suas neuroses e paranoias, devidamente arquitectada no 11 de Setembro, estruturada no dia seguinte aos ataques às torres gémeas e meticulosamente restruturada e inovada pela administração Obama.
    
É provável, neste panorama, que, mais dia, menos dia, surja um projecto de remodelação para a Estátua da Liberdade, passando esta a designar-se: Estátua da Segurança.

IV - Este modelo de Estado Policial, que globalizou a tirania aeroportuária, que aposta na livre circulação de capitais e reprime a livre circulação de trabalho, que pretende a livre circulação de mercadorias, mas que oprime a livre circulação de pessoas é o regime vigente, também, na U.E. É assim que os cidadãos europeus são confrontados com uma nova realidade politica partidária que tem como padrões a austeridade e a privatização.

Terminaram os tempos gloriosos em que a Europa poderia escolher, debater e decidir sobre alternativas diversas, que passavam pela social-democracia, a democracia-cristã, o liberalismo e estendiam-se às várias tonificações de conservadorismo e ao comunismo ou projectos socialistas diversificados. Longe vão os tempos em que, apesar de toda a lama, os europeus podiam debater sobre matérias diversas, defenderem apaixonadamente as suas posições, terem um discurso critico, ao invés do linguajar dos actuais clones tecno-burocratas, que vestem uniformemente.

Longe parecem ir os tempos em que a Europa tinha visões que iam muito para além dos monossílabos da Goldman Sachs e em que a vida politica não era uma “questão de imagem e de marca” e que ao invés dos fedelhos impertinentes que deixaram a inteligência nos testículos do pai, que aparecem por aí a alvorarem-se em governantes, havia tipos que por muito detestáveis que fossem, sabiam algo mais do que o BA Bá do discurso neoliberal (por muito detestáveis que fossem De Gaulle, Bruno Kreisky, Olaf Palm, Willy Brandt e outros, eram gente culta e que defendiam, para além de interesses, ideias e projectos e que sabiam transformar esses interesses em percursos viáveis, de forma a que a coisa não terminasse apenas nos bolsos e nas carteiras).
   
Os tempos em que se distinguia um social-democrata de um liberal e este de um conservador acabaram. Hoje resta uma miscelânea, um produto transgénico, hibrido, em que os conceitos são inexistentes e onde os princípios e os valores são lixo ideológico. Há quatro décadas a esquerda europeia, social democrática, pretendia realizar alterações no equilíbrio de poder, que reduziam o fosso entre ricos e pobres, que ampliavam a propriedade pública e introduzia mecanismos eficazes nos sistemas nacionais de saúde, nas redes públicas de educação e nos sistemas de Segurança Social. Era a Europa, na época, sinal de esperança. Hoje não passa de uma pocilga fedorenta onde as elites evacuam os seus excrementos.

A política europeia americanizou-se, no pior sentido da palavra. Hoje termos como nacionalização ou renacionalização foram banidos do léxico político europeu e o sistema partidário europeu evoluiu para um sistema de partido único, ao estilo dos USA, dividido entre duas facções de interesses diferentes, mas complementares, que não podem sobreviver uma sem a outra. A “promoção da democracia” que anda nas bocas das elites europeias e sempre presente nos seus eloquentes sermões é um grande e rentável negócio construido por cima das ruinas da soberania popular.

Acabou a Europa Social, a Europa dos direitos e das liberdades. Está aí, senhoras e senhores a Europa do Embuste, a Europa dos filisteus, dos merceeiros da poupança e dos contabilistas dos cortes orçamentais, a Europa dos economistas domésticos que aplicam o método da dona de casa, a politica do corta aqui, corta ali, mais daqui, menos de acolá.

Senhoras e Senhores, meninos e meninas venham votar na Europa da Segurança, negócio sempre rentável, assente na vigilância electrónica, nos chips de identificação e no “bastão inteligente” dos mercenários da nova ordem. Façam da Europa um grande circo, transformando os vossos países em terrenos para montar a tenda e onde os que não são empresários do circo são palhaços.

A americanização deixará a Europa a um passo da mexicanização, que será seguida da congolização, depois de 2050, quando a troika tiver estatuto de superestrutura e designar-se por Santíssima Trindade.

V - E já que o México é referido (pelo pior motivo: a mexicanização) convém assinalar que uma importante componente da elite mexicana, com muitos amigos na U.E e nos USA, realizou uma grande festa. Foram os 85 anos do Partido Revolucionário Institucional (PRI).

Fundado em 1929, o Partido Nacional Revolucionário (PNR) - num período socialmente conturbado do país, em que a repressão e o clima de violência preponderavam em todo o território enquanto manifestava-se o início da Grande Depressão e no plano externo o fascismo ascendia em Itália e por toda a Europa reinava um clima de grande instabilidade politica, económica e social - foi sempre um partido de Estado. O funcionamento do PNR foi regulado por um decreto presidencial que obrigava todos os funcionários públicos a contribuírem com 7 dias de salário, por ano, para o partido. Dez anos depois da sua fundação uma Convenção Nacional Ordinária propôs que todos os estabelecimentos de ensino ficassem sob controlo directo do Ministério da Educação, avançou com a institucionalização das Ligas Camponesas, a criação da Camara Nacional do Trabalho, discutiu o papel dos sindicatos e das organizações dos trabalhadores e a sua institucionalização, concluiu pela nacionalização do sector petrolífero e a realização de diversas reformas estruturais, entre elas a reforma agrária, o objectivo fundamental da Revolução de 1910/1917, mas que nunca foi implementada, sendo concretizada durante o governo Cárdenas que suprimiu os grandes latifúndios e efectuou a entrega aos camponeses de mais de 18 milhões de hectares de terras, o que provocou o desaparecimento da oligarquia latifundiária.

Por sua vez o Sindicato dos Trabalhadores dos Petróleos reivindicava a contratação geral única e elaborou um projecto de Contrato Colectivo de Trabalho, que esteve na origem da grande greve geral do sector petrolífero em 1937. Este grande movimento grevista foi também decisivo na criação da Confederação dos Trabalhadores Mexicanos (CTM), que conjuntamente com a Confederação Operaria Mexicana e a Confederação Geral dos Trabalhadores estiveram na base da transformação do PNR em PRM (Partido Revolucionário Mexicano), ainda durante a presidência de Cárdenas.

Antes de terminar o mandato de Cárdenas, o PRM inicia uma viragem á direita, evidenciada em finais de 1940 com a repressão sobre os sindicatos independentes e no assalto às sedes do Partido Comunista do México, ao mesmo tempo que executa um “movimento de rectificação” e implementa a política de “unidade nacional” introduzindo reformas na legislação agrária e uma nova Lei Federal do Trabalho. Em 1946 o PRM foi transformado em PRI (Partido Revolucionário Institucional) e a repressão sobre os sectores sindicais aumentou enquanto o aparelho sindical ligado ao PRI fazia uma ofensiva no sentido de controlar os sindicatos e as confederações.

O controlo imposto pelo PRI e a repressão aos sindicatos e confederações que não estavam debaixo do controlo do Partido e que manifestavam atitudes contrárias á da burocracia do PRI não evitou o grande movimento grevista geral de 1958, liderado pelos trabalhadores ferroviários e que se estendeu a todos os sectores da produção nacional e às escolas e universidades. A influência do PRI no movimento sindical sofreu um duro golpe e as suas lideranças foram varridas de todos os sindicatos e confederações.
 
A década de 60 assistiu a grandes mobilizações sindicais no México e foi uma década em que a repressão se fez sentir de forma persistente sobre o movimento sindical. Em 1968 reina um ambiente de insurreição na Cidade do México. Este movimento assenta nas transformações económicas e politicas realizadas entre os finais da década de 30 e a década de 60. Em 30 anos o México passou de uma sociedade predominantemente rural para uma sociedade urbana. A esperança média de vida dos mexicanos aumentou em cerca de 20 anos, o analfabetismo foi consideravelmente diminuído, a taxa de mortalidade diminuiu substancialmente, a oportunidade de aceder á educação sofreu um rápido crescimento (a Universidade Nacional Autónoma do México passou de 15 mil estudantes em 1938 para 100 mil em 1968), o país montou um importante sector industrial, que implicou um crescimento quantitativo do operariado e das classes médias. A sociedade mexicana sofreu uma transformação da estrutura económica e com ela, da estrutura de classes e de grupos sociais. Esta estrutura entrou em ruptura com a estrutura politica, que se mantivera quase inalterável durante o mesmo período de tempo.
  
O movimento estudantil e popular de 1968 sacudiu a sociedade mexicana. Exigia a libertação dos presos políticos, a destituição dos generais responsáveis pela repressão politica e sindical, a extinção do Corpo de Granadeiros (responsáveis pela violência contra os trabalhadores), fim do delito de dissolução social e profundas alterações no quadro institucional, conducentes á democratização da vida politica mexicana. As novas gerações de estudantes e trabalhadores romperam com o regime do PRI e nem mesmo as tentativas de reformas nos anos setenta (a “apertura democrática” do presidente Encheverria, que governou entre 1970 e 1976 e a “reforma politica” de Portillo, no mandato de 1976-1982, que terminou mergulhado no nepotismo e na corrupção) atenuaram o descontentamento manifestado em 1968.

O discurso neoliberal foi imposto com Madrid Hurtado, presidente entre 1982 e 1988, que iniciou um ciclo de administrações neoliberais e cada vez mais submissas aos interesses norte-americanos. A crise económica instalada na década de 80 levou ao consulado do FMI e do Banco Mundial e o país foi conduzida por uma equipa tecnocrática. As portas foram abertas ao capital, mas os trabalhadores foram privados dos seus direitos fundamentais, atingindo o desemprego, em 1987, 19% da população da activa (cerca de 5 milhões de mexicanos entre os 20 e 50 anos).     O PRI dividiu-se e surgiram tendências internas. O último presidente do PRI, no seculo XX, foi Ponce de Leon (1994-2000), que viu a crise económica atingir proporções dantescas.

VI - A actuação desastrosa do PRI, no seu ultimo período da longa governação, deu lugar aos governas ultraliberais do Partido da Acção Nacional (PAN), sendo hoje o México um imenso palco de violência, onde as vitimas da “guerra dos gangs da droga” deixou de ser noticia, porque ocorrem às dezenas, diariamente. Em 2012 os órgãos de comunicação social inundaram a opinião pública mexicana com a propaganda eleitoral e desde aí um véu de silêncio foi colocado sobre a violência. Em 2013 surgiram as “autodefesas” em vários estados mexicanos e o véu foi temporariamente retirado, para o cenário levar umas pinceladas rápidas e fugazes. Nada de aprofundar as causas da violência e o breve debate limitou-se á questão da legalidade e legitimidade destes grupos de autodefesa. Depois o véu tornou a ser colocado.

No período compreendido entre Dezembro de 2012 a Janeiro de 2014, o Sistema Nacional de Segurança Pública registou 21 mil mortes provocadas pelos bandos de traficantes. Os raptos estão na ordem do dia, assim como as agressões e os homicídios brutais de que são vitima as mulheres mexicanas. Os migrantes que transitam pelo país são sequestrados e assassinados e no México o seu sonho de chegar aos USA transforma-se num pesadelo. As agressões contra repórteres, jornalistas, defensores dos direitos humanos e activistas sociais que denunciam a cumplicidade entre o crime organizado e os órgãos institucionais continuam e tornam-se cada vez mais corriqueiras.
  
Em 2011 o Movimento para Paz com Justiça e Dignidade organizou uma campanha nacional que consistia em percorrer o país em caravanas. Os depoimentos recolhidos na campanha eram, em grande número, de cidadãos que denunciavam a cumplicidade da polícia com os bandos criminosos, assim como inúmeros depoimentos denunciavam prácticas criminosas realizadas pelos governos locais e funcionários do governo federal. Depoimentos de familiares de pessoas desaparecidas reuniram provas de que algumas das vítimas foram exploradas em negócios do crime organizado: nos campos de cultivo, nos laboratórios, nos armazéns, no tráfico, na segurança, prostituição, etc. Em muitos casos o rapto é selectivo. Por exemplo: engenheiros civis, arquitectos e operários da construção são profissões constantemente assediadas para a construção de residências, casas de seguranças, estruturas de armazenamento, laboratórios dos cartéis, assim como especialistas em comunicação e informática.
      
A cumplicidade das autoridades e do mundo empresarial com o crime organizado é evidente e feita abertamente em casos como o que ocorreu em 2013 no município de Aquila, onde um grupo de autodefesa comunitária denunciou uma rede constituída entre a Mineira Ternium, as autoridades locais e o cartel dos Cavaleiros Templários. Quando a Policia Federal e o Exercito acudiram á zona, detiveram 45 membros do grupo de autodefesa que denunciara a rede. A Ternium, o governo local e os Cavaleiros Templários continuam impunes.

VII - O crime organizado no México, como em todo o lado, adoptou as dinâmicas empresariais actuais (e o vice-versa também é exacto). O dinheiro obtido nos negócios ilícitos circula na banca mundial e estende-se a todo o tipo de investimentos (com particular incidência no turismo e na indústria de segurança). Para os cartéis do crime a globalização assente exclusivamente na livre circulação de capitais e de mercadorias é o motor do seu crescimento e da internacionalização das suas actividades.
   
A economia-mundo necessita de instituições homogeneizadas e hegemónicas, globais, como o Banco Mundial, e o FMI, ou de estruturas regionais e inter-regionais como o Banco Federal dos USA ou o Banco Central Europeu. Mas a economia-mundo já transformou a realidade, uniformizando-a e a economia é agora a realidade única, pelo que torna-se necessário, para além da globalização das instituições económicas e financeiras, a internacionalização das instituições jurídicas e politicas, transformadas na actual realidade em instituições subsidiárias das primeiras.

Para além disso, a economia-mundo, o capitalismo global, tem um motor auxiliar: Os cartéis do crime organizado, novo modelo ético de predador. É a mão invisível…

Fontes 
Garrido, Luis Javier El partido de la Revolución institucionalizada Siglo XXI Ed., 1982.
Blanco, José Rupturas en la cultura política en 1968 Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales núm.158, octubre-diciembre de 1994.
Vega, María Eugenia Valdés Una nueva legitimidad en el DF. Las elecciones de 1997 Nueva Antropología, núm. 54, junio de 1998.

AUMENTAR O SALÁRIO MÍNIMO PARA TORNAR PORTUGAL COMPETITIVO



Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Para efeitos comparativos, em Portugal o salário mínimo é de 566 euros (485 que se multiplicam por 14 e se voltam a dividir por 12). Em 2011, sete países da União não tinham salário mínimo. A Alemanha aprovou-o este mês para todos os sectores , estabelecendo-se 8,5 euros à hora (um pouco menos do triplo do que se pratica em Portugal). Áustria, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Itália e Suécia não têm salário mínimo na lei. Quase todos, porque os salários pagos e o nível de igualdade conseguido o dispensa. Dos restantes 21, nove têm salários mínimos abaixo dos nossos. São todos do leste europeu e todos entraram para UE depois de nós. Acima de nós estão os outros: Luxemburgo (1.874€), Bélgica (1.502  ), Holanda (1.469  ), Irlanda (1.462  ), França (1.430  ), Reino Unido (1.264  ), Eslovénia (784  ), Espanha (753  ), Malta (697  ) e Grécia (684  ) . Não vale a pena dizer que em Portugal tudo é mais barato. Se tivermos em conta o poder de compra passamos, no total de 21 países, de 11º para 12º lugar. Também não é apenas por sermos pobres. O salário mínimo da Bélgica, da Holanda, da Irlanda e de França são quase o triplo do português. E estão todos abaixo do dobro do nosso PIB per capita . Apesar de sermos um dos países mais desiguais da Europa, somos o 9º em que o salário mínimo mais se aproxima da remuneração mensal média (42,6%). Não porque se aproxime dos salários decentes, mas porque é uma referência para os salários mais baixos.

Não é difícil olhar para estes números (outros, menos atualizados mas talvez mais completos, podem ser vistos aqui)  e perceber que não há qualquer relação entre a competitividade de um país e um salário mínimo muito baixo. O que o salário mínimo nos descreve é a estrutura produtiva de cada economia. Países que acrescentam pouco valor ao que produzem tendem a pagar salários mais baixos e a tentar competir por essa via. E um salário mínimo muito baixo tende a promover este tipo de economia e a atrair este tipo de empresas. Um salário mínimo baixo não é apenas consequência do atraso económico de um país. Também é causa.

Quando se promove este tipo de economia, não vinga o empresário que inova, que investe no conhecimento, que organiza bem a sua empresa. Tende a vingar o patrão que paga menos e que concorre apenas com esse argumento. Em regra, o empresário menos qualificado. Segundo o estudo "Emprego, contratação colectiva de trabalho e proteção de mobilidade profissional em Portugal", encomendado pelo Ministério do Trabalho em 2010, 61,3% dos trabalhadores por conta de outrem tinham até ao terceiro ciclo do ensino básico, 20,4% o ensino secundário e 18,3% o ensino superior. Nos patrões, 71,7% tinha até ao terceiro ciclo do ensino básico, 12,2% o ensino secundário e 16,1% o ensino superior. Ou seja, a qualificação dos trabalhadores era superior à do que empresários. Esta foi a classe empresarial que a política de salários baixos promoveu. O que afeta a produtividade geral do País porque, como lembrava o nosso Aníbal, a má moeda expulsa a boa moeda. Como se vê com os nossos emigrantes e nas grandes empresas que se instalam no País, a nossa baixa produtividade tem muito pouco a ver com os nossos trabalhadores. Terá a ver com alguns custos de contexto e atrasos estruturais, sim. Mas resulta, acima de tudo, de um tecido empresarial que se habituou a viver à sombra de mão de obra barata e que nem sequer consegue absorver os seus trabalhadores mais qualificados.

Mesmo os países que pagam menos do que nós estão a fazer o seu caminho. Entre 2006 e 2013, o salário mínimo português aumentou bastante. Cerca de 25%. Mas nos países de Leste, que estão abaixo de nós, a evolução está a ser muito mais rápida. Neste mesmo período, cinco deles duplicaram o salário mínimo, dois deles aumentaram em mais de cinquenta por cento e apenas um aumentou menos do que nós e outro mais ou menos o mesmo. Pior: o aumento do nosso salário mínimo parou em 2011, quando a troika chegou à Portela e Passos Coelho chegou a São Bento. E nisto só fomos acompanhados pela Grécia, que até o baixou em 22%, em 2012. Ou seja, desde de 2011 que Portugal está a apostar num caminho sem futuro. Que até os nossos principais concorrentes estão a abandonar.

O aumento do salário mínimo é um dos mais poderosos instrumentos de combate ao maior cancro social, económico e até político de Portugal: a desigualdade na distribuição do rendimento. Esta desigualdade tem efeitos no mercado interno (há uma parte razoável do país que pouco consome) e nas contas públicas (mais de 56% dos contribuintes não pagam IRS, por terem rendimentos demasiado baixos). Mas sobretudo tem efeitos sociais profundos. Como demonstram Richard Wilkinson e Kate Pickett, em "O Espírito da Igualdade", a desigualdade, em países do primeiro mundo, afecta de forma estrutural indicadores como a confiança entre cidadãos, doenças mentais, toxicodependência, alcoolismo, esperança de vida, mortalidade infantil, obesidade, desempenho escolar, gravidez na adolescência, homicídios, taxas de encarceramento e mobilidade social. Não apenas nos pobres, mas no conjunto da sociedade.

Por fim, tem efeitos políticos. Porque desigualdade económica é desigualdade de poder. Uma outra obra, "Desigualdade em Portugal" (Edições 70), dá-nos alguns exemplos. Duas pessoas: uma ganha mais de 2.500 euros mensais, outra menos de 800. A primeira tem seis vezes maior probabilidade de ser militante de um partido, sete vezes maior probabilidade de contactar pessoalmente com um político ou um alto funcionário público, oito vezes maior probabilidade de ter algum tipo de atividade voluntária. É por isto que apenas 17% dos portugueses alguma vez participaram numa ação cívica coletiva. A média europeia é de 41%. Na Escandinávia é de 70%. Não há democracia saudável com grandes níveis de desigualdade. E o aumento do salário mínimo é, com os impostos progressivos e os serviços públicos, o mais poderoso instrumento para reduzir uma desigualdade que envenena a nossa vida em comunidade. E que fique claro: lutar pela igualdade não é punir a classe média. Pelo contrário. É aproximar dela os que menos ganham e redistribuir melhor o que continua a ir para os muito poucos que concentram grande parte da riqueza em Portugal.

Como se sabe pelos últimos números apresentados pelo INE, temos 10,5% dos trabalhadores com emprego a viver abaixo do limiar de pobreza. E só no último ano a pobreza aumentou 3,3 pontos percentuais na população ativa. Ter trabalhadores pobres é ter maus trabalhadores. Que não se qualificam, que não estudam, que não aprendem, que vivem esmagados por outras preocupações. Ter trabalhadores pobres é repetir o modelo que nos deixou ficar para trás durante grande parte do século XX. E que formou uma classe empresarial sem arrojo e uma economia pouco competitiva. E, mais importante, que forjou um país inculto, pouco democrático e desorganizado. Mas, para além de tudo isto, aumentar o salário mínimo é, para quem faça o esforço de imaginar o que é viver com menos de 500 euros por mês, uma questão de direitos humanos. 

Passos Coelho mostrou disponibilidade para, depois de dois anos de congelamento, aumentar finalmente o salário mínimo. PSD e CDS, que tiveram o o primeiro-ministro a berrar, durante meses, que o aumento do salário mínimo seria "uma barreira ao emprego" e até a defender a sua redução, responsabilizam, em vésperas de eleições, o memorando da troika por não o terem feito antes. Mas Passos Coelho apresentou a coisa de uma forma um pouco estranha: disse que "está disponível para fazer concessões". Concessões porquê? Se o aumento do salário mínimo é uma concessão de alguém será, quanto muito, dos patrões. E só por piada a CIP e o próprio Passos Coelho podem exigir mudanças na lei laboral em troca de um aumento para 500 euros, inferior ao salário mínimo real em 2011. Ou seja, usam o descongelamento do salário mínimo como chantagem para conseguir mais mudanças nas leis do trabalho.

O aumento do salário mínimo para níveis pelo menos superiores a 510 euros deve ser uma posição do governo, porque tem efeitos positivos na economia, no tecido empresarial, na competitividade do País, na nossa vida social e na democracia. Não é uma cedência aos trabalhadores. E muito menos pode ser uma moeda de troca para seja o que for.

Aumento do salário mínimo não pode ser moeda de troca para revisão da legislação laboral




Sindicato quer actualização do salário mínimo a partir de 1 de Junho

O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, exigiu hoje ao Governo a atualização do salário mínimo nacional para os 515 euros, já a partir de 01 de junho deste ano.

“Não há razão nenhuma para que isso não aconteça [a 01 de junho]. O Governo diz que quer aumentar o salário mínimo nacional, a ‘troika' - composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - vai-se embora, então o que é que falta? Nada”, afirmou Arménio Carlos.

O Secretário-geral da CGTP, que falava aos jornalistas após uma intervenção proferida junto ao Ministério da Solidariedade e do Emprego, na praça de Londres, em Lisboa, reforçou que a CGTP pretende a atualização do salário mínimo nacional para os 515 euros, já a partir de junho e não, em 2015.

Arménio Carlos lembrou que existem em Portugal mais de 400 mil trabalhadores a receber um salário mensal de 485 euros e que estes, nos últimos três anos, “perderam mais de 675 euros”.

O sindicalista avisou que a CGTP não vai aceitar que o aumento do salário mínimo nacional seja usado pelo Governo e pelas confederações patronais “como moeda de troca para uma revisão da legislação laboral”.

Arménio Carlos, que esta tarde encabeçou uma manifestação que reuniu mais de mil dirigentes e ativistas sindicais da CGTP rumo ao Ministério Trabalho, em Lisboa, para protestar contra as políticas laborais e sociais do Governo, instou ainda o Governo a “tirar da gaveta as propostas que preveem a revisão da legislação laboral” antes das eleições europeias de 25 de maio.

O protesto desta tarde serviu para exigir o aumento imediato do salário mínimo para 515 euros e o desbloqueio da contratação coletiva.

A defesa das Funções Sociais do Estado e dos serviços públicos, a melhoria da proteção social aos trabalhadores, aos desempregados e às famílias e o cumprimento da Constituição da República foram outros dos motivos que levaram à marcação da manifestação.

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Portugal: Petição para a reestruturação da dívida chega quarta-feira ao parlamento




Para ser discutida no plenário da Assembleia da República, a petição "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente" tinha de ter um mínimo de quatro mil signatários

A petição que defende a reestruturação da dívida pública portuguesa e já recolheu mais de 34 mil assinaturas vai ser entregue na Assembleia da República na quarta-feira pelo antigo Provedor de Justiça Alfredo José de Sousa.

De acordo com um comunicado hoje divulgado, a ‘delegação' que irá entregar o documento à presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, inclui ainda António Franco, Eduardo Paz Ferreira, Fernando Melo Gomes, Francisca Soromenho, Francisco Louçã, João Cravinho, Pedro Adão e Silva e Ricardo Baião Horta.

Disponibilizado ‘online' há dez dias pelo movimento Manifesto 74, a petição reúne assinaturas de personalidades de todos os quadrantes da sociedade portuguesa e até à tarde de hoje já tinha recolhido 34.455 assinaturas.

Para ser discutida no plenário da Assembleia da República, a petição "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente" tinha de ter um mínimo de quatro mil signatários.

A petição visa conseguir que os deputados aprovem "uma resolução recomendando ao Governo o desenvolvimento de um processo preparatório tendente à reestruturação honrada e responsável da dívida", como se salienta na página oficial do Manifesto 74.

"O abaixamento significativo da taxa média de juro do 'stock' da dívida, a extensão de maturidades da dívida para 40 ou mais anos e a reestruturação, pelo menos, de dívida acima dos 60% do Produto Interno Bruto (PIB), tendo na base a dívida oficial", são as condições preconizadas pelos signatários.

A iniciativa do Manifesto 74 pretende ainda que a Assembleia da República desencadeie "um processo parlamentar de audição pública de personalidades relevantes" sobre a reestruturação da dívida de Portugal, contraída no âmbito do programa de reajustamento.

Entre os subscritores da petição estão os ex-ministros das Finanças Manuela Ferreira Leite, José da Silva Lopes e António Bagão Félix, o constitucionalista Jorge Miranda, o antigo Chefe do Estado Maior do Exército Pinto Ramalho, o ex-Chefe do Estado Maior da Armada Melo Gomes, o antigo reitor da Universidade de Lisvoa Barata Moura, o antigo Bispo das Forças Armadas Januário Torgal, o professor universitário Pacheco Pereira, a escritora Lídia Jorge, a eurodeputada Ana Gomes e os ex-secretários de Estado dos Assuntos Europeus Fernando Neves e Seixas da Costa.

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Portugal: MAIS UMA VEZ DURÃO BARROSO



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

Já várias vezes escrevi que não aprecio o político Durão Barroso. Porque acho que a sua ambição o perde e o seu País para ele não conta. Percebi isso quando ele era primeiro--ministro e numa reunião nos Açores, com o Presidente Bush e, salvo erro, o então primeiro-ministro José Maria Aznar e Tony Blair, resolveram iniciar uma guerra no Iraque, completamente inútil, onde morreram milhares de pessoas.

Depois, ainda sendo primeiro-ministro de Portugal, quando percebeu que podia ir para Bruxelas, como Presidente da Comissão Europeia, deixou o Governo de Portugal, sem mais nem menos. Antes, António Guterres, quando era primeiro-ministro, recusou quando lhe fizeram a mesma proposta.

Onde, desde então, esteve quase dez anos, que estão agora a terminar, mas que lhe foram fatais. Não podia ter sido pior nem mais atacado. Portugal, durante essa década, não lhe interessou grande coisa, a não ser nos últimos meses. Fiel da chanceler Merkel, nos primeiros momentos, acabou por se zangar com ela ou vice-versa. Com a França, de Sarkozy, nem se fala. O Le Monde destruiu-o durante três números. Mais: arrasou-o! E a América de Barack Obama também nunca o apreciou. Sem falar dos deputados europeus e de outros dirigentes da União Europeia.

Depois teve a ambição de ir para a ONU, como secretário-geral, mas percebeu a tempo que não tinha a menor possibilidade. Então, como já está a arranjar as malas, resolveu vir para Portugal. Para quê?

Discípulo e amigo do atual Presidente Cavaco Silva, não deve afirmar que quer ser candidato à Presidência da República, com dois anos de antecedência do final de mandato do Presidente. Seria mal compreendido.

Então, resolveu aproximar-se do Governo. Foi desagradável para o Tribunal Constitucional, o que não devia ter feito, dadas as funções que ainda exercia, ignorando a pobreza indescritível em que vive este país e a destruição, pela venda, de tudo o que é valioso.

Sabe perfeitamente que o atual Governo só se ocupa do dinheiro e da troika, a quem paga. E que a austeridade, uma chaga insuportável para todos os países que dela são vítimas, só leva as populações ao empobrecimento, ao desespero, à emigração e à criminalidade. Mas isso que lhe importa? Que haja tantos portugueses sem dinheiro, a dormir nas ruas e a comer apenas o que a Cáritas (que tem sido tão importante) e outras obras sociais lhes dão.

No Expresso de sábado passado, Durão Barroso resolveu dar uma entrevista onde figura uma caricatura extraordinária dele, da autoria de Hélder Oliveira, feita pela inteligente jornalista Ângela Silva, que lhe perguntou, cito: "Durão Barroso ensaia o regresso à política portuguesa convicto de que, no momento oportuno, vai conseguir ser Presidente?" Mas foi tão inoportuno na resposta ambígua que só criou problemas.

É sabido que não gosta de Passos Coelho e a inversa também será verdadeira. Mas vir levantar inoportunamente o caso do BPN em que tantos dos considerados culpados estão em liberdade e nunca foram julgados, é de alguém que perdeu a habilidade política.

Será que ainda é amigo do Presidente Cavaco Silva ou já não é? Tenho as minhas dúvidas. Visto que todo o País sabe que o Presidente tem algo a ver com o caso do BPN. É o que parece. Como voltar ao problema e porquê? Ou então está sem jeito e habilidade política...

Além disso, fez o que me parece infame ao tentar incriminar Vítor Constâncio, que é um homem impoluto, de reconhecida dignidade e inteligência, atual vice-presidente do Banco Central Europeu. Como disse Marcelo Rebelo de Sousa, "deu um tiro no seu próprio pé". Digo mais: parece alguém que perdeu o senso político... O Eixo do Mal, também a esse propósito, comentou com enorme crítica esse facto. Vale a pena ouvir.

Vários portugueses ilustres escreveram logo uma carta aberta em defesa de Vítor Constâncio. E muito bem. Foram eles: Artur Santos Silva, José Silva Lopes, Rui Vilar, Teodora Cardoso e Miguel Beleza. Honra lhes seja!

A verdade é que sabendo tanto Durão Barroso do que se passou no BPN, a senhora procuradora-geral da República, tem a obrigação de o ouvir e quanto antes. Tanto mais que a maioria dos culpados nunca foi julgada...

Conheci Vítor Constâncio logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, quando aderiu ao PS. Entrou pouco tempo depois no Secretariado Nacional do PS, foi ministro das Finanças e secretário-geral do Partido Socialista. Várias vezes tivemos divergências, o que é natural num partido democrático, como o PS. Mas isso nunca afetou a minha admiração e amizade por ele. Contei há dias, numa sessão em que participei em homenagem a Willy Brandt e Helmut Schmidt, que quando ele era ministro das Finanças e eu primeiro-ministro, fomos juntos falar com Schmidt para melhorar a situação económica portuguesa. No final, Schmidt, com a sua sabedoria, disse-me: "Parabéns! Tens um dos melhores ministros das Finanças da Europa." Nunca esqueci isso.

Mas além da sua invulgar inteligência, Vítor Constâncio é um homem de bem com um extraordinário sentido da dignidade. Como se pode admitir o que dele disse Durão Barroso? É de pessoa perturbada pela sua ambição? Talvez. Mas é imperdoável.

PARA QUÊ MAIS UM BANCO PÚBLICO?

Este Governo não tem remédio, como tenho vindo a afirmar há mais de dois anos. Vai de mal a pior e agora, sem dúvida, está no fim. Maio, o mais tardar, chega ao seu termo. Mas se tiver um mínimo de sensatez e perceber que chega de corrupção, talvez saia antes. Os ministros começam a estar impacientes. Porque se ficarem no País e houver outro Governo, vai saber-se tudo o que se ignora, que é muitíssimo.Vem isto a propósito da ideia peregrina de criar um novo banco público, já chamado de Fomento. Para quê? Da parte de um Governo que já tem um banco público, que se chama Caixa Geral de Depósitos e que começou por dizer que ia privatizar tudo, por haver Estado a mais? Será que quer privatizar ou destruir a Caixa Geral de Depósitos e ficar diretamente, através do novo banco, com os chamados fundos estruturais europeus que recebemos da União Europeia e que são avultados? É o que se pretende?

Seja como for, para este Governo, o silêncio é a regra principal, e ficou-se a saber que vai criar um novo banco público, sem explicar porquê nem para quê. Um Governo que começou por afirmar que ia diminuir todas as gorduras do Estado...

Aqui entra o Senhor Presidente da República, que é doutor em Finanças. Terá sido informado? E que pensa, de tão grande dislate? Terão sido informados os bancos privados, que os portugueses conhecem e têm neles algumas das suas pobres economias, dado que os corruptos e os milionários, esses, têm o seu dinheiro nos bancos estrangeiros? Ou nos offshores?

O Senhor Presidente da República não pode ficar calado e, sendo como é, um perito em Finanças, tem de dizer aos portugueses, e muitos votaram nele, o que se passa. Porque basta de silêncio, que só faz sentido para esconder a corrupção.

Um Governo populista (e não social-democrata como falsamente se intitula) agarra-se aos mercados e à troika. Se não fosse o desejo de mais corrupção, nunca se deveria querer criar mais um banco público. Foi, aliás, o que disse para ganhar as eleições há dois anos e tal: tirar as gorduras ao Estado. Mas até agora estão a fazer o contrário do que prometeram. Cada vez, querem mais gorduras.

O povo, apesar da pobreza e de sermos hoje (em dois anos e tal) menos do que éramos, pensa, percebe e sabe que esta situação não se pode manter. Ou como disseram os militares: vai a bem ou vai a mal...

Se não percebe isto, o Governo vai perder muito e ter um fim feio e sujo. Ou, talvez, o que seria pior, violento. Tenho feito muitas chamadas de atenção para que não haja violência. Mas que terá uma saída que não será bonita isso é o que parece mais provável.

UM GOVERNO SEM REMÉDIO

As manifestações repetem-se quase todos os dias, contra o atual Governo. Mas este parece cego e surdo. O que lhe interessa não são as pessoas - disse-o várias vezes - mas os mercados usurários e o dinheiro que fica na mão, seguramente, de alguns corruptos.

Quando o Governo cair - o que vai acontecer dentro de, o mais tardar, um mês e pouco - tudo se vai saber rapidamente. A verdade vem sempre à tona da água.

O País, em poucos anos foi destruído. Mais de meio milhão de portugueses foram obrigados a sair de Portugal, para arranjar emprego e muitos enviam, felizmente, dinheiro aos seus velhos pais, cujas economias e pensões que levaram anos a juntar lhes foram "roubadas" - é a palavra - pelo Governo.

Os velhos são os que mais sofrem, sobretudo nas cidades, visto que na província não estão tão mal, porque sempre têm umas batatas e umas galinhas, de vez em quando, para comer. Mas a província está a ficar desertificada. Deixaram de ter os CTT, os centros de saúde, para serem tratados, às vezes a quilómetros de distância, bem como os tribunais, que em muitos locais foram eliminados.

Daí o desespero da população que resta na província e nas cidades. As manifestações contra o Governo repetem-se, quase todos os dias, cada vez com maior vigor. Mas para os ministros e apaniguados, secretários de Estado, chefes de gabinete, etc., que importa isso? A polícia cá está para os proteger, sobretudo a polícia de intervenção, mas a maioria também sofre na pele - e as suas famílias - a desgraça em que este Governo transformou deliberadamente o País, para dar dinheiro à troika, mas não só, porque a troika também tem costas largas e esconde muita coisa. E especialmente com a terrível austeridade, que só serve para destruir os Estados. O Papa o disse.

Contudo, tenho dito - e repito - maio vai ser um mês fatal para o Governo e para os seus apaniguados. Alguns ainda não perceberam isso. E sobretudo com a ajuda da mudança que vai ter lugar na União Europeia. Tudo ficará diferente. Os meus leitores verão o que se vai passar na zona euro e em Portugal. Para o primeiro-ministro isso já é considerado ser muito provável. É inteligente, como se sabe. Por isso começou, em poucas palavras, a dar a entender o que se vai passar, durante o mês de maio, mês de eleições para o Parlamento Europeu. E, seguramente, também não lhe escapa que no mês em curso o fundamental são os festejos do quadragésimo aniversário do 25 de Abril. E que a primeira versão dos festejos do Governo era ridícula e imoral, aos olhos de toda a Europa, e procurou emendá-la.

De resto, não pode ignorar o que o seu pai, um médico muito respeitado, na reforma, cuja pensão também foi cortada, lhe aconselhou com verdadeiro amor paternal. A questão é como sair. Não será fácil. Mas que vai acontecer, vai...

Brasil: LULA NÃO PRECISA SER CANDIDATO




A Folha reteve por 24 horas o dado capaz de relativizar esmagadoramente a queda de seis pontos nas intenções de votos na presidenta Dilma.

Saul Leblon – Carta Maior, editorial

Por que o Datafolha não inclui em suas enquetes algumas  perguntas destinadas a decifrar o modelo de desenvolvimento intrínseco à aspiração mudancista majoritária na sociedade brasileira, segundo o próprio Instituo?

Por que o Datafolha não pergunta claramente a esse clamor se ele  inclui em seu escopo de mudanças um retorno às prioridades e políticas vigentes  quando o país era governado pelo PSDB, com a agenda que o dispositivo midiático tenta restaurar com o lubrificante do alarmismo noticioso?

Não se trata de introduzir proselitismo nos questionários de sondagem. É mais transparente  do que parece. E de pertinência jornalística tão óbvia que até espanta que ainda não tenha sido feito.

Por exemplo, por que o Datafolha não promove uma simulação que incluiria Fernando Henrique Cardoso e Lula  como candidatos teóricos e assim avalia as preferências entre os modelos e ênfases de desenvolvimento que eles historicamente encarnam?

Por que  o Datafolha não pergunta claramente ao leitor se prefere a Petrobras  --e o pré-sal, que é disso que se trata, sejamos honestos--  em mãos brasileiras ou fatiada e privatizada?

Por que o Datafolha não investiga quais políticas e decisões estão associadas à preferência pelo petista que há 12 anos está sob  bombardeio ininterrupto da mídia e, ainda assim, conserva 52% das intenções de voto num país seviciado pelo monopólio midiático?

Por que o jornal que é dono da pesquisa  –em mais de um sentido--  não explicita em suas análises  as relações (ostensivas) entre a resistência heroica do recall desfrutado por Lula; o desejo majoritário de mudança na sociedade  e o vexaminoso arrastar dos pés-de-chumbo do conservadorismo, Aécio e Campos?

Por que a Folha reteve por 24 horas o dado capaz de relativizar esmagadoramente o impacto da queda de seis pontos que teria marcado as intenções de votos na presidenta Dilma –mas que ainda assim vence com folga (38%)  seus dois principais oponentes juntos (26% de Aécio e Campos)?

O dado em questão não é singelo.

Só divulgado nesta noite de domingo –sem espaço na manchete e sequer registro na primeira página do diário dos Frias!-- ele tem caibre para dissolver em partículas quânticas tudo  o que foi dito no final de semana sobre a  derrocada do governo  na eleição para 2014.

Qual seja, a  opinião de Lula -- colheu o Datafolha--  é uma referência positiva de impacto avassalador sobre as urnas de outubro: seu  peso ordena e  hierarquiza  a definição de voto de nada menos que 60% do eleitorado brasileiro.

Seis em cada dez eleitores tem em Lula uma baliza do que farão na cabine eleitoral.

Segundo o Datafolha,  37% deles votariam com certeza em um candidato indicado pelo petista; e 23% talvez referendassem essa mesma  indicação.

Note-se que os estragos que isso deixa pelo caminho não são triviais e de registro adiável.

Se divulgados junto com a pesquisa das intenções de voto, esmagariam, repita-se, o esforço do tipo ‘vamos lá, pessoal’, que os comodoros do conservadorismo tentaram injetar na esquadra de velas esfarrapadas de Campos e Neves.

Vejamos: ao contrário do que acontece com o cabo eleitoral de Dilma,   41% dos eleitores rejeitariam esfericamente um nome apoiado por Marina Silva –Eduardo Campos encontra-se nessa alça de mira contagiosa, ou não?

Já a rejeição a um candidato apoiado por FC é de magníficos  57%.

Colosso. Sim, quase 2/3 do eleitorado, proporção só três pontos inferior à influência exercida por Lula, foge como o diabo da cruz da benção dada pelo ex-presidente tucano a um candidato; apenas 23% cogitariam sufragar um nome apoiado por ele.

Esse, o empolgante futuro reservado ao presidenciável Aécio Neves, ou será que a partir de agora ele imitará seus antecessores de dificuldades e esconderá o personagem que o imaginário brasileiro identifica ao saldo deixado pelo PSDB na economia e na política do país?

O fato é que a  virada anti-petista, ou anti-governista, ou ainda anti-dilmista  que o dispositivo midiático tenta vender –e o fez com notável sofreguidão  neste final de semana, guarda constrangedoramente pouca aderência com a realidade.

Exceto se tomarmos por realidade as redações da emissão conservadora, a zona sul do Rio ou o perímetro compreendido entre os bairros de Higienópolis, Morumbi e Vila Olímpia, em São Paulo,  a disputa é uma pouco mais difícil.

Não significa edulcorar os desafios e gargalos reais enfrentados pelo país.

Mas na esmagadora superfície habitada por 60% da população brasileira o jogo pesado da eleição de 2014 envolve outras referências que não apenas a crispação do noticiário anti-petista em torno desses problemas.

Por certo envolve entender quem é quem e o que propõe cada projeto em disputa na dura transição de ciclo econômico em curso  – e nessa luta ideológica pela conquista  e o esclarecimento de corações e mentes, o governo Dilma e o PT estão em débito com a sociedade.

Sobretudo, o que os dados mais recentes indicam é que a verdadeira disputa de projetos precisa de mais luz e mais desassombro por parte dos alvos midiáticos.

Os institutos de pesquisas, a exemplo do Datafolha,  em grande medida avaliam o alcance do seu eco quase solitário.

Bombardeia-se a Petrobras para em seguida mensurar o estrago que os obuses causaram na resistência adversária. Idem, com o tomate,  a standard & Poor’s, etc., etc., etc.

Ao largo das manchete do Brasil aos cacos, porém,  seis em cada dez brasileiros aguardam o que tem a dizer aqueles que se tornaram uma referencia confiável pelo que fizeram para a construção da democracia social nos últimos anos.

É aí que Lula entra. E o PT deve cuidar para que entre não apenas rememorando o passado, do qual já é uma síntese histórica.

Mas que coloque essa credibilidade a serviço de uma indispensável repactuação política do futuro, contra o roteiro conservador do caos que lubrifica a rendição ao mercadismo.

Dizer que Dilma perdeu seis pontos e retardar a divulgação do que fariam  60% dos eleitores diante de um apelo de Lula, é uma evidência do temor que essa agenda e esse cabo eleitoral causam no palanque de patas moles que a mídia, sofregamente, carrega nas costas.

Brasileiros pensam que Mundial de futebol vai gerar mais prejuízos que benefícios




Mais de metade dos brasileiros pensa que o Mundial de Futebol 2014 - que terá lugar em junho e julho - vai resultar em mais prejuízos que benefícios para o Brasil, indica um inquérito.

O estudo - realizado pelo Instituto DataFolha em 2 e 3 de abril com base em entrevistas a 2.637 pessoas, de 162 municípios brasileiros e com uma margem de erro de dois pontos percentuais - mostra que 55 por cento dos inquiridos defende que o evento resultará em prejuízos para a população em geral, contra 36 por cento que acreditam que o Mundial será benéfico para o Brasil. Os nove por cento restantes não responderam.

O número de brasileiros pessimistas em relação ao Mundial aumentou 11 pontos percentuais em relação ao último inquérito, realizado em junho de 2013, quando 44 por cento acreditavam que os prejuízos seriam maiores que os benefícios.

A pesquisa referente ao ano passado foi feita durante a Taça das Confederações, num cenário de protestos de rua, mas mesmo num ambiente social mais calmo, o resultado atual revelou o aumento da insatisfação.

Também foi a primeira vez que o número de pessoas que é contra o evento ficou acima dos que são a favor.

Logo após o anúncio da escolha do Brasil como sede do Mundial, em novembro de 2008, 79 por cento dos brasileiros responderam ser a favor, percentagem que caiu para 65 por cento em junho de 2013, 52 por cento em fevereiro deste ano, e 48 por cento em abril.

FYRO // JMR - Lusa

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